sexta-feira, 20 de agosto de 2021

O papel das cidades na economia circular

 











As cidades e os recursos usados por elas são uma característica fundamental da relação entre a humanidade, os ecossistemas e o planeta. É nas cidades onde nós, seres humanos, temos vivido por muitos séculos, e elas são centros de desenvolvimento de cultura, inovação e troca de conhecimento. Também têm uma grande importância econômica, já que são responsáveis por aproximadamente 80% do PIB gerado mundialmente. É aqui que se destaca a importância das cidades na economia circulare sua influência na transição do sistema econômico linear para o circular. 

   

Atualmente, 55% da população mundial vive em cidades, as quais ocupam apenas 2% da superfície terrestre, mas são responsáveis por 70% das emissões globais de gases de efeito estufa, e similar porcentagem de consumo de recursos e produção de resíduos. Nos países em desenvolvimento, esse número é ainda maior. No Brasil, por exemplo, as cidades representam mais de 80% da população, e espera-se que 90% dos brasileiros vivam em cidades até 2030 – sendo que as áreas urbanas ocupam apenas 0,63% do território nacional

Esses dados mostram que, mesmo compactas, as cidades têm grande influência no consumo de recursos, geração de resíduos e poluição globais – evidenciando também o seu potencial de transformação para um futuro circular. Se as cidades fossem projetadas, construídas e gerenciadas para a economia circular, poderíamos criar espaços urbanos saudáveis, resilientes e regenerativos, que interagissem de forma positiva com a natureza.

 Escalas da economia circular

A economia circular é uma nova visão de mundo inspirada nos ciclos da natureza e que traz uma abordagem de abundância e resiliência para os sistemas humanos. Podemos pensar na sua aplicação em diferentes escalas. 

Na micro-escala, abordamos o fechamento de nutrientes técnicos e biológicos em produtos industriais. Na meso-escala, podemos falar sobre edifícios que funcionam como bancos de materiais. E na macro-escala, chegamos em um olhar mais abrangente, quando trabalhamos a economia circular nas áreas urbanas, onde ocorre um grande volume de consumo, e nas áreas das quais elas dependem, como espaços de produção de alimentos, energia, extração de recursos naturais, etc. Para transitarmos do sistema linear para o circular, as diferentes escalas de produtos, edifícios e cidades – e seus sistemas – precisam ser projetados de forma intencional para os próximos ciclos.

 Metabolismo urbano

Quando pensamos no papel das cidades na economia circular, nos deparamos com o importante conceito do metabolismo urbano

Na atual economia linear das cidades, identificamos entradas (inputs), de água, energia e nutrientes técnicos e biológicos, e saídas (outputs) de resíduos e emissões. Este sistema urbano linear, assim como o sistema produtivo linear, baseado na extração-produção-consumo-descarte, pode ser representado por uma linha reta.

 

Metabolismo Urbano Linear. Imagem: Ideia Circular.

Metabolismo Urbano Linear. Imagem: Ideia Circular.

Já quando projetamos cidades circulares, fechamos ao máximo os ciclos desses fluxos e tratamos as emissões que não forem possíveis de circular, para que retornem de forma segura à natureza. E é isso que chamamos de metabolismo urbano circular. Os materiais e fluxos das cidades podem operar dentro do ciclo biológico ou técnico, mantendo seu valor e alta qualidade em contínua circulação, além de gerir de forma efetiva recursos fundamentais como a água e energia. 

Para trabalhar de forma sistêmica as diferentes camadas que compõem o nosso padrão de consumo e sua relação com o meio urbano e natural para a economia circular, aplicamos os três princípios Cradle to Cradle nas diferentes escalas: produtos industriais, edifícios e cidades. Ou seja, partimos da ideia de que (1) resíduos são nutrientes, (2) que devemos usar a fonte solar ilimitada e (3) celebrar a diversidade. 

Dessa forma, cultivamos a lógica da natureza, projetando desde o início produtos e sistemas saudáveis e circulares, que dão suporte e regeneram o seu redor, e que criam prosperidade no longo prazo. 

Metabolismo Urbano Circular. Imagem: Ideia Circular

Metabolismo Urbano Circular. Imagem: Ideia Circular

 Ciclo biológico: efluentes

O fechamento do ciclo biológico nas cidades fica claro no exemplo brasileiro de tratamento da água e nutrientes dos biossistemas integrados desenvolvidos pelo OIA (O Instituto Ambiental), que faz parte do nosso livro digital gratuito com 28 estudos de caso para a economia circular. O projeto possibilita a descentralização dos sistemas de tratamento de efluentes urbanos, o que é muito interessante para  comunidades periféricas nos países em desenvolvimento, as quais, na maioria das vezes, passaram por um processo de urbanização sem planejamento, e ocupação de áreas irregulares com sistemas de saneamento precários, áreas verdes e infraestrutura urbana escassas. 

Os biossistemas integrados tratam águas cinzas e negras dos efluentes domésticos, através de filtros feitos de plantas macrófitas e tanques com peixes. Os resíduos líquidos orgânicos das casas são coletados e fermentados por bactérias nos biodigestores, produzindo biogás, que pode ser usado na cozinha, e adubo orgânico. Depois, a água fermentada, de alto valor nutricional, é encaminhada para uma série de tanques formados por algas, peixes e macrófitas responsáveis pela purificação da água, que pode retornar diretamente para o sistema hídrico. A tecnologia possibilita ao mesmo tempo a purificação da água, a reciclagem de nutrientes, a geração de energia (biogás), suporte à biodiversidade e melhora na saúde da comunidade.

Biodigestores. Imagem: O Instituto Ambiental.

Biodigestores. Imagem: O Instituto Ambiental.

A Ostara é outro estudo de caso em escala urbana que trata os efluentes  para recuperação de nutrientes e produção de fertilizantes. Através da tecnologia Pearl®, a empresa canadense remove o fósforo, nitrogênio e magnésio de resíduos líquidos industriais, agrícolas e municipais para produção de grânulos fertilizantes concentrados. Depois do processo de cristalização, esses grânulos são coletados, secos, empacotados e distribuídos.

Diferente dos produtos convencionais ativados por água, o fertilizante da Ostara só libera o fósforo quando entra em contato com secreções de ácidos orgânicos das raízes das plantas – sinal de que elas precisam do nutriente. Essa solução demonstra como é possível fechar o ciclo de nutrientes biológicos, purificar as águas e aumentar o rendimento agrícola com uma mesma solução, exemplificando o grande potencial das cidades na economia circular.

Grânulos fertilizantes Crystal Green®. Imagem: Ostara.

Grânulos fertilizantes Crystal Green®. Imagem: Ostara.

 Ciclo biológico: produção de alimentos

Além disso, para criar metabolismos circulares nas áreas urbanas, precisamos também trabalhar com soluções mais efetivas para a produção de alimentos. 

Apesar da maior parte da produção agrícola acontecer fora de áreas urbanas, as cidades são os grandes consumidores destes nutrientes biológicos. A agricultura sintrópica pode ser uma ótima solução, uma vez que além de produzir alimentos, regenera o solo e a biodiversidade da área produtiva. 

Podemos também pensar em sistemas de agricultura urbana, como por exemplo o sistema fechado de horta e compostagem que acontece na cobertura do Shopping Eldorado em São Paulo. O projeto começou em 2012, quando o shopping começou a compostar cerca de 2 toneladas de lixo orgânico geradas diariamente pelos restaurantes da praça de alimentação. Pensando em que destino dar ao composto produzido pelo processo, o shopping implementou uma grande horta na cobertura, distribuindo os frutos da plantação entre seus funcionários.

Horta na cobertura do shopping Eldorado em São Paulo. Imagem: Ciclo Vivo.

Horta na cobertura do shopping Eldorado em São Paulo. Imagem: Ciclo Vivo.

Dessa forma, a produção urbana de alimentos também pode contribuir positivamente para a questão social e educativa local. O projeto Hortas Cariocas, promovido pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente no Rio de Janeiro, é um exemplo que alia participação comunitária, geração de emprego e alimentação de famílias de baixa renda. O projeto emprega moradores locais para cuidarem das 49 hortas urbanas comunitárias espalhadas por comunidades e escolas da cidade. Depois, os alimentos produzidos são divididos entre as escolas e creches municipais, além de serem disponibilizados a famílias de alta vulnerabilidade social. 

Outra forma circular de alimentar nossas cidades é a técnica da aquaponia, uma alternativa de cultivo inteligente que trabalha com um sistema fechado de circulação de nutrientes. A aquaponia consiste basicamente em um sistema de produção de alimentos formado por plantas aquáticas e um tanque de peixes. O excremento produzido pelos peixes, de alto valor nutricional, alimenta as raízes dos vegetais que, por sua vez, filtram a água para ser reenviada ao tanque.  

Dessa forma, o sistema consegue aproveitar o máximo valor de seus nutrientes, criando um círculo virtuoso capaz de produzir, em uma área de 1.000m2, 4 toneladas de peixe e 25 toneladas de vegetais por ano. A aquaponia é um sistema agrícola ideal para cidades, já que pode inclusive ser instalado em telhados ou varandas. Assim, essa alternativa consegue oferecer amplas possibilidades de produção de alimentos para o contexto urbano – e ainda trabalhar em um ciclo fechado onde tudo é reaproveitado.

 Cidades na economia circular: celebrando a diversidade

Estes estudos de caso mostram como é possível criar inúmeras soluções de economia circular nas cidades, baseadas no contexto local e nas tecnologias disponíveis. Entende-se que para cada iniciativa, é preciso analisar e entender os potenciais do lugar específico e pensar em como a comunidade local pode participar do processo. O olhar atento às necessidades de cada realidade demonstra como a economia circular pode resolver os problemas locais e ao mesmo tempo envolver a comunidade, celebrando a diversidade de lugares, de pessoas e de ideias.

A Sanivation, outra referência do nosso livro, demonstra na prática a influência do lugar e das pessoas na criação de ideias e soluções para a economia circular. A empresa queniana surgiu para resolver o problema local de baixo acesso a serviços de saneamento básico, valendo-se da criatividade para fechar o ciclo dos nutrientes e democratizar o tratamento sanitário. A Sanivation oferece um serviço de coleta e tratamento dos dejetos para posterior conversão em briquetes de carvão, que retornam às comunidades locais para uso na cozinha. 

A empresa surge como uma solução local, circular e inclusiva para resolver os problemas ambientais e sociais do quadro sanitário e energético que desafia a região. Assim, o sistema consegue promover a democratização da estrutura sanitária, o fechamento do ciclo dos nutrientes biológicos e a conversão dos dejetos em fontes de energia alternativas – mais baratas, seguras e sustentáveis do que o carvão tradicional.

Briquetes de carvão. Imagem: finca.org

Briquetes de carvão. Imagem: finca.org

Nessa linha, outro exemplo que trabalha com o fechamento do ciclo biológico e a comunidade local é o projeto brasileiro Revolução dos Baldinhos da Comunidade Chico Mendes, na periferia de Florianópolis. Em 2008, a comunidade começou a recolher os resíduos orgânicos das famílias e instituições da região para evitar o problema local de proliferação de ratos e doenças. E a partir de 2009, o projeto começou a ser apoiado por universitários bolsistas da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).

Aquilo que começou como uma medida sanitária acabou tomando novas proporções: hoje o projeto Revolução dos Baldinhos é responsável por compostar 5,6 toneladas de restos orgânicos por mês. Organizado pelos jovens da comunidade, o projeto trabalha com a gestão comunitária de resíduos orgânicos e a agricultura urbana e local. Ao conscientizar as pessoas sobre os benefícios da compostagem, a Revolução dos Baldinhos consegue melhorar as condições sanitárias do bairro e devolver o composto produzido para fertilização das hortas das famílias. 

Recentemente, outros serviços de compostagem local vêm surgindo em diversas cidades brasileiras para transformar os resíduos orgânicos da população em adubo para a agricultura. Entre os diversos exemplos nacionais temos o Ciclo Orgânico, serviço por mensalidade que coleta semanalmente o material orgânico dos bairros do Rio de Janeiro para posterior compostagem e retorno do adubo produzido aos clientes. Dessa forma, a empresa fecha o ciclo biológico dos nutrientes orgânicos, evitando sua destinação tradicional ao aterro sanitário, ao mesmo tempo em que devolve à terra sua riqueza de nutrientes.

Compostagem de resíduos orgânicos. Imagem: Ciclo Orgânico.

Compostagem de resíduos orgânicos. Imagem: Ciclo Orgânico.

Ciclo técnico: construção civil

A inserção das cidades na economia circular pode envolver também as possibilidades do ciclo técnico, uma vez que é nas cidades onde mais consumimos diversos produtos industriais. Nutrientes técnicos, como metais e plásticos, podem circular continuamente em sistemas industriais fechados, se projetados intencionalmente para isso. Dentro desse pensamento, destacamos aqui o potencial do setor da construção civil, que tem grandes impactos ambientais causados pelo modelo linear atual, mas amplas possibilidades seguras e regenerativas para a transição circular.

Hoje, a construção civil é responsável pelo consumo de quase 50% dos recursos globais e pela produção de 20% das emissões de gases do efeito estufa. Aqui no Brasil, os resíduos de construção e demolição representam até 70% dos rejeitos sólidos das cidades médias  e grandes. Esses dados mostram como o setor ainda é largamente baseado no modelo linear de exploração dos recursos naturais, descarte em massa e poluição ambiental. Assim, frente ao impacto ambiental negativo e influência global do setor da construção civil, a pergunta que fica é: como fazer diferente?

Se pensarmos, desde o início dos projetos dos edifícios e áreas urbanas, no reaproveitamento de materiais das construções em novos ciclos, podemos visualizar os edifícios como bancos de materiais. Ou seja, a aplicação da economia circular e da metodologia Cradle to Cradle na construção civil significa criar edifícios modulares e desmontáveis, onde cada componente tem seu valor mantido para um próximo ciclo. Um projeto baseado em encaixes e parafusos, sem o uso de colas ou argamassas, possibilita a fácil manutenção e desmontagem da construção, e a reutilização contínua de todos os seus materiais – evitando a produção de resíduos da demolição convencional.

Um exemplo brasileiro, que também está no nosso e-book, e que explora a questão do ciclo técnico na arquitetura é a Casa Circular – uma parceria entre a nossa co-fundadora Léa Gejer, do escritório Flock, e a Katia Sartorelli Veríssimo, da Okna Arquitetura. Localizado no bairro Pinheiros em São Paulo, o projeto do atelier de 30m² levou em conta a saúde dos materiais e os futuros destinos de todos os seus elementos. A casa é construída por painéis de woodframe, uma técnica construtiva modular com componentes pré-fabricados, e por materiais provenientes da reutilização, com fundação de pneus usados e fechamentos em madeira advinda de outra construção.

Sem cola, argamassa ou resinas tóxicas, a montagem da casa foi rápida, segura e limpa – provando como é possível criar espaços saudáveis e circulares. A Casa Circular representa uma alternativa ao mercado linear tradicional da construção civil e seu grande consumo de recursos e geração de resíduos. Assim, o projeto propõe uma nova forma de construir, que enxerga os resíduos como matéria prima para próximos ciclos produtivos – sempre olhando para os materiais utilizados e pensando: “e depois?”.

Casa Circular. Fonte: Matheus Matta.

Casa Circular. Fonte: Matheus Matta.

 Sistemas inovadores

Diante de todas as possibilidades apresentadas de inserção das cidades na economia circular, fica visível o papel desempenhado pelo design no fechamento dos ciclos técnico e biológico. Mas no panorama geral da transição circular, é preciso pensar também em sistemas inovadores que possibilitem diversos ciclos possíveis como o da manutenção, reparo e reuso. Dentro disso, entram as novas possibilidades de negócio, economia criativa e colaborativa, baseadas em estrátegias que mantêm o valor de produtos e materiais através do conserto, reparo, reuso, compartilhamento e servitização.

As novas formas de serviço da economia circular incentivam o exercício da imaginação em processos criativos que buscam aproveitar ao máximo os recursos disponíveis nas cidades. 

Seguindo essa lógica, começam a surgir diferentes soluções criativas, como o Repair Café, uma iniciativa que começou em 2009 na cidade de Amsterdã, na Holanda, para organizar encontros de reparo coletivo dos mais diversos produtos, de aparelhos eletrônicos a roupas e brinquedos. Ou também modelos de negócio baseados no compartilhamento de produtos, como o serviço brasileiro de aluguel de malas Get Malas e a plataforma latino americana de aluguel mensal de automóveis MoObie.

Design Circular. Imagem: Ideia Circular.

Design Circular. Imagem: Ideia Circular.

A logística reversa também entra na jogada como uma importante estratégia de criação de valor dentro da economia circular. Isso implica na responsabilização das empresas pelo destino de seus próprios produtos no pós-consumo, o que acaba estimulando o planejamento de coleta e reaproveitamento de materiais dentro do ciclo técnico. Você pode conferir em detalhes a logística reversa para o caso das embalagens na entrevista que fizemos recentemente com o Marcelo Ebert, cofundador da empresa brasileira de produtos de limpeza para a economia circular Yvy Brasil.

Dentro da rede circular urbana, destacamos aqui o importante papel dos catadores como agentes que efetivam a economia circular nas cidades. No final do ano passado, fizemos uma entrevista com o Bispo Catador, idealizador do coletivo Kombosa Seletiva, que expõe o trabalho fundamental dos catadores e catadoras em promover a separação e circulação de materiais recicláveis nas cidades brasileiras.

Assim, entende-se que a economia circular envolve todo um conjunto de atores da sociedade empenhados em promover a transição em larga escala. Essa rede circular é composta pelo governo, empresas privadas, organizações não governamentais, instituições educacionais e a sociedade civil – todos trabalhando de forma colaborativa rumo à prosperidade sócio-econômica, ao mesmo tempo em que respeitam os limites naturais do planeta. 

 Cidades na economia circular: exemplos de planejamento urbano ao redor do mundo

O papel das cidades na economia circular vem sendo amplamente estudado e implantado por governos e instituições ao redor do mundo nos últimos anos. Diversas cidades europeias têm publicado relatórios e roadmaps, ou mapas de percurso, com rotas de ação para a transição circular urbana na próxima década. Cidades como Amsterdã na Holanda, Glasgow na Escócia e Londres na Inglaterra vêm liderando o movimento das cidades na economia circular por meio de planos de ação e políticas públicas que incentivam a inovação e o desenvolvimento para a economia circular. 

Hoje, mais da metade da população global é urbana, o que indica grande influência e potencial de liderança por parte das cidades na economia circular. Os mapas de percurso publicados nos últimos anos demonstram um esforço de mapear os atores e fluxos de cada contexto específico. Dessa forma, é possível entender os desafios e oportunidades locais e traçar rotas práticas para implementar estratégias circulares a curto, médio e longo prazo. Os planos de ação buscam trazer uma mudança sistêmica para as cidades, dissociando o crescimento econômico e o bem-estar humano do consumo crescente de novos recursos. 

Os documentos de mapas de percurso das cidades exploram algumas frentes principais de atuação, seja na construção civil, no setor de alimentos, na indústria têxtil ou na produção de plásticos. Cada eixo tem seu contexto local e rede de atores mapeados para estudo das possibilidades circulares e organização de suas estratégias. A implementação a longo prazo das iniciativas propostas tem o potencial de gerar emprego e trazer prosperidade econômica, ao mesmo tempo em que combate as mudanças climáticas e diminui a pressão por novos recursos naturais.

 Cidades na economia circular: ações específicas

roadmap da capital holandesa Amsterdã, publicado em outubro de 2015, foca, por exemplo, nos eixos da construção civil e dos resíduos orgânicos, com soluções tanto para o ciclo técnico quanto para o biológico. O documento explica como as construções da cidade, vistas como bancos de materiais, devem ser modulares e flexíveis para facilitar sua desconstrução e destinação de suas partes a novos ciclos. Já no caso dos fluxos de resíduos orgânicos, Amsterdã busca valorizar estes nutrientes ao conscientizar a população sobre a separação correta, promover tratamentos adequados de compostagem e, assim, fechar o ciclo biológico.

Para alcançar os objetivos da construção civil, o roteiro define estratégias como a implantação de projetos piloto de arquitetura, o incentivo a startups para desenvolverem soluções construtivas inteligentes, o ajuste de planos de zoneamento para contemplar construções multifuncionais e a criação de plataformas online por parte da prefeitura para facilitar as trocas de materiais entre empresas da construção civil. Já as estratégias dos resíduos orgânicos envolvem o uso de sistemas de coleta subterrâneos, a produção de biomassa, o estímulo à agricultura urbana e o tratamento de esgoto para recuperação do fósforo e conversão em fertilizante – um processo similar ao exemplo da Ostara e que já é realizado em terras holandesas pela empresa ICL Fertilizers.

Amsterdã, Holanda. Imagem: Roman Kraft para unsplash

Amsterdã, Holanda. Imagem: Roman Kraft para unsplash

Já o roadmap para Glasgow na Escócia, publicado em junho de 2016, se concentra na análise dos fluxos de energia, água, biomassa, minerais e metais nos setores da saúde, educação e manufatura. Depois de estudar as dinâmicas locais de consumo, processamento e descarte dos materiais, Glasgow decidiu estabelecer suas inovações circulares no setor de alimentos e bebidas. O plano de ação se resume a quatro projetos pilotos para a transição circular da cidade: recuperação de calor (energia), aquaponia, e reaproveitamento de resíduos agrícolas e de alimentos.

Glasgow, Escócia. Fonte: Eilis Garvey para unsplash.

Glasgow, Escócia. Fonte: Eilis Garvey para unsplash.

No caso da capital inglesa Londres, o roadmap de 2017 aplica os princípios da economia circular em cinco áreas principais: alimentos, têxteis, plásticos, eletrônicos e ambiente construído. Algumas estratégias do plano são investir em tecnologias de reciclagem de fibras no setor têxtil, criar uma plataforma online de rastreamento de componentes para facilitar seu reuso no caso dos eletrônicos, e conscientizar a população londrina sobre a reciclabilidade de embalagens e pontos de coleta no eixo dos plásticos.

Já existem diversos projetos em andamento na cidade em cada uma das cinco áreas previstas pelo mapa de percurso de Londres. No setor têxtil, por exemplo, podemos citar o Textiles Future Research Centre (TFRC), um centro de pesquisa localizado na Universidade das Artes de Londres com foco no desenvolvimento de materiais e têxteis alinhados com um futuro sustentável e circular. Outra iniciativa em andamento é o The Restart Project, uma plataforma que ensina consumidores a consertarem seus próprios aparelhos eletrônicos e conscientiza a população sobre a valorização e uso prolongado de seus dispositivos.

Londres, Inglaterra. Fonte: Alex Block para unsplash.

Londres, Inglaterra. Fonte: Alex Block para unsplash.

 

São Paulo adere ao movimento circular

O papel das cidades na economia circular vem sendo explorado na nossa realidade brasileira e latino-americana também. Em abril de 2021, São Paulo se tornou a primeira cidade do mundo a ocupar a posição de parceira estratégica da Fundação Ellen MacArthur – sendo acompanhada por Nova York e Londres nos meses seguintes. O anúncio da parceria destaca a importância das cidades na economia circular, além de colocar o Brasil no centro das discussões internacionais sobre esse assunto. 

Como vimos, diversas cidades ao redor do mundo têm explorado possibilidades de implementar a economia circular de forma sistêmica e colaborativa. As cidades são o centro do desenvolvimento humano, compondo uma complexa rede de pessoas, fluxos e troca de informação. E, por sua importante influência mundial, têm o potencial de liderar a transição circular em larga escala. 

Fonte: https://www.ideiacircular.com/cidades-na-economia-circular/

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