A presidenta Dilma Rousseff sancionou no dia 20 de maio, com cinco vetos, o novo Marco Legal da Biodiversidade, (Lei nº 13.123/2015) que regulamenta o acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado. A nova legislação entrará em vigor 180 dias depois da publicação no Diário Oficial da União e substituirá a Medida Provisória nº 2186, publicada em 2001, alvo de reclamações principalmente da indústria farmacêutica e de cosméticos e da comunidade científica.
A lei define regras para acesso aos recursos da biodiversidade por pesquisadores e pela indústria e regulamenta o direito dos povos tradicionais à repartição dos benefícios pelo uso de seus conhecimentos da natureza, inclusive com a criação do Fundo Nacional para Repartição de Benefícios (FNRB), específico para esse pagamento.
Para os cientistas, a principal mudança na lei é a autorização para ter acesso aos recursos da biodiversidade para os estudos. A regra em vigor até então (MP 2186) classificava como biopirataria as pesquisas feitas sem autorização do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), o que colocava muitos na ilegalidade. Agora, os cientistas farão um cadastro no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e poderão iniciar as pesquisas.
A ministra Izabella Teixeira destacou que a sanção do novo marco regulatório impulsiona a ratificação, pelo Brasil, do Protocolo de Nagoya, instrumento de implementação da Convenção da Diversidade Biológica (CDB). “Deve propiciar uma nova interlocução a respeito da aplicação da CDB no Brasil, concluímos o arcabouço jurídico de aplicação da convenção. Espero que a gente possa agora, nesse novo patamar de consolidação e de entendimento, dialogar com o Congresso Nacional para ratificação do Protocolo de Nagoya”.
É novidade, ainda, o uso do protocolo comunitário como forma de consentimento prévio. Documento que oferece segurança jurídica aos povos e comunidades e estabelece, segundo seus usos, costumes e tradições, os mecanismos para autorizar o acesso ao conhecimento tradicional associado e a repartição de benefícios. Com esse instrumento, uma empresa que tenha interesse em acessar o conhecimento tradicional associado de origem identificável de um povo ou comunidade por meio de um protocolo como esse, passará a se submeter às regras expressas previamente nesse instrumento. A adesão da empresa ao protocolo serve como um reconhecimento do consentimento prévio informado.
Para a exploração econômica de produto acabado ou material reprodutivo, proveniente de acesso ao conhecimento tradicional associado, será exigido acordo de repartição de benefícios com as comunidades fornecedoras dos conhecimentos. O documento precisa ser apresentado em até 365 dias após o momento da notificação ao Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) do Ministério do Meio Ambiente (MMA), informando que o produto acabado ou do material reprodutivo será colocado no mercado.
O acordo de repartição de benefícios, apontado como uma conquista da nova legislação, define que o usuário terá de depositar, no FNRB, 1% da renda líquida obtida com a venda do produto acabado ou material reprodutivo oriundo do patrimônio genético. No caso de exploração econômica de produto ou material reprodutivo originado de conhecimento tradicional associado de origem identificável, o depósito no FNRB será de 0,5% da receita líquida anual.
Outra novidade é que as pesquisas envolvendo o patrimônio genético e o conhecimento tradicional associado não mais precisarão do aval do CGEN, sendo necessário apenas fazer um cadastro eletrônico.
O intercâmbio e a difusão de patrimônio genético e de conhecimento tradicional associado praticados entre as populações indígenas, comunidade tradicional ou agricultor tradicional, para seu próprio benefício e baseados em seus usos, costumes e tradições estarão isentos das obrigações estipuladas pela Lei. Ficam igualmente isentas da obrigação de repartição de benefícios as microempresas, as empresas de pequeno porte, os microempreendedores individuais, os agricultores familiares e suas cooperativas com receita bruta anual igual ou inferior a R$ 2,4 milhões.
Vetos
A presidente vetou cinco dispositivos da redação aprovada pelo Congresso. As alterações aprimoram a legislação em relação ao acesso e exploração do patrimônio genético nacional. Pelo menos três vetos atenderam reivindicações do movimento social e das organizações da sociedade civil (leia mais).
