quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Contribuindo para a poluição marinha ao lavar seu rosto





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Perigo silencioso: substâncias utilizadas em produtos de higiene diária podem contribuir com a poluição dos mares / Foto: LauraFries.com
Componentes presentes em removedores de maquiagem se tornaram uma séria ameaça ao ecossistema marinho, sugere um estudo das neozelandesas Lisa S. Fendall e Mary A. Sewell, da Escola de Biologia da Universidade de Auckland.
De acordo com o documento, partículas de microplástico de polietileno presentes no produto e descritos como “micropartículas” ou “microesfoliantes” não são retidos nas estações de tratamento de efluentes devido ao seu tamanho, e terminam por atingir os oceanos.
Como consequência, os microplásticos ficam sujeitos à degradação por UV e podem absorver substâncias hidrofóbicas como os PCBs, tornando-os menores e mais tóxicos em longo prazo. Se ingeridas por seres marinhos, essas substâncias podem causar a morte dos animais, além de se perpetuar por toda a cadeia alimentar, chegando, inclusive, aos seres humanos.
“O intervalo dos tamanhos presentes sugere que os removedores de maquiagem possam ser atualmente a maior fonte de poluição por microplásticos no oceano, e implicará em impactos tanto imediatos quanto em longo prazo nos organismos planctônicos e filtradores nos níveis inferiores das cadeias alimentares marinhas”, alerta o documento.
Na opinião das pesquisadoras, “a presença de microplásticos em removedores de maquiagem, e seu uso potencial por milhões de consumidores em todo o mundo, deveria ser alvo de crescente preocupação dos biólogos marinhos”.

Contribuindo para a poluição marinha ao lavar seu rosto: Microplásticos em removedores de maquiagem
Lisa S. Fendall, Mary A. Sewell
School of Biological Sciences, University of Auckland, Private Bag 92019, Auckland 1142, New Zealand

Resumo
A poluição por plásticos no oceano é uma área de crescente preocupação, com esforços de pesquisa focando tanto nas frações macroplástico (>5 mm), quanto na microplástico (<5 mm). Nos anos de 1990 foi reconhecido uma fonte minoritária de poluição por microplástico provinda de removedores líquidos para as mãos que teriam sido raramente usados pelo consumidor comum.No entanto, em 2009, estima-se que o consumidor comum usou produtos contendo microplástico em suas atividades diárias, na sua maioria removedores de maquiagem que atualmente contém microplástico de polietileno que não são retidos nas estações de tratamento de efluentes e terminam por atingir os oceanos. Quatro removedores de maquiagem que contém microplástico disponíveis nos supermercados da Nova Zelândia foram usados para quantificar o tamanho dos fragmentos de polietileno. Três quartos das marcas apresentaram partículas de tamanho modal <100 micros que poderiam ser prontamente ingeridas por organismos planctônicos nos níveis inferiores da cadeia alimentar. Com o passar do tempo, os microplásticos estarão sujeitos à degradação por UV e absorverão substâncias hidrofóbicas como os PCBs, tornando-os menores e mais tóxicos em longo prazo. Cientistas do mar precisam educar o público quanto aos riscos de se usar produtos que impõem uma ameaça imediata e em longo prazo à saúde dos nossos oceanos e do alimento que consumimos.
Palavras-chave: Microplástico, Removedor de maquiagem, Poluição oceânica, Cadeia alimentar, Contaminantes tóxicos

