sábado, 14 de junho de 2014

O doce e lucrativo ataque das cochonilhas



Por um desses mistérios insondáveis da natureza, apenas nos anos pares – como este 2014 – pequenos insetos sugadores conhecidos como cochonilhas (gêneroStigmacoccus) atacam as bracatingas (Mimosa scabrella). Do alto dos seus 10 a 18 metros, essas árvores nativas da Região Sul do Brasil (com algumas ocorrências nas serras de São Paulo e Minas Gerais) defendem-se como podem. E do embate resulta um melato: uma substância branca e adocicada, composta de exsudatos da bracatinga misturados a enzimas e substâncias produzidas pelas cochonilhas.

O tronco da bracatinga fica todo “decorado” com esse melato branco, atraindo asabelhas que o aproveitam para fabricar mel, sobretudo nos meses pobres em floradas, como maio e junho. “De início, esse mel de melato de bracatinga não tinha valor, era um problema para nós. Não tinha para quem vender por causa do sabor mais forte e da cor escura”, conta Irineu Santos de Castilhos, apicultor há 32 anos em Cambará do Sul, no Rio Grande do Sul. Alguns apicultores chegavam a remover as colmeias das matas de bracatinga para evitar o uso do melato pelas abelhas.
Em 2000, no entanto, algumas amostras desse mel foram oferecidas a compradores estrangeiros pela exportadora Minamel, sediada em IçaraSanta Catarina. O sucesso na Europa foi imediato, pois lá já existe um mercado para produtos semelhantes, oriundos principalmente da Floresta Negra (Alemanha) e de bosques da Turquia,GréciaItália e Espanha, onde insetos sugadores também provocam a exsudação de melatos em algumas espécies de árvores locais. O mel de melato de bracatinga chegou a ter um preço 27% mais alto do que o do mel comum, de origem floral, e hoje ainda se mantém de 10 a 15% mais lucrativo.
Apiário Cambará, de Irineu de Castilhos, mantém 650 colmeias em 22 propriedades arrendadas e produz em média 2 mil quilos de mel de melato de bracatinga, a cada safra bienal. “Vendo o mel floral no varejo a R$ 12,00 o quilo, enquanto o mel de melato alcança R$ 15,00”, diz. E não é só isso: a bracatinga é uma das primeiras espécies a florescer, em agosto, justamente numa época crítica para as colmeias, quando quase não há alimento natural para as abelhas. A florada é intensa e dura um mês inteiro, o que é bastante. Logo a espécie é importante também para formação dos novos enxames e para a produção de mel floral, cuja retirada é feita no mês de outubro.
Uma das grandes exportadoras de Santa Catarina, a Prodapys Organic Honey, deAraranguá, SC, chega a exportar 25 contêiners de mel de melato de bracatinga em anos de boa safra, conforme relata Tarciano Santos da Silva, gerente de exportação da empresa. O produto já foi ouro duas vezes no congresso mundial de apicultura conhecido como Apimondia: em 2007, na Austrália, e em 2013, na Ucrânia. “A avaliação dos méis é feita por degustadores especializados de maneira semelhante à do vinho, considerando o aroma, o sabor, a acidez e vários outros detalhes sensoriais”, comenta Tarciano, ganhador de mais dois ouros e um bronze, no ano passado, com sua linha de produtos apícolas.
Apesar de ser tão bem cotado na Alemanha e em outros países europeus, o mel de melato de bracatinga não agrada muito o consumidor brasileiro. Talvez por ser menos doce, menos ácido, mais encorpado e mais escuro do que os méis florais. De fato, a composição química do mel de melato é diferente, com menos glicoses, menos frutoses, pH mais alto e mais oligossacarídeos. Vale prestar atenção especialmente aos oligossarídeos, que são carboidratos solúveis e não digeríveis, com a função de estimular o crescimento da microflora intestinal benéfica. Eles são classificados como fibras dietéticas com baixo teor de calorias e fazem desse mel, portanto, um produto excelente para a saúde.
Não seria o caso de cuidarmos melhor desse nicho de mercado? Quem sabe deixar um pouco desse produto por aqui também em lugar de exportar tudo? Ou, talvez, estudar maneiras de manejar os bracatingais para aumentar a produtividade e garantir mel de melato para todos?
O
Fotos: Prodapys (tronco de bracatinga com o melato branco ao alto e árvore de bracatinga florida, acima)

Fonte: http://planetasustentavel.abril.com.br/blog/biodiversa/o-doce-e-lucrativo-ataque-das-cochonilhas/?utm_source=redesabril_psustentavel&utm_medium=facebook&utm_campaign=redesabril_psustentavel_biodiversa

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