Marco Gonçalves
O material publicado em jornais, revistas e sites noticiosos nos últimos 20 dias sobre a Amazônia foi dominado pelos resultados da Operação Castanheira, que desbaratou uma quadrilha especializada em grilagem de terras no Pará; pela reportagem da Folha de S.Paulo sobre os “descaminhos” gerados pela falta de gestão ao longo da BR-163; pelos atrasos na divulgação dos dados decorrentes do monitoramento da cobertura florestal na Amazônia e, por fim, pela confirmação de aumento no desmatamento em 2013, que chegou a 29%.
Mais para o mal do que para o bem, as notícias e opiniões publicadas nesse período estiveram influenciadas pela conjuntura eleitoral, especialmente pela acirrada disputa para o Palácio do Planalto entre a atual presidente Dilma Rousseff e a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva.
As previsíveis ilegalidades na BR-163
Os resultados da Operação Castanheira – da qual participaram Ibama, Ministério Público Federal (MPF), Polícia Federal e Receita Federal – foram divulgados em Belém (PA) no dia 27 de agosto, recebendo ampla cobertura da imprensa. Segundo as fontes oficiais, a operação desmontou uma quadrilha integrada pelos “maiores desmatadores da Amazônia brasileira atualmente”, que “deverão ser indiciados pelos crimes de invasão de terras públicas, furto, sonegação fiscal, crimes ambientais, falsificação de documentos, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro”. O bando, que tinha ramificações no Mato Grosso, Paraná e São Paulo, atuava sobretudo no município de Novo Progresso (PA), na área de influência da BR-163.
O governo federal, o MPF e outros analistas apostam que o desbaratamento dessa quadrilha será capaz de reduzir substancialmente o desmatamento ilegal na Amazônia. No entanto, os vetores que promovem o desmatamento ilegal continuam fortes em outras partes da região, como no sul do estado do Amazonas, no norte do Mato Grosso e em outros municípios do Pará, como Altamira e São Felix do Xingu, onde o desmatamento continua a subir desde 2012, segundo os sistemas Prodes e Deter.
A BR-163 foi também tema de uma alentada reportagem assinada pelo jornalista Marcelo Leite, publicada pela Folha de S.Paulo em 31 de agosto. Realizada com o apoio da ANDI e da Clua, a matéria BR-163 Insustentável atesta que, diante da falta de gestão ambiental e fundiária, por parte do governo federal, a região se tornou um dos principais focos de violência fundiária, grilagem de terras e exploração madeireira ilegal. Juntando alhos com bugalhos, interpreta-se que as caríssimas operações de repressão ao crime organizado na região da BR-163 decorrem da inépcia do Estado em antecipar-se aos agentes que promovem a criminalidade social e ambiental na região.
Manipulação na divulgação dos dados do desmatamento
Os atrasos na divulgação dos resultados do monitoramento da cobertura florestal da Amazônia, realizado pelo INPE, começaram a receber a devida atenção da imprensa no final de agosto. Desde julho este site vinha alertando jornalistas para o fato de que o governo federal estava “segurando” a divulgação dos dados do Degrad e do Deter, ao mesmo tempo em que protelava a confirmação da taxa consolidada do Prodes referente ao desmatamento de 2013.
Em meados de agosto, a sugestão de pauta feita por este site – de que os dados sobre degradação florestal referentes a 2011, 2012 e 2013 estavam prontos, mas sua divulgação não era autorizada pelo governo –, repercutiu fortemente, levando o INPE a publicá-los no dia 22 de agosto. O atraso na divulgação desses dados – inclusive os do sistema Deter, referentes aos meses de junho e julho, que apontaram nova tendência de aumento no desmatamento em 2014 – dominou o noticiário sobre a Amazônia por vários dias, com reportagens em O Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo.
Por fim, em 10 de setembro, o INPE divulgou os resultados consolidados do desmatamento de 2013, apontando que, entre agosto de 2012 e julho de 2013, o corte raso na região chegou a 5.891 km2, uma elevação de 29% em relação ao período anterior. Embora os releases oficiais tenham tentado minimizar o resultado, destacando se tratar da segunda menor taxa da série histórica iniciada em 1988, predominou no noticiário o tom negativo, segundo o qual, após quatro anos, o desmatamento subiu de forma significativa na região.
Em seu conjunto, essas notícias indicam haver manipulação da rotina de divulgação dos dados provenientes dos sistemas de monitoramento do desmatamento operados pelo INPE. A definição das datas de divulgação dessas informações segundo as conveniências políticas do governo é de responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente, coordenador da política de controle do desmatamento, e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, ao qual o INPE está subordinado, e indicam o fim de um período de transparência e previsibilidade nesse processo.
Longe de ser monopólio do governo federal, o acesso a esses dados é de interesse de amplos setores da sociedade, que os utilizam para realizar análises independentes sobre a dinâmica do desmatamento na região e suas consequências. Em seu conjunto, as reportagens e opiniões publicadas nesse período alertam a sociedade sobre um possível enfraquecimento da atual política de enfrentamento do desmatamento, da qual fazem parte, além do Ministério do Meio Ambiente, os governos estaduais e as prefeituras municipais da região.
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Marco Gonçalves é editor do site Mídia e Desmatamento na Amazônia.
Fonte: http://desmatamentonaamazonia.andi.org.br/artigo/desmatamento-em-alta
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