1. Introdução
Plásticos são uma parte ubíqua da vida moderna, encontrados nas atividades diárias nas embalagens de alimentos e bebidas, em itens domésticos como pentes, escovas de dentes e canetas, e em sacolas de compras. O destino final de muitos itens grandes de plástico são os oceanos, onde os resíduos de macroplástico (>5 mm, Moore, 2008) são o principal componente da poluição oceânica, ameaçando a vida marinha através da ingestão e/ou emaranhamento (Derraik, 2002; Moore, 2008). Pesquisa recente descobriu áreas em oceano aberto onde características oceanográficas concentraram esse material (p. ex. o Giro do Pacífico Norte, Moore et al., 2001; Moore, 2008; A Corrente de Kuroshio, Yamashita e Tanimura, 2007) e áreas distantes de habitação humana são entulhadas com macroplásticos, particularmente petrechos de pesca (p. ex. as ilhas Subantárticas, Derraik, 2002; Moore, 2008).
Nos últimos anos tem havido, todavia, uma importante mudança no potencial da poluição por microplástico (<5 mm, Moore, 2008) nos oceanos, com a mudança, nos removedores de maquiagem, dos esfoliantes naturais para aqueles contendo microplástico. Apesar de ter sido inicialmente identificada como fonte minoritária de poluição por plásticos nos anos de 1990 (Zitko and Hanlon, 1991; Gregory, 1996), esses microplásticos estavam presentes principalmente em removedores para as mãos, como sabonetes líquidos constituídos por plástico-areia tipicamente usados em raras ocasiões pelo consumidor comum. No entanto, devida a substituição dos esfoliantes naturais por microplásticos (p. ex. pedra-pomes, aveia, damasco ou cascas de noz) em removedores de maquiagem, o consumidor comum agora conta com produtos que contém microplásticos em seus lares e os usa em atividades diárias ou, ao menos, semanais. A maioria dos removedores de maquiagem nos supermercados da Nova Zelândia lista o polietileno como um dos ingredientes, presente em diversas formas, descrito como “micropartículas” ou “microesfoliantes”.
Uma vez usado na limpeza facial, os microplásticos viajam pelos sistemas de esgoto, mas, devido seu pequeno tamanho, são propensos a escapar da captura por telas de tratamento primário nas estações de tratamento de efluentes (geralmente cascalho, >6 mm, e telas finas, 1,5-6 mm, Vesilend, 2003) e atingem os oceanos (Browne ET AL., 2007). Para determinar o impacto do plástico oriundo dos removedores de maquiagem no ambiente marinho foi aqui quantificado o tamanho do plástico contido em quatro marcas prontamente disponíveis nos supermercados da Nova Zelândia. O intervalo dos tamanhos presentes sugere que os removedores de maquiagem possam ser atualmente a maior fonte de poluição por microplásticos no oceano, e implicará em impactos tanto imediatos quanto em longo prazo nos organismos planctônicos e filtradores nos níveis inferiores das cadeias alimentares marinhas.
2. Material e Métodos
Quatro removedores de maquiagem à base de água contendo polietileno foram adquiridos em um supermercado de Auckland, Nova Zelândia (marcas A – D). As marcas escolhidas foram produzidas pelas principais indústrias de cosméticos, <$NZ15 por frasco, e estão prontamente disponíveis aos consumidores dos países desenvolvidos.
Para extrair o microplástico adicionamos 0,5 g (peso úmido, pu) de cada produto para 25 mL de água a 70ºC no corpo de uma seringa plástica de 30 mL, com o bico Luer lock acoplado a uma microseringa de aço inoxidável de 25 mm (Millipore) com filtro (holder) contendo um filtro de membrana de nitrocelulose de 8 µm (SCWP, Millipore). A seringa, com a unidade filtradora acoplada, foi agitada vigorosamente por até um minuto para solubilizar o removedor. A temperatura usada, levemente acima do usada na lavagem facial (cerca de 40ºC), foi necessária para solubilizar completamente duas das quatro marcas.
