terça-feira, 15 de novembro de 2011


Compromisso com alimentação de qualidade

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Salvador, Brasil, 14/11/2011 – Representantes do governo e de populações originárias e tradicionais do Brasil, que definem a diversidade desta sociedade, assumiram o compromisso de lutar pelo cumprimento do “direito humano a uma alimentação adequada e saudável”. A declaração divulgada ao final do encontro, assinada pelas autoridades e comunidades indígenas, negras, ribeirinhas, pais e mães do candomblé, e outras, estabelece que estes povos devem ter acesso a parcelas de terra para trabalhar, por meio da reforma agrária, e a recursos naturais.

A declaração foi aprovada no dia 10, no encerramento da IV Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do Brasil, que durante quatro dias debateu em Salvador, capital da Bahia, os desafios do país nesse campo, com participação de dois mil delegados. Os resultados estão dirigidos a vários públicos, segundo Renato Maluf, presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), no qual estão representados governo e organizações não governamentais.
Entre os destinatários estão “os envolvidos na mobilização social, o governo em seus três níveis (federal, estadual e municipal) e, inclusive, quem nada sabe sobre o direito à alimentação. Também estamos falando para o mundo”, disse Maluf ao final do encontro. O documento estabelece como base que os sete bilhões de habitantes do planeta têm “direito a uma alimentação adequada e saudável todos os dias, e à proteção contra a fome e outras formas de insegurança alimentar e nutricional”. Além disso, pede o fortalecimento das agências vinculadas a essa luta, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e o Comitê de Segurança Alimentar Mundial.
O Ministério de Desenvolvimento Social Agrário e Combate à Fome, que apresentou a declaração junto com o Consea, alertou que a atuação das grandes empresas, a monocultura com uso intensivo de agrotóxicos e a utilização de transgênicos “produz efeitos evidentes” na perda da soberania alimentar e contribui para a obesidade e outras doenças crônicas. “É indispensável encontrar uma política para reduzir progressivamente o uso de agrotóxicos e eliminar imediatamente o uso dos que já foram proibidos em outros países, que apresentam graves riscos à saúde humana e ao meio ambiente”, acrescentou.
O Brasil é considerado “campeão” mundial em consumo de herbicidas, fungicidas e inseticidas agrícolas. O país consome, em média, 5,2 litros anuais desses venenos por habitante, segundo documentos apresentados na Conferência. A declaração reconhece também o papel estratégico da agricultura familiar para a segurança alimentar, e do uso sustentável dos recursos naturais. A soberania e a segurança alimentar também são identificadas como eixos de desenvolvimento socioeconômico.
Dados oficiais mostram que a agricultura familiar emprega 75% da mão de obra do campo no Brasil e responde por 70% da produção de feijão, 87% da de mandioca e 58% do leite consumido no país, garantindo, assim, a segurança alimentar de seus 192 milhões de habitantes. Por ocasião da Conferência, que recebeu apoio da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), foi inaugurado um centro de excelência alimentar que, com ajuda do Programa Mundial de Alimentos, transmitirá a outros países em desenvolvimento as experiências positivas do Brasil no combate à fome.
Entre esses passos está o programa Fome Zero, implantado no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) dentre as políticas socioeconômicas destinadas a reduzir a pobreza. Desde seu começo até 2010 conseguiu baixar a desnutrição infantil em 61%. Outra iniciativa, a merenda escolar, atende diariamente 47 milhões de alunos e também incentiva a compra de alimentos da pequena agricultura.
“Os países têm direito à alimentação e ao desenvolvimento, e se descobrimos uma fórmula que funcionou no Brasil, por que não pode servir a outros países na mesma situação, com adaptações à sua realidade?”, disse à IPS o coordenador de Ações Internacionais no Combate à Fome, do Ministério das Relações Exteriores, Milton Rondó Filho. “Estamos falando de um círculo virtuoso de desenvolvimento local, que esperamos poder repetir em outros países”, afirmou.
Em entrevista à IPS, José Graziano da Silva, diretor-geral eleito da FAO, atribuiu esse sucesso à participação “decisiva” do Estado. “Se não houvesse a vontade política do presidente Lula para envolver toda a estrutura pública em sua implantação, ainda estaríamos na fase de fazer caridade no combate à fome”, disse Graziano, que foi ministro de Segurança Alimentar no governo passado. Do “outro lado da moeda”, Graziano também destacou “o apoio popular” e a participação do setor privado que foi “vital”, por exemplo, nas cadeias agroalimentares como os supermercados. Essa participação foi destacada na Conferência de Salvador.
A declaração final foi aprovada em sessão plenária por todos os delegados presentes, eleitos em mais de três mil municípios, em um processo que envolveu 75 mil pessoas. Maluf atribuiu essa participação ao bom rumo de programas como o Fome Zero. “Somos todos favoráveis à recuperação do papel e do fortalecimento do Estado, mas compreendemos que sem participação não se vence a miséria”, afirmou Maluf à IPS.
Considerando a diversidade étnica e socioeconômica brasileira representada na Conferência, trata-se de uma participação muito variada. As comunidades ou povos tradicionais que enviaram delegados têm nomes tão específicos como os quilombolas (que habitam terras de descendentes de escravos livres), de mulheres quebradoras de coco de babaçu, ribeirinhos, pais e mães do candombolé e pescadores artesanais, entre tantos outros que também desafiam a inovação do idioma português.
Enquanto um médico delegado de Pernambuco pedia a palavra para cobrar que a especialidade nutrição seja incorporada à rede pública de saúde, um camponês do Tocantins exigia que seu Estado cumpra a lei pela qual 30% das compras públicas de alimentos devem proceder da agricultura familiar local. Outra delegada pedia a modernização das cisternas do programa que no Nordeste busca alternativas para enfrentar a seca.
“A sociedade brasileira ainda é muito autoritária e conservadora, com uma elite muito mesquinha que tem uma história de desigualdade social, uma das maiores do mundo”, destacou Maluf. “O que esses programas fizeram, além de seu impacto positivo específico, foi relançar o debate da política social no Brasil, que estava adormecida”, ressaltou. Apesar dos avanços, o Brasil tem desafios pela frente na luta contra a fome. Ainda vivem com menos de US$ 41 por mês cerca de 16 milhões de pessoas, que estão contempladas no Programa Brasil Sem Miséria, da presidente Dilma Rousseff. Envolverde/IPS

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