segunda-feira, 7 de abril de 2014

Serviços de polinização representam 10% do valor da produção agrícola mundial



A humanidade tem explorado colônias de abelhas produtoras de mel desde a pré-história, mas somente nos últimos anos se deu conta de que a importância desses insetos para a sua alimentação vai muito além da fabricação do poderoso adoçante natural. “O mel é, na verdade, um subproduto pequeno quando comparado ao valor do serviço de polinização prestado pelas abelhas, que corresponde a quase 10% do valor da produção agrícola mundial”, destacou a professora da Universidade de São Paulo (USP) Vera Lúcia Imperatriz Fonseca, durante palestra no segundo encontro do Ciclo de Conferências 2014 do programa BIOTA-FAPESP Educação, realizado no dia 20 de março, em São Paulo.

Cientistas estimam que no ano de 2007, por exemplo, o valor global do mel exportado tenha sido de US$ 1,5 bilhão. Já o valor dos serviços ecossistêmicos de polinização em todo o mundo era calculado em US$ 212 bilhões. Os dados foram levantados em diversos estudos e estão reunidos no livro "Polinizadores no Brasil: contribuição e perspectivas para a biodiversidade, uso sustentável, conservação e serviços ambientais", um dos vencedores do Prêmio Jabuti de 2013.

As verduras e frutas lideram as categorias de alimentos que necessitam de insetos para polinização (cada uma das produções tem valor estimado de € 50 bilhões. Seguem as culturas oleaginosas, estimulantes (café e chá), amêndoas e especiarias. Em média, segundo os estudos, o valor das culturas que não dependem da polinização por insetos é de € 151 bilhões por ano, enquanto o das que dependem da polinização é de € 761 bilhões.

“Cerca de 75% da alimentação humana depende direta ou indiretamente de plantas polinizadas ou beneficiadas pela polinização animal. Dessas, 35% dependem exclusivamente de polinizadores. Nos demais casos, insetos como as abelhas ajudam a aumentar a produtividade e a qualidade dos frutos”, afirmou Fonseca, que atualmente é professora visitante na Universidade Federal Rural do Semiárido (Ufersa), no Rio Grande do Norte.

Pesquisas recentes, contou Fonseca, mostraram que mesmo culturas como a canola (polinizadas pelo vento) e a soja (considerada autofértil) produzem entre 20% e 40% a mais por hectare quando recebem apoio de colônias de abelhas da espécie Apis mellifera ou quando a plantação é feita ao lado de áreas com remanescentes de vegetação nativa.

“Quando se usam abelhas, jataí por exemplo, na polinização do morangueiro em ambientes protegidos, diminui em 70% o número de frutos malformados em alguns cultivares. Outra cultura que se beneficia da polinização em ambientes protegidos é a do tomateiro, que precisa de abelhas que vibram nas flores, como  as do gêneroMelipona.  Em geral, as abelhas aumentam a produção de sementes, atuam na qualidade do habitat, tornam os sistemas agrícolas mais sustentáveis e trazem benefícios amplos ao meio, favorecendo outros serviços ecossistêmicos que permitem a preservação da biodiversidade e dos recursos hídricos”, disse Fonseca.

Embora a demanda pelos serviços de polinização das abelhas cresça na mesma medida em que cresce a produção agrícola mundial, os habitats favoráveis à manutenção desses insetos diminuem a cada ano. Tal descompasso tem resultado em um fenômeno recente batizado pelos cientistas como desordem do colapso das colônias (CCD, na sigla em inglês).

De acordo com Fonseca, a síndrome do desaparecimento das abelhas foi detectada pela primeira vez em 2007 no Hemisfério Norte. Atualmente, naquela região, a perda tem sido em torno de 30% das colônias por ano e tem se tornado necessário importar abelhas de outros locais para promover a polinização agrícola. A Europa também sofre com o fenômeno, que começou a ser detectado no Brasil em 2011.

“O aluguel de uma colônia de abelhas para fazer a polinização chega a US$ 200 nos Estados Unidos, pois os produtores sabem que o lucro gerado pelo serviço prestado será muito maior. E não há abelhas suficientes. Esta é uma tendência mundial, pois cada vez mais plantamos culturas que dependem das abelhas para sua produção”, contou Fonseca.

Entre os fatores apontados como causa do desaparecimento das abelhas estão o uso inadequado de herbicidas e pesticidas, o desmatamento seguido pela ocupação do solo por extensas monoculturas e a migração de colônias para promover a polinização agrícola. “O pesticida, quando não mata a abelha num primeiro momento, a deixa fraca e reduz o tempo da atividade forrageira (busca de alimento). Por outro lado, as abelhas têm de percorrer distâncias cada vez maiores em busca de comida quando ocorre a substituição da vegetação nativa por monocultura, pois há menor diversidade de flores. A migração de colônias, por sua vez, pode aumentar a competição por comida entre as espécies e favorecer a disseminação de doenças”, explicou Fonseca.

O cenário, já nada animador, tende a piorar com a chegada de um novo problema: as mudanças climáticas globais. Isso porque os polinizadores, assim como as plantas que os mantêm, têm um raio de distribuição geográfica influenciado pela temperatura e pelas chuvas.

“As previsões do IPCC para o Nordeste brasileiro, por exemplo, são de aumento de 4ºC na temperatura nos próximos 50 anos. Isso deve impactar fortemente na área de ocorrência das abelhas. Temos feito trabalhos de modelagem de distribuição de espécies e estudos com a metodologia da análise polínica do alimento coletado por elas para saber quais plantas as abelhas visitam. Essas ferramentas permitem fazer uma análise da utilização de recursos florais e, com o auxílio do herbário da flora do Brasil, modelamos as fontes principais de alimento. Cruzando os dados, é possível identificar as áreas naturais mais importantes para serem reconstruídas e preservadas e planejar um programa de mitigação. Isso para que daqui a 40 ou 50 anos as abelhas tenham algum lugar para viver”, contou Fonseca. 

As abelhas são consideradas polinizadoras profissionais por terem estruturas corporais especializadas na coleta e transporte de pólen. Há, no entanto, outros diversos animais que contribuem para esse importante serviço ecossistêmico, como besouros, borboletas, mariposas, moscas, pássaros e morcegos. Este foi o tema abordado durante a palestra de Kayna Agostini, professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) em Araras. “Todos os sistemas de polinização conhecidos estão presentes no Brasil, por ser um país de clima tropical. Alguns desses sistemas são abióticos, como é o caso da polinização pelo vento, mas a grande maioria é por agentes bióticos”, afirmou Agostini.

Embora grande parte das interações entre os animais e as plantas seja do tipo mutualista (com benefício para ambas as partes), estudos recentes têm mostrado que isso não é uma regra válida em todos os casos. Um dos exemplos citados por Agostini é o da planta conhecida como papo-de-peru (Aristolochia gigantea). “A aparência e o odor da flor faz com que a mosca acredite se tratar de um pedaço de carne. Ao chegar perto para botar seus ovos, ela percebe o engano, tenta passar para o outro lado e acaba ficando presa. Depois que o pólen é liberado a mosca consegue sair, sem nenhum benefício com essa interação”, afirmou Agostini. Além de pólen – fonte de proteínas – e de néctar – rico em açúcar –, os animais visitam as flores em busca de recursos como óleos, fragrâncias e resinas.

O ciclo de conferências organizado pelo Programa BIOTA em 2014 tem como foco os serviços ecossistêmicos. Outros três encontros estão programados para este semestre, com temas como proteção