A seringa foi lentamente descarregada através do filtro de 8 µm, o filtro foi removido usando um fórceps de filtro (Millipore), e o plástico foi retirado do filtro utilizando água e despejado em uma placa de Petri pequena ou diretamente na célula de Sedgewick-Rafter com o auxílio de uma pisseta. Medidas de tamanho foram realizadas usando retículo em um microscópio Leica com aumento de 40x e 100x. Para cada marca usamos três réplicas de extrações de 0,5 g e medimos os comprimentos dos primeiros 50 pedaços de microplástico encontrados nos transectos através da célula de Sedgewick-Rafter (Total N = 150 partes por marca).
Duas das marcas, A e B, também continham partículas túrgidas maiores que estouraram no tratamento com a água quente, assim as isolamos em água fria. O material colorido nas marcas C e D foram isolados em água morna.
3. Resultados
Os microplásticos contidos em todas as marcas de removedores de maquiagem não são lisos e esféricos, mas apresentam uma variedade de formas irregulares (Fig. 1 A – D). Enquanto as marcas B e D continham plásticos de formatos uniformes, os plásticos das marcas A e C variavam de elipses, fitas e fios, a fragmentos completamente irregulares (Fig. 1 A – D). Como as marcas são produzidas na Alemanha, Coréia, França e Tailândia, respectivamente, é improvável que exista uma fonte comum para os microplásticos de polietileno contidos nesses removedores.
Microplásticos nos removedores de maquiagem apresentaram uma ampla variedade de tamanhos, com poucos fragmentos maiores que 1 mm (Fig. 2 A – D, Tabela 1). Em todas as marcas, a maioria dos microplásticos era menor que 0,5 mm, e em três das quatro marcas (A, C, D) a moda foi <0.1 mm (Fig. 2). As marcas A e C apresentaram os fragmentos mais longos, mas como esses longos fios eram geralmente muito finos (Fig. 1 A e C), sua grande área superficial torna-os mais propensos a se fragmentarem.
Além dos microplásticos, todas as marcas incluíram material colorido que não aparentou ser constituído por algum tipo de plástico (Fig. 1 E – H). As marcas A e B continham grandes partículas >0.5 mm que se rompem durante a lavagem facial (Fig. 1 E e F). O rótulo do produto da marca A se referiu a elas como “partículas poderosas de limpeza de poros” que contém ácido lático para “ajudar a abrir os poros entupidos”. A marca C continha partículas menores que não eram prontamente esmagadas, e a marca D continha fragmentos azuis similares, em sua forma, aos microplásticos (Fig. 1 G e H).
Tamanho dos fragmentos de microplástico nas quatro marcas de removedor de maquiagem.
Marca Tamanho médio Variação do tamanho Formato
(µm) (µm)
A 196,81 10,2 – 1075,0 Variável, incluindo elipses, hastes, fios
B 375,00 52,5 – 847,5 Uniforme, granular
C 247,50 4,1 – 1240,0 Varriável, irregular, de arredondado a fio
D 196,94 31,6 – 418,4 Uniforme, elíptico, levemente granular
(N = 150 fragmentos por marca)
4. Discussão
Pesquisa sobre poluição por plástico no oceano tem enfocado a fração macroplástico que afeta pelo menos 267 espécies marinhas através da ingestão ou emaranhamento (Derrail, 2002; Moore, 2008). Apesar de os macroplásticos nos oceanos estarem se fragmentando em pequenos pedaços, e assim se tornando mais disponível – para ingestão - para um maior número organismos (Moore, 2008), aqui enfatizamos que o consumidor comum está lançando diretamente microplásticos do tamanho ideal para ingestão por organismos antes mesmo de se degradar.
Os impactos em longo prazo dos microplásticos nos organismos marinhos são atualmente desconhecidos. Pequenos animais que consomem microplástico se encontram em uma situação particular de fome, reduzido consumo de alimento por satisfação, ou bloqueio intestinal levando a morte (Derraik, 2002). Os microplásticos do tamanho mostrado aqui (<2 mm) podem ser ingeridos por poliquetas, equinodermas, filtradores, briozoários, bivalves e cracas (Ward e Shumway, 2004; Thompson et al., 2004), poliquetas depositívoros (Thompson et al., 2004) e pepinos-do-mar (Graham e Thompson, 2009), e por detritívoros, tais como os anfípodos (Thompson et al.,2004). Ainda mais perturbador, Browne et at. (2008) mostraram recentemente que microplásticos acumulados nos intestinos de mexilhões filtradores, são translocados para o sistema circulatório em três dias após a ingestão, e persiste ali por mais de 48 dias.
