quarta-feira, 5 de outubro de 2011


Carlos Nobre: “O futuro do Brasil é a economia do conhecimento natural”

Fabíola Ortiz, da IPS
destaques
O Brasil pode liderar uma nova agenda global de desenvolvimento sustentável e se converter em uma potência ambiental, afirmou Carlos Nobre, um dos principais especialistas mundiais em mudança climática.
Além de uma série de condições naturais do país, a sociedade brasileira tem consciência de que este futuro é possível, afirma Nobre, secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério de Ciência e Tecnologia e professor de pós-graduação do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
O Brasil tem potencial para explorar um novo modelo de desenvolvimento tropical, utilizando plenamente a energia renovável e a economia do conhecimento natural, disse ao Terramérica este engenheiro e doutor em meteorologia que pesquisa o clima da Amazônia e é um dos ganhadores do prêmio Nobel da Paz concedido em 2007 ao Painel Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática. Nobre conversou com o Terramérica durante o XIV Congresso Mundial da Água da International Water Resources Association (IWRA), que aconteceu de 25 a 29 de setembro, em Porto de Galinhas, Estado brasileiro de Pernambuco.
A Amazônia e o Cerrado podem experimentar uma extinção de espécies jamais vista pela humanidade, afirma Nobre.
TERRAMÉRICA - Que avaliação faz quase 20 anos depois da Cúpula da Terra, realizada no Rio de Janeiro?
CARLOS NOBRE - A convenção sobre mudança climática (adotada em 1992) não conseguiu criar o ímpeto para um movimento global de redução de emissões. O esforço deve ser, por igualdade e justiça, primeiro dos países que historicamente mais emitiram e, em segundo lugar, dos países em desenvolvimento, que também terão de se adequar à redução dos gases-estufa, se quisermos realmente entrar em uma trajetória menos perigosa. A temperatura global pode aumentar entre três e cinco graus no final deste século. Isso é muito. Já subiu 0,8 grau em 200 anos. Esta trajetória é bastante pessimista.
TERRAMÉRICA - Então, não se avançou nesse aspecto desde 1992?
CN - Em 2010, foi registrado o maior volume de emissões da história da civilização humana: quase 45% mais do que as emissões de 1990 em dióxido de carbono e outros gases-estufa. Não há forma de olhar estes números sem se preocupar. Alterar o clima em 200 anos, o que leva de 20 mil a 30 mil anos, segundo os ciclos naturais da Terra, é uma mudança muito abrupta para a maneira como a natureza se ajusta aos ciclos naturais. E a primeira vítima direta é a biodiversidade, que é muito variável. O ritmo natural de emergência de uma espécie se conta em centenas de milhares de anos, mas a extinção é muito rápida, basta uma perturbação. Os biólogos estimam que se esse cenário pessimista persistir sem controle até o final do século, estará ameaçada a existência de 40% de todas as espécies. Isto é um grande cataclismo para a vida do planeta Terra.
TERRAMÉRICA - Como a mudança climática pode afetar os recursos hídricos?
CN - O clima está mais variável, e os sistemas de produção dos quais dependemos para viver acabam perturbados. Por exemplo, hoje há um grande número de desastres naturais e a capacidade de resiliência está diminuindo. Este é o aspecto que importa quando falamos de falta de água: as projeções das mudanças climáticas no século afetam as regiões semiáridas, onde está a pobreza do mundo. Em cem anos o mar pode subir entre 50 centímetros e 1,4 metro. Isto inundará muitas áreas costeiras baixas onde vivem centenas de milhares de pessoas, que terão de ser reassentadas. Em geral, com grandes elevações de temperatura e com extremos meteorológicos, a agricultura global sofre porque as ondas de calor aumentam, bem como as secas, que se tornam imprevisíveis. O problema é que a agricultura já usa três quartos dos recursos hídricos disponíveis, e está em seu limite.
TERRAMÉRICA - Como o Brasil se coloca neste contexto de crise climática?
CN - Existe, sem dúvida, uma crise, e para o Brasil não é diferente. Não só é etnicamente uma mescla de culturas, como também uma mescla climática e ecológica e sofre todos os problemas globais. O quadro de regiões semiáridas é agudo no Nordeste brasileiro, que é o semiárido mais povoado do mundo, com 20 milhões de pessoas. Os desastres naturais estão aumentando muito no Brasil, com inundações, deslizamentos, ondas de calor, contaminação e um ambiente cada vez mais inóspito para a qualidade de vida. A maior vulnerabilidade ecológica está na Amazônia e no Cerrado, onde existe um grande risco de extinção de espécies em grande escala, jamais vista pela humanidade. Falamos de uma possibilidade de variação na Amazônia não vista em dezenas de milhões de anos, uma mudança da floresta que pode se tornar uma savana empobrecida. Se o clima mudar muito em 200 anos, perderemos grande parte da selva amazônica.
TERRAMÉRICA - Estas são previsões muito catastróficas. Como o Brasil pode liderar um movimento de desenvolvimento mais sustentável?
CN - O Brasil é um país muito rico em recursos naturais, mais do que Índia e China. A demografia brasileira é muito favorável, e há um desejo de desenvolvimento sustentável. A população (192 milhões de pessoas atualmente) deve se estabilizar nos próximos 15 anos e não passar de 215 milhões. Ao contrário de China e Índia, o Brasil pode planejar um desenvolvimento muito mais equilibrado e um futuro sustentável, pois tem uma quantidade de recursos naturais que talvez nenhum outro país do mundo tenha. Hoje já usa 46% de fontes renováveis de energia e pode chegar em 2050 com 80% de sua matriz renovável. Tudo isto permite traçar um futuro como um dos países mais limpos.
TERRAMÉRICA - O senhor realmente acredita que o Brasil, uma das nações emergentes, queira se transformar em potência ecológica?
CN - Hoje existe uma consciência na sociedade brasileira de que este futuro é possível. O Brasil não quer ser uma potência hegemônica militar, mas tem um potencial de explorar um novo modelo de desenvolvimento tropical e de ser uma potência ambiental utilizando plenamente a energia renovável no prazo de 20 a 30 anos. A economia do Brasil não pode ser separada da economia do conhecimento natural. O grande diferença é uma economia do conhecimento natural. O país pode ser um líder mundial dessa nova visão com a aplicação do conhecimento, e essa é a imagem que deve passar na cúpula Rio+20 (Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável). Queremos ser o país mais limpo do mundo nos setores energético e de produção, e no modelo de agricultura sustentável.
Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.
(Terramérica)


fonte: http://www.plurale.com.br/noticias-ler.php?cod_noticia=11393

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