sexta-feira, 23 de dezembro de 2011


Corrida por biocombustíveis traz prejuízos sociais

Estudo da Coalizão para a Terra indica que de todas as grandes aquisições de áreas ocorridas de 2000 a 2010, apenas 25% tiveram relação com a produção de alimentos, sendo a geração de biocombustíveis responsável por mais de 40%

O crescimento populacional, o aumento do poder de consumo mundial e o maior interesse de investidores em biocombustíveis têm elevado cada vez mais a disputa pela terra, sobretudo em países em desenvolvimento, trazendo muitas vezes malefícios à produção de alimentos.
Agora, um novo relatório mostra que a produção alimentícia não é a única prejudicada por essa corrida por propriedades, alertando que as populações rurais mais pobres podem ter seus direitos desrespeitados e seu meio de sobrevivência comprometido.
Land Rights and the Rush for Land (Direitos de Propriedade e Disputa pela Terra), desenvolvido pela Coalizão Internacional para o Acesso à Terra (ILC) e publicado nesta quarta-feira (14), é, até o momento, o documento mais abrangente sobre grandes aquisições de terra em países em desenvolvimento. A pesquisa reúne os resultados de 28 estudos de caso e análises regionais produzidos por 40 organizações
A pesquisa aponta que, entre 2000 e 2010 – período avaliado pelo trabalho – foram vendidos ou arrendados cerca de 200 milhões de hectares de terras – oito vezes o tamanho do Reino Unido –, dos quais aproximadamente 71 milhões foram catalogados pelo estudo.
O que surpreende é que destes 71 milhões, a maioria não foi destinada para a produção alimentícia. De acordo com a pesquisa, 25% foram dedicados a colheitas para a geração de comida, outros 27% para a mineração, o turismo, a indústria e a silvicultura, e 40% para a produção de biocombustíveis.
Dependendo da região, a diferença foi ainda maior: no continente africano, 66% dos acordos de terras estavam relacionados à produção de biocombustíveis, e apenas 15% à de alimentos. Já na América Latina, a produção alimentícia teve uma porcentagem maior dos acordos de terra: 27%, contra 23% da extração mineral, por exemplo.
E segundo a análise, embora grandes investimentos tragam benefícios, eles também trazem prejuízos, sobretudo à população mais pobre. “Eles provavelmente causam mais problemas para os membros mais pobres da sociedade, que frequentemente perdem o acesso a terra e recursos que são essenciais para seu modo de vida.”
“Sob as atuais condições, acordos de propriedade em larga escala ameaçam os direitos e meios de vida de comunidades rurais pobres, e especialmente as mulheres”, alertou Ward Anseeuw, do Centro de Pesquisa Agrícola Francês para Desenvolvimento Internacional (CIRAD).
Isso porque muitas vezes os pobres não têm direitos legais sobre as terras que usam e os benefícios prometidos a eles, como empregos e melhores condições de vida, não se concretizam. Além disso, na corrida para atrair investimentos, alguns governos fazem acordos apressados em vez de buscar aqueles que trariam mais melhorias à população rural. Soma-se a isso o fato de que possíveis benefícios muitas vezes são desviados para as elites locais.
“Como os governos possuem a terra, é fácil para eles arrendar grandes áreas para investidores, mas os benefícios para as comunidades locais são frequentemente mínimos. Isso enfatiza a necessidade de as comunidades pobres terem direitos mais fortes sobre a terra na qual vivem há gerações”, observou Lorenzo Cotula, do Instituto Internacional para Meio Ambiente e Desenvolvimento.
“A competição pela terra está se tornando cada vez mais global e desigual. Governo fraco, corrupção e falta de transparência na tomada de decisões, que são fatores-chave do ambiente típico no qual aquisições de terra em larga escala acontecem, significam que os pobres ganham poucos benefícios desses acordos, mas pagam custos altos”, concordou Madiodio Niasse, diretor do secretariado da ILC.
A análise indica que enquanto acordos comerciais internacionais oferecem proteção jurídica a grandes investidores, não há muita proteção para pequenos usuários de terras, que são justamente aqueles que dificilmente conseguem representação legal. Os governos, legitimando essa situação, costumam favorecer proprietários e fazendas de escala industrial em vez de propriedades de pequena escala.
“Há pouco nas nossas descobertas para sugerir que o termo ‘grilagem de terras’ não seja amplamente merecido”, comentou Michael Taylor, gestor do programa do secretariado do ILC. E embora o texto afirme que “a desapropriação e marginalização dos pobres rurais não é algo novo”, o relatório sugere que a atual disputa por terras está acelerando e agravando esta condição.
Mas o documento aponta que há medidas para contornar esse problema, como fazer com que as leis de direitos humanos funcionem para os pobres, tornar as decisões sobre terra transparentes, inclusivas e responsáveis e garantir a sustentabilidade ambiental nas decisões sobre terra e água de aquisições e investimentos.
O estudo ressalta também que os modelos de investimentos não devem envolver aquisições de terra em larga escala, colocando a pequena produção no centro das estratégias de desenvolvimento agrícola e reconhecendo e respeitando os direitos de terra e de recursos da população rural, para que a produção agrícola desta população possa contribuir para suprir a demanda de alimentos e recursos no futuro.
Segundo o relatório, já há exemplos de iniciativas que estão movendo a população contra grandes acordos de terra, como ocorreu em agosto deste ano no Sudão, quando foi lançada uma campanha contra o que teria sido o maior acordo de terra do país – o arrendamento de 600 mil hectares por uma empresa norte-americana. Já em novembro, agricultores se reuniram em Mali para uma conferência internacional visando combater a disputa por terras.
“De modo otimista, pode-se até esperar que as comunidades rurais em muitas partes do mundo sejam capazes de finalmente atingirem um acesso seguro e controlarem sua propriedade através de lutas catalisadas pela crescente demanda de terra. É de se esperar que a disputa por terras agirá como um alerta, provocando uma reconsideração do caminho em que estamos”, concluiu a ILC.

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