quinta-feira, 9 de julho de 2015

Dados da Nasa revelam que o mundo está ficando sem suas principais fontes de água



Apesar de aproximadamente 70% da superfície da Terra estarem cobertos de água, só cerca de 2,5% deste precioso composto essencial para a vida existente no planeta consistem em água doce, ou seja, apropriada ao consumo humano e animal e para uso na agricultura e na indústria. Grande parte desta água doce, no entanto, está presa na forma de gelo nas calotas polares e em glaciares ou em enormes e profundos depósitos subterrâneos, conhecidos como aquíferos confinados.
Assim, durante milênios, a Humanidade dependeu quase exclusivamente de lagos e rios, que respondem por apenas cerca de 0,0072% de toda a água no planeta, e de poços relativamente rasos, que em geral alcançam só os lençóis freáticos, também conhecidos como aquíferos não confinados, para sobreviver.

Nas últimas décadas, porém, os grandes e profundos aquíferos confinados, até pouco tempo atrás praticamente inacessíveis, começaram a ser usados para suprir diversas necessidades, desde irrigação de plantações até mitigação da sede de uma população crescente. O problema é que em muitos lugares, especialmente em algumas das regiões mais áridas do planeta, o ritmo de retirada de água destes depósitos subterrâneos é bem superior à sua reposição natural. Assim, estas fontes estão começando a secar, colocando em risco a segurança hídrica, e consequentemente a sobrevivência, de bilhões de pessoas.

É isso que mostra agora dois estudos da Universidade da Califórnia, divulgados no dia 17 de junho no site da Agência Espacial Americana (Nasa), que mediu variações no volume de água que estaria guardado nos 37 maiores sistemas aquíferos (somando depósitos confinados e não confinados) da Terra entre 2003 e 2013. De acordo com o levantamento inédito — feito com base em dados sobre pequenas variações na força da gravidade do planeta medidas pelos satélites gêmeos da missão espacial Grace, da Nasa —, nada menos que 21 destes sistemas passaram do nível sustentável, isto é, parecem ter perdido mais água do que foram recarregados neste período. E em 13 destes, ou mais de um terço do total, a diferença entre a retirada e reposição de água seria tamanha que eles foram classificados como sob grande “estresse”. Para piorar ainda mais o cenário, um segundo estudo que acompanha o primeiro também mostra que não existem dados suficientes para calcular qual o real tamanho destes depósitos subterrâneos de água, o que torna impossível saber exatamente quando e se eles vão se esgotar de fato.

"A situação é bem crítica mesmo", diz Jay Famiglietti, professor da Universidade da Califórnia em Irvine, nos EUA, e líder de ambos os estudos, publicados no periódico científico “Water Resources Research”. "As medições físicas e químicas disponíveis são simplesmente insuficientes (para saber o volume total dos aquíferos). E dada forma rápida como estamos consumindo as reservas aquíferas do mundo, precisamos de um esforço global coordenado para determinar quanto de água ainda temos nelas", afirma.

Segundo os dados, os sistemas aquíferos sob maior estresse no mundo são o da Arábia, que fornece água para mais de 60 milhões de pessoas na Península Arábica; o da Bacia do Rio Indo, entre o Noroeste da Índia e o Paquistão, com uma população de alcança centenas de milhões de pessoas; e o da Bacia Murzuk-Djado, no Norte da África — todos localizados em regiões das mais áridas do planeta.

Outro exemplo do uso descontrolado e excessivo destas reservas subterrâneas de água apontado pelo primeiro estudo está na Califórnia. Já normalmente árida, essa região dos EUA enfrenta uma das maiores secas de sua história, o que levou a um forte aumento na retirada de água de suas reservas subterrâneas tanto para suprir a sua grande população quanto para sua agricultura. "Como vemos na Califórnia agora, dependemos muito mais das reservas subterrâneas de água durante secas", destaca Famiglietti. " Assim, quando formos examinar a sustentabilidade dos recursos hídricos de uma região, temos que levar em conta esta dependência", complementa.

Já no Brasil, as bacias da Amazônia e do Maranhão, que incluem o grande aquífero confinado de Alter do Chão, parecem ter ganho volume entre 2003 e 2013, enquanto no também confinado aquífero Guarani, apontado como um dos maiores do tipo na Terra e que se estende para além das fronteiras do país, podendo ser acessado de Uruguai, Paraguai e Argentina, a redução do volume teria sido mínima no período. Mas esta situação pode piorar drasticamente caso vá em frente a ideia de usar a água do Guarani para enfrentar a crise hídrica provocada pela seca dos últimos anos na Região Sudeste, em especial em São Paulo, onde o sistema de abastecimento por águas superficiais, como o Cantareira, está à beira do colapso.

"O Brasil tem muita disponibilidade de água superficial, então o esgotamento dos aquíferos subterrâneos não é um problema que o país teria que encarar em breve", destaca o hidrólogo brasileiro Augusto Getirana, pesquisador da Universidade de Maryland e do Centro de Voo Espacial Goddard da Nasa, ambos nos EUA. "No longo prazo, porém, grandes mudanças climáticas que afetassem a disponibilidade desta água superficial, como na atual seca no Sudeste, podem fazer do uso das reservas subterrâneas de água uma questão importante", alerta.

Getirana, no entanto, afirma que na hora de buscar por fontes de água doce para abastecer pessoas, animais e plantações, não há muitas alternativas a não ser recorrer a estes depósitos subterrâneos. Assim, o especialista espera ver uma continuidade no ritmo de esvaziamento dos sistemas aquíferos nas regiões mais áridas do planeta, o que também poderá provocar a eclosão de conflitos pela água ao redor do mundo.

"Não há muito o que fazer. Enquanto tivermos populações, criações e plantações ocupando estas regiões, vai haver demanda por água e a solução será sempre buscar esta água subterrânea, mais viável economicamente, mas também de maior impacto ambiental e na segurança hídrica a longo prazo. Mas aí, um grande problema é que estaremos usando algo cujo tamanho não conhecemos, e assim não sabemos quando poderá acabar", finaliza.


Fonte: http://novo.maternatura.org.br/news.php?news=749

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