domingo, 10 de agosto de 2014

Brasil não ratifica o Protocolo de Nagoya



A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) foi adotado durante a ECO-92. Ela é o principal instrumento internacional destinado a promover a conservação e o uso sustentável da biodiversidade. É também um dos instrumentos internacionais mais amplamente aceitos e ratificados em todo o mundo: 192 países e a União Europeia são parte da CDB. Todos os países membros das Nações Unidas – com exceção dos EUA, Andorra e Sudão do Sul - integram a Convenção.


Entre os princípios consagrados pela Convenção, está a soberania dos Estados sobre os seus recursos naturais. Assim, a autoridade para determinar o acesso a recursos genéticos pertence aos governos nacionais e está sujeita à legislação nacional dos países de origem de tais recursos. Este princípio prevaleceu sobre o conceito anterior à CDB de que tais recursos constituiriam “patrimônio da humanidade”.

Diretamente vinculado à CDB, o Protocolo de Nagoya foi adotado em outubro de 2010, na 10ª Convenção das Partes (COP-10) da Convenção, realizada no Japão. Ele é um instrumento que visa promover a implementação do terceiro objetivo da CDB: a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos e dos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade, detidos por comunidades indígenas e tradicionais. Na prática, seria possível a criação de royalties e outros mecanismos de compensação para o uso de recursos genéticos. O texto, no entanto, não é retroativo, e as medidas só valem para os novos usos desses recursos naturais.

No dia 11 de julho de 2014 o texto do Protocolo de Nagoya conseguiu obter o número mínimo de ratificações pelos países que o assinaram, para que entre em vigor. Cinquenta e um países já ratificaram o Protocolo de Nagoya, que passa a valer em 12 de outubro de 2014, ou seja, 90 dias após a 50ª ratificação. Com isso, o tratado entrará em vigor a tempo de ter sua primeira rodada de discussões durante a COP-12 da CDB, que acontecerá entre 6 e 17 de outubro, na Coreia do Sul.

País com a maior biodiversidade do planeta, o Brasil ainda não ratificou o Protocolo e, portanto, não poderá participar de sua primeira rodada de regulamentação, com direito a voto. O texto foi enviado ao Congresso Nacional, no final de 2012, pela presidente Dilma Rousseff.  Em março de 2013, foi determinada a criação de uma comissão para apreciar o assunto. Mas, até agora, ela ainda não saiu do papel. O Ministério do Meio Ambiente não comenta as razões da demora, mas fontes ligadas à pasta confirmam que o maior motivo da morosidade é a oposição da bancada ruralista no Congresso, que afirma que a ratificação do acordo deve trazer prejuízo à agropecuária brasileira.

O argumento utilizado, e sem qualquer fundamento legal, foi o de que o Protocolo criaria dificuldades para que as instituições brasileiras acessassem recursos genéticos da soja (originária da China) para fins de pesquisa e melhoramento genético vegetal. Ocorre que as condições para o acesso aos recursos genéticos da soja serão determinadas pela legislação chinesa, e não pelo Protocolo de Nagoya.

De acordo com a Convenção da Diversidade Biológica (CDB), qualquer empresa ou instituição científica interessada em acessar recursos genéticos para realizar pesquisa científica ou desenvolver novos produtos deve pedir autorização prévia ao país de origem de tais recursos, assim como repartir eventuais benefícios (monetários e não monetários) com os países de origem de tais recursos. 

Assinando ou não o Protocolo, o Brasil não poderá violar a soberania da China sobre os seus recursos naturais e fazer coleta de recursos genéticos da soja no território chinês, sem a prévia autorização do Estado chinês. Além disto, é evidente que o Protocolo de Nagoya não tem efeito retroativo, e suas normas só serão aplicadas a partir da sua entrada em vigor. Assim, as variedades melhoradas de soja atualmente utilizadas pelo agronegócio não serão afetadas pelo Protocolo de Nagoya, ao contrário do que afirma. Ademais, sabe-se que o melhoramento genético da soja desenvolvido por instituições brasileiras se baseia principalmente no acesso a recursos genéticos da soja que já estão disponíveis nas coleções ex situ (bancos de germoplasma) mantidas por instituições brasileiras, e não na coleta de recursos genéticos da soja em condições in situ. A ONU, inclusive, já afirmou por diversas vezes que a abrangência do protocolo não se estende às culturas tradicionalmente consolidadas.

Ao deixar de ratificar o Protocolo de Nagoya, o Brasil revela não apenas uma grande incoerência em seus posicionamentos internacionais – pois trabalhou ativamente pela aprovação do Protocolo, e depois não o ratificou internamente – como também perde oportunidades importantes de auferir benefícios (monetários e não monetários) pela exploração do seu rico e diversificado patrimônio biológico e genético.

Ainda existem suspeitas que o Protocolo ainda não foi ratificado, em função dos ruralistas estarem esperando a aprovação do Projeto de Lei sobre Recursos Genéticos  encaminhado pelo governo federal ao Legislativo em junho de 2014, que objetiva regulamentar o acesso e a pesquisa ao material genético brasileiro. O texto, que tramita em regime de urgência, foi interpretado como parte da estratégia para agilizar a ratificação de Nagoya. Apesar de falar do material genético brasileiro, a proposta exclui do texto os alimentos. Os deputados já apresentaram 79 emendas ao PL que simplesmente desfiguram o teor e o propósito originais do projeto, com propostas que vão desde a isenção de pagamento de royalties para pesticidas até a anistia de multas impostas a produtores.

"O projeto de lei pretende facilitar e incentivar o acesso à pesquisa, eliminando a necessidade de autorização prévia que existe na atual legislação (a Medida Provisória no 2.186-16, de 23 de agosto de 2001)", disse Roberto Cavalcanti, secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente. O departamento que acompanha esse tema no Ministério das Relações Exteriores (MRE) acredita que o Protocolo não esteja subordinado ao PL, porém estão fortemente vinculados, sendo que um não funcionará sem o outro.  

Leia aqui a íntegra do Protocolo de Nagoya.


Fonte: http://novo.maternatura.org.br/news.php?news=721

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