O microplástico descrito aqui é polietileno, o qual com uma densidade específica <1 flutuam na superfície da água (Eriksson e Burton, 2003), e se tornam disponíveis para uma ampla variedade de organismos que se alimentam na zona eufótica, bem como peixes e aves marinhas que se alimentam na superfície da água. Microplásticos são consumidos por organismos planctônicos (vermes, larvas de peixes, Carpenter et al., 1972; salpas, Moore et al., 2001) e microesferas plásticas (0,01 – 0,07 mm) são consumidas em laboratório por ensaios de alimentação de copépodos (Wilson, 1973) e larvas de invertebrados (trocóforas: Boltos e Havenhand, 1998; equinodermos ecchinoplutei, ophioplutei, bipinnaria e auricularia: Hart, 1991). Tanto coletas em campo quanto experimentos laboratoriais sugerem que microplásticos do tamanho reportado aqui (tamanho modal <0,1 mm em ¾ das amostras) não seriam rejeitados por habitantes típicos da zona eufótica.
Se microplásticos são ingeridos por pequenos animais planctônicos tais como os copépodos, há um potencial para que o plástico passe, e acumule, nos níveis superiores da cadeia alimentar. Por exemplo, microplásticos encontrados em fezes de focas podem ter sido primeiramente acumulados em peixes mictofídeos os quais se alimentam de copépodos do mesmo tamanho das partículas plásticas (Eriksson e Burton, 2003).
Há duas outras áreas cuja preocupação a respeito dos microplásticos no oceano vem aumentando. A primeira é devida os polímeros sintéticos persistirem no ambiente com degradação mínima (Moore, 2008), detritos plásticos permanecem em fragmentos sucessivamente menores devida a ação das ondas, moagem pelas areias, exposição à luz do sol (Eriksson e Burton, 2003) e por atravessarem os sistemas digestórios de outros organismos. Já que os microplásticos flutuam, a exposição à radiação UVB faz com que os polímeros plásticos se tornem frágeis e se quebrem, deixando as partículas cada vez menores até se tornarem nanopartículas (Handy e Shae, 2007) e até polímeros individuais são atingidos (Moore, 2008).
Em segundo lugar, fragmentos plásticos no oceano podem se ligar e adsorver contaminantes hidrofóbicos tóxicos (Vom Saal et al., 2008), tais como bifenis policlorados (PCBs) em suas superfícies (Rios et al., 2007; Teuten et al., 2007), e podem ser um vetor para a entrada de contaminantes orgânicos nas teias alimentares (Zitko e Hanlon, 1991; Derraik, 2002; Moore, 2008).
Concluindo, a presença de microplásticos em removedores de maquiagem, e seu uso potencial por milhões de consumidores em todo o mundo, deveria ser alvo de crescente preocupação dos biólogos marinhos. A variação do tamanho das partículas as tonam disponíveis para pequenos organismos nos níveis inferiores da cadeia alimentar, e sua persistência no ambiente indica que microplásticos se tornam menores e mais tóxicos com o passar do tempo. Como as cadeias alimentares do oceano aberto dependem de organismos filtradores como os copépodos, vermes e salpas, há uma grande probabilidade de, uma vez ingeridas por organismos dos níveis inferiores da cadeia alimentar, esses microplásticos se acumulem nas espécies de peixes pelágicos que são consumidos por humanos. Acreditamos que microplásticos em removedores de maquiagem são desnecessários e podem resultar em impactos em longo prazo no ambiente marinho.
Em artigo recente publicado no Marine Pollution Bulletin, Galloway (2008) convidou cientistas a refletirem sobre o uso de plásticos em seus laboratórios, encorajando-nos a “reduzir, reutilizar e reciclar”. Aqui, convidamos os cientistas, e os lares do qual fazem parte, a se atentarem à contribuição potencial para a poluição por microplásticos gerada quando alguém lava seu rosto.
Agradecimentos
Essa pesquisa foi apoiada pela bolsa de estudos de verão da School of Biological Siences. Obrigado a M. Hauber e a um revisor anônimo pelos comentários que melhoraram o manustcrito.

Este artigo foi traduzido por Gerson Fernandino – Oceanógrafo/Global Garbage

Fonte: ecodesenvolvimento. org.br

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