Dilma vetou o artigo que isentava de repartição de benefício os produtos derivados de acesso ao patrimônio genético realizado antes de 29 de junho de 2000. Também retirou do texto a possibilidade das indústrias escolherem, com exclusividade, o destinatário final da repartição de benefícios não monetária no caso de acesso a recursos genéticos. Os dois pontos eram defendidos pelas grandes empresas envolvidas com o tema.
Outro veto garantiu que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) fiscalize o acesso e exploração do patrimônio genético, evitando a fiscalização exclusiva do Ministério da Agricultura para as atividades de agricultura, como queria a bancada ruralista no Congresso.
Os parágrafos 3º e 4º do artigo 13 foram vetados porque criariam mais burocracia ao pesquisador, pois exigiriam que houvesse, também, a autorização do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) ou do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) para a realização do acesso nessas áreas.
O caput do artigo 17 do novo marco legal define a exploração econômica de produto acabado ou material vegetativo como fato gerador de repartição de benefícios. O parágrafo 10 distorcia este princípio, ao estabelecer que o fato gerador da repartição de benefícios se daria no acesso ao patrimônio genético e por isso foi igualmente retirado.
O Artigo 29 foi vetado integralmente por se tratar de matéria privativa da Presidência da República a atribuição de competência interna do Poder Executivo. Dessa forma, o Legislativo não poderia atribuir competência ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para a fiscalização. Além disso, o novo marco define a exploração econômica como fator gerador de repartição de benefícios.
As infrações contra o patrimônio genético e o conhecimento tradicional associado serão fiscalizadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e pelo Comando da Marinha do Brasil. Ambos são responsáveis pela fiscalização, conforme Decreto nº 5.459/2005. Por isso, o artigo 29 foi vetado do novo marco legal da biodiversidade, uma vez que incluía outros órgãos na relação de responsáveis por fiscalizar o acesso ao patrimônio genético.
Segurança Jurídica
Adriana Diaféria, do Grupo FarmaBrasil, disse que o setor ficou "bastante satisfeito" com o novo marco, que trará "mais segurança jurídica para os investimentos". Desde 2005, quando entrou em vigor um decreto regulando as sanções no caso de desrespeito dessas regras, o Ibama já aplicou mais de R$ 230 milhões em multas, resultado de quase 600 autos de infrações contra instituições brasileiras e multinacionais. Entre elas estão grandes empresas (Avon, Natura, Ambev, Boticário, Johnson & Johnson, L'Oréal, Unilever, etc), laboratórios e farmacêuticas (Pfizer, Abbott, Medley, Merck, etc); e até mesmo a Embrapa (estatal que faz pesquisas para o setor agropecuário) e universidades públicas (USP, UERJ, UFMG, UFRGS, UFPB, etc), que costumam recorrer das multas.
Críticas da Sociedade Civil
Representantes de movimentos sociais, de comunidades tradicionais e de pequenos agricultores criticam o processo final de elaboração do Marco Legal da Biodiversidade. Para esses movimentos, a nova lei fere direitos adquiridos dessas populações e privilegia setores, como a indústria farmacêutica e cosmética. Eles esperam reverter alguns pontos durante a regulamentação da norma.
A assessora do Instituto Socioambiental (ISA) e especialista em biodiversidade, Núrite Ben Sussãn, afirma que não há motivo para comemorar. Ela diz que o texto é inconstitucional porque não houve consulta prévia aos povos tradicionais, como determina convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O assessor da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Paulino Montejo, disse que os movimentos ainda vão propor mudanças no texto durante os próximos 180 dias, prazo de regulamentação da lei. O Instituto Socioambiental afirmou que vai entrar com um pedido de Ação Direta de Inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal.
Cerca de dez pontos específicos são contestados pelos movimentos sociais, entre eles, os artigos que tratam da divisão dos lucros decorrentes da exploração da biodiversidade.
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) - instituição que representa mais de 120 sociedades científicas – comemorou parcialmente a nova legislação. Se por um lado a comunidade acadêmica considerou positiva a desburocratização da pesquisa, de outro lamentou “o retrocesso aos direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais”. "Em nosso entendimento, a ética e o respeito aos direitos adquiridos é condição sine qua non para o desenvolvimento de uma ciência séria", disse a presidente da SBPC, Helena Nader, em artigo no portal da instituição.
Fonte: http://novo.maternatura.org.br/news.php?news=747
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