domingo, 7 de dezembro de 2014

Cidade (ex)verde. A culpa não é só da bolha de calor

“Cuiabá está cada vez mais quente”. “Uma bolha de calor está afetando a cidade”. “O clima está mudando”. São comentários cada vez mais comuns na capital mato-grossense, e não são de agora. Mas será que o clima de uma cidade pode realmente mudar assim? O que leva ao aumento da temperatura e o que pode amenizar esse calor?
 
O professor do Instituto de Física da Universidade Federal de Mato Grosso [IF-UFMT],Marcelo Paes de Barros, analisou a relação da urbanização e falta de arborização com o conforto térmico dos cuiabanos. A pesquisa, que rendeu seu título de doutor, confirma o que era senso comum: as árvores amenizam a temperatura.
 
Mas os dados mostram mais do que isso. Novos empreendimentos imobiliários têm investido na criação de áreas de preservação permanentes [APP], visando melhor conforto térmico. Mas uma única área verde não vai alterar a temperatura da cidade toda, e nem mesmo de toda sua vizinhança. Segundo Marcelo, os efeitos diretos da arborização vão atingir um entorno de 200 a 500 metros, apenas.
 
Um dos bairros analisados, a Cohab Maria de Lourdes, mostra isso. O conjunto possui grandes áreas de mata. Mesmo assim, dentro do bairro a diferença pode chegar a 5°C das bordas para as centrais das casas.
 
Apesar da informação ser decepcionante para algumas pessoas, o professor ressalta que isso não implica, de forma alguma, que as áreas verdes não tenham importância. Muito pelo contrário... É preciso aumentar a vegetação urbana não apenas com grandes áreas, mas em parques espalhados pela cidade e árvores nas casas.
 
Ilhas de calor
 
 
Após o por do sol, os prédios liberam calor e mantêm uma alta temperatura no ambiente, criando as ilhas de calor
 
Do meio dos mapas, gráficos e tabelas cheios de números, surge uma surpresa. O Jardim das Américas, bairro com poucas árvores e muitos prédios, foi o que apresentou menores temperaturas no horário de pico do sol, das 11 às 16 horas. E isso na época de seca, com as maiores temperaturas.
 
Obviamente, os altos edifícios funcionam como para-sois, e a temperatura nas ruas e calçadas fica mais amena. Até aí, prédios e árvores cumpriram a mesma função. Empate. Mas a noite chega, e então é hora da verdade. Durante o dia, os prédios bloquearam a luz do sol, mas apenas a absorveram e armazenaram. As arvores, porém, usaram a energia para fazer fotossíntese e transpirarem. Com o pôr do sol, os prédios liberam o calor armazenado durante o dia, e as árvores, não. Ponto para a natureza.
 
Pode até parecer que não faz diferença, mas enquanto o bairro dos prédios dorme perto dos 30°C, os bairros com bosques chegam abaixo dos 25. Além disso, a transpiração das plantas aumenta a umidade relativa do ar. Na época de seca intensa, isso faz muita diferença na qualidade de vida.
 
Essa característica das construções de serem ‘baterias térmicas’ gera as chamadas Ilhas de calor, um dos agravantes do crescente desconforto térmico. Nessas ilhas, a temperatura não cai pela noite, e, no caso de áreas sem prédios altos, o dia não fica mais agradável.
 
Crescimento urbano
 
 
A área ocupada por árvores caiu de 40 para 20% do total em 30 anos.
 
A pesquisa de doutorado também levantou dados sobre a ocupação de Cuiabá e Várzea Grande nos últimos 30 anos. Comparando os números de 1980 e 2010, é possível ver o intenso crescimento da cidade com drástica diminuição das áreas verdes.
 
Antes, as árvores ocupavam 40% do terreno das cidades, hoje apenas 20. As construções urbanas, no entanto, subiram de 21 para 36%. Também houve fragmentação das áreas verdes. Ou seja, os bosques e grandes aglomerados de vegetação foram sendo quebrados. Há 30 anos, a maior concentração de árvores ocupava quase um sexto da região metropolitana. Hoje, o maior aglomerado corresponde a apenas 1,2%.
 
Resumindo: o que antes era de árvores, agora é de prédios. Não existem mais grandes áreas verdes, elas foram todas quebradas em pequenas áreas. As medições mostram que só essa redução das árvores pode aumentar a temperatura do ambiente em até 7°C.
 
Para Marcelo, “é difícil dizer se o clima de Cuiabá mudou, porque são muitos fatores envolvidos. De qualquer forma, a cidade vai continuar quente, porque é o clima da região. Mas um bom plano de arborização pode amenizar bastante isso”.
 
E não apenas a arborização. Afinal, o crescimento da cidade é iminente, e traz benefícios. O pesquisador lembra que atitudes como um planejamento das construções, levando em conta posição do sol e direção do vento, já podem fazer grande diferença. Mas “talvez pelas pessoas terem ar-condicionado em casa, no carro, e isso estar cada vez mais acessível, nós estamos ficando desacostumados com o calor, e por isso achamos que o clima está mudando. Também por termos esse conforto, não nos preocupamos com a diferença que as árvores ou um planejamento do edifício podem fazer”.
 
Ao visitar algumas casas e realizar entrevistas, o pesquisador confirmou que os cuiabanos se preocupam cada vez menos com isso. Segundo ele, os principais fatores a serem levados em conta na escolha de um imóvel são a localização, próximo a vias de acesso ou linhas de ônibus, e a possibilidade de valorização do terreno. Temperatura e arborização raramente entram na lista de requisitos. Afinal, ‘ar condicionado resolve’, e dá-lhe conta de energia.
 
O trabalho de Marcelo faz parte do acervo do Programa de Pós Graduação em Física Ambiental da UFMT, um dos melhores da instituição, e que por anos tem abordado as problemáticas ambientais e suas transformações na região.

Fonte: http://revistafapematciencia.org/noticias/noticia.asp?id=584

Nenhum comentário:

Postar um comentário