domingo, 30 de outubro de 2011


Bolsa Floresta e Bolsa Verde: semelhanças, diferenças e desafios
Virgílio Viana
Engenheiro florestal, Ph.D. Harvard, ex-Secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas e atual Superintendente Geral da Fundação Amazonas Sustentável (FAS).
 
Em Junho de 2007, numa iniciativa pioneira em âmbito nacional, o Governo do Estado do Amazonas, sob a liderança do Governador Eduardo Braga, lançou o Programa Bolsa Floresta. Quatro anos mais tarde, em Setembro de 2011, o Governo Federal, sob o comando da Presidenta Dilma Rousseff, lançou o Programa Bolsa Verde. Quais são as semelhanças, diferenças e desafios entre esses programas? 
Ambos são voltados para moradores de Unidades de Conservação. O Bolsa Verde, entretanto, inclui também moradores de assentamentos de reforma agrária que possuem uma diferenciação ambiental: Projetos de Assentamento Agroextrativista, Projetos de Assentamento Florestal e Projetos de Desenvolvimento Sustentável. Essa limitação espacial reflete um fio condutor comum: são áreas de grande valor ambiental, onde predominam populações extrativistas e agricultores familiares tradicionais.
Ambos podem ser vistos como uma remuneração adicional em função da proteção das florestas decorrente dos hábitos de vida e sistemas de produção dessas populações. Podem ser vistos como programas de pagamento por serviços ambientais. Entretanto, existem algumas diferenças entre os programas. O Programa Bolsa Verde requer que os beneficiários atendam aos critérios do Programa Bolsa Família, sejam moradores de unidades de conservação ou assentamentos diferenciados e respeitem o plano de manejo ou plano de uso dessas áreas. O Programa Bolsa Floresta trata os compromissos ambientais de forma mais detalhada e explícita. Todos os participantes fazem uma oficina prévia, de dois dias, onde são trabalhados temas como desenvolvimento sustentável, mudanças climáticas etc. O trabalho de educação ambiental e apoio à organização de base comunitária são pilares fundamentais do Programa Bolsa Floresta. Depois disso, os participantes são convidados a firmar um termo de compromisso formal, que requer Desmatamento Zero em áreas de mata primária, uso de práticas de prevenção de queimadas e participação na associação de moradores da Unidade de Conservação.
Ambos podem ser vistos como programas de combate à pobreza. Entretanto, existem diferenças entre os programas. O Bolsa Verde prevê pagamentos trimestrais de R$ 300, totalizando R$ 1.200 por família por ano. O Bolsa Floresta estabelece um pagamento anual que totaliza R$ 1.360 por família por ano, dividido em quatro componentes.
O primeiro (Bolsa Floresta Familiar), assemelhado ao Bolsa Verde, inclui pagamentos diretos à mulher representante de cada família, na forma de transferências mensais de R$ 50, totalizando R$ 600 ao ano. O segundo (Bolsa Floresta Renda), resulta em investimentos de R$ 350 por família por ano, direcionados para a geração de renda (produção de castanha, pirarucu, açaí, turismo, etc.), aproveitando a riqueza da floresta em pé. Isso significa, em média, R$ 170 mil por Unidade de Conservação por ano. O terceiro (Bolsa Floresta Social), está voltado para investimentos sociais, especialmente educação e saúde, no valor de R$350 por família por ano. Isso significa, em média, R$ 190 mil por unidade de conservação por ano. O quarto componente (Bolsa Floresta Associação) prevê investimentos no fortalecimento das organizações de base comunitária, especialmente o apoio para escritório e mobilidade local dos dirigentes. Isso significa, em média, R$ 30 mil por Unidade de Conservação por ano.
Existe uma diferença enquanto à previsão de duração dos programas. O Bolsa Verde prevê o pagamento por dois anos, renováveis por mais dois. Espera-se que ao final do período os beneficiários alcancem um novo patamar socioeconômico, fruto da inclusão produtiva, tornando desnecessária a continuidade do programa. O Bolsa Floresta é um programa que pretende durar por tempo indeterminado, enquanto durar o provimento dos serviços ambientais pelas florestas guardadas pelos participantes do programa: conservação da biodiversidade, manutenção do ciclo hidrológico e do clima etc. A lógica, portanto, é ambiental e não socioeconômica. Para isso, os recursos orçamentários para o Bolsa Floresta Familiar são oriundos de um Fundo Fiduciário, do qual são extraídos apenas os dividendos anuais.
O programa Bolsa Floresta tem uma condicionante temporal: apenas as famílias com mais de dois anos de moradia nas unidades de conservação são elegíveis. Essa regra tem o objetivo de desestimular a migração para essas áreas motivada pelos benefícios do programa. O Bolsa Verde, por sua vez, não possui essa condicionante.
Existe uma diferença quanto à origem dos recursos. O Bolsa Verde é financiado por recursos do Tesouro da União. O Bolsa Floresta é financiado por meio de uma parceria público-privada. O Governo do Estado do Amazonas contribuiu com cerca de um terço dos recursos atuais do Fundo Permanente, sendo o restante aportado pelo Banco Bradesco e Coca-Cola. Estão previstos recursos adicionais da HRT Óleo e Gás. Os demais componentes do Programa Bolsa Floresta são todos oriundos de parcerias privadas (Bradesco, Samsung e outros) ou doações internacionais, como o Fundo Amazônia/BNDES.
Ambos programas são implementados com um forte componente de parcerias institucionais. No âmbito do Bolsa Verde, os Ministérios de Desenvolvimento Social, Meio Ambiente e Desenvolvimento Agrário coordenam ações de diversos órgãos a eles vinculados e parcerias com outros ministérios, governos estaduais e prefeituras municipais. Especial ênfase é dada para parcerias voltadas para a inclusão produtiva, por meio de diferentes programas do Governo Federal e outros parceiros. O Bolsa Floresta é implementado por uma instituição público-privada, não-governamental, a Fundação Amazonas Sustentável, em coordenação com a Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Amazonas e suas instituições vinculadas – além de diversas outras instituições governamentais, não governamentais e empresas.
Se por um lado existem muitas semelhanças e algumas diferenças, ambos programas têm desafios comuns. O principal desafio é ético. Não podemos admitir que os guardiões da floresta vivam em situações de pobreza extrema. É essencial construir uma agenda capaz de erradicar a miséria e promover a cidadania dos guardiões da floresta. Os investimentos em geração de renda e inclusão produtiva representam o melhor caminho para a erradicação da pobreza e a melhoria da qualidade de vida. Outro desafio é promover a conservação ambiental, reduzindo o desmatamento e a degradação dos ecossistemas naturais. É essencial construir uma estratégia que valorize a floresta em pé e caminhe rumo ao desmatamento zero. Por fim, o desafio comum é conectar as agendas social, econômica e ambiental. Só com uma abordagem holística, capaz de compreender a interconectividade desses componentes da sustentabilidade, será possível superar os imensos desafios de trabalhar com a difícil realidade da Amazônia.
Já existe um processo de troca e intercâmbio de experiências entre as instituições envolvidas em ambos programas, o que é muito positivo. É igualmente positivo ver que diversos governos estaduais da Amazônia começam a desenhar programas assemelhados, ajustando às suas particularidades locais. Existe uma excelente oportunidade de sinergia entre esses novos programas e o programa Bolsa Verde. Existe também uma grande oportunidade para que os novos programas aproveitem as lições aprendidas desde 2007 na implementação do programa Bolsa Floresta. Bom para as comunidades, a floresta. Bom para o Brasil. 

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