Um artigo (Brazil’s environmental leadership at risk) publicado no dia 6 de novembro na revista “Science” traz a análise feita por pesquisadores brasileiros e estrangeiros sobre os danos que o novo Código de Mineração, em análise no Congresso, e as obras de megaprojetos, como as hidrelétricas, podem causar em áreas de proteção ambiental do país. Segundo o artigo, a implementação do novo marco regulatório de mineração e a implantação de infraestrutura voltada à geração de energia ameaçam as florestas e terras indígenas, e podem tirar do Brasil o posto de referência global em preservação ambiental.
O texto enfatiza a legislação para a exploração de recursos minerais, projeto de lei em discussão na Câmara. Uma das propostas, o Projeto de Lei 3.682/2012, citado no artigo, autoriza a sondagem e exploração de recursos minerais em todas as unidades de conservação, limitando a atividade a 10% do total de sua extensão geográfica.
De acordo com o artigo, que tem como autora principal a pesquisadora Joice Ferreira, da Embrapa Amazônia Oriental, o plano pode afetar 20% das zonas de conservação integral e terras indígenas – somente na Amazônia, 34.117 km² de florestas (8,3% do total do bioma) ficariam disponíveis para exploração e 281.443 km² de terras indígenas distribuídas pelo país (28,4% das TIs) ficariam à disposição para retirada de minérios.
Chama ainda a atenção os interesses de mineração em mais de dois mil quilômetros quadrados de reservas de Mata Atlântica, o bioma mais devastado do país, com só 8,5% da cobertura original. Já o terceiro bioma mais visado é a caatinga, onde as áreas de interesse mineral abrangem 440 quilômetros quadrados em áreas protegidas.
“Nosso trabalho mostra que as áreas de proteção são eficientes para conter o desmatamento em áreas de importância ecológica e funcionam como uma barreira natural”, explica Joice. Ela reconhece ainda a necessidade de melhorar o manejo das unidades de preservação do país. “Há demora para criar planos de manejo da região, a vigilância é pequena e faltam funcionários”, diz.
O atual Código de Mineração (Decreto-Lei nº 227/67) foi publicado durante o regime militar, ele proíbe qualquer exploração mineral em áreas de proteção ambiental, mas permite a sondagem. Para atualizá-lo, o governo federal enviou ao Congresso Nacional uma nova proposta (PL 5807/13), que se juntou a outros seis projetos de lei (PL 37/11 e apensados) sobre o assunto que já tramitavam na Câmara dos Deputados desde 2011. O relator do processo, deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG) apresentou um substitutivo aos projetos.
Este parecer do relator Quintão deverá ser votado por uma comissão especial formada por 32 membros do Senado e Câmara dos Deputados.
Segundo os cientistas, a partir de dados do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), de 505 unidades de proteção integral analisadas no país, 236 já receberam algum tipo de pedido de sondagem (47%) de empresas de mineração, o que mostra interesse nesse tipo de atividade. De 578 terras indígenas estudadas, 251 (ou 43%) estão na mesma situação.
De acordo com a pesquisa, mesmo que a área minerada em si seja pequena, a maior causa de preocupação são os impactos indiretos causados pela exploração de uma área protegida: são construídas estradas e obras de infraestrutura, que provocam a migração de pessoas que passam a viver no local, entre outros fatores. “Se os pedidos forem aprovados, regiões intactas da Amazônia serão abertas e ficarão expostas a essa atividade”, afirma Joice. No que se refere à Mata Atlântica, segundo ecossistema que seria mais afetado pela aprovação do projeto de lei, a recuperação das áreas verdes ficaria comprometida pela atividade mineradora.
Em um comunicado divulgado pelos pesquisadores, Jos Barlow, da Universidade de Lancaster e um dos coautores do artigo na “Science”, ressalta a necessidade de valorizar as áreas protegidas “visando os benefícios de longo prazo para a sociedade” e não os ganhos de curto prazo. “O problema atual da escassez de água no Sudeste do Brasil enfatiza justamente a importância de proteger a vegetação nativa em todo o país”, complementa.
Os cientistas lembram que desmatar a Floresta Amazônica significa colocar em risco o ciclo de chuvas em outras regiões do país, como o Sudeste, que agora já sofre com seca. Paulo Barreto, pesquisador do Imazon, diz que a própria Amazônia já sofreu com secas intensas em 2005 e 2010: “As secas intensas na Amazônia só ocorriam de cem em cem anos. Mas nos últimos cinco houve duas bem graves. E a chuva no resto do país depende da umidade que sai da região”.
A seca atinge seis das principais bacias hidrográficas brasileiras, entre elas a do rio São Francisco, que nasce na Serra da Canastra (MG). O Parque Nacional da Serra da Canastra é ameaçado pela mineração. A intenção é explorar diamantes. Joice Ferreira, pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental, diz não ser possível limitar os danos da mineração a só um pedaço das reservas.
O projeto propõe que a empresa responsável pela mineração se responsabilize por fazer uma área de compensação, com o dobro do tamanho, em outra região. Segundo os pesquisadores, porém, essa proposta não cobre os danos causados ao meio ambiente. “As áreas de conservação integral são implantadas em determinados lugares por serem áreas especiais que abrigam ecossistemas e espécies-chave, que só ocorrem ali. Fazer compensação em outros locais não neutraliza o dano causado àquele ambiente. E, dependendo da região, pode até ser difícil encontrar locais disponíveis para o replantio”, explica a bióloga.
No artigo, os cientistas lembram que o Brasil demorou dez anos para criar o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), consolidado após consulta à sociedade, e projetos de lei que reduzem áreas de proteção tramitam silenciosamente no Congresso Nacional sem que os brasileiros se deem conta do seu conteúdo.
Conheça a íntegra dos textos do Código de Mineração em análise no Congresso: PL-37/2011 e PL-5807/2013.
Fonte: http://novo.maternatura.org.br/news.php?news=730
Nenhum comentário:
Postar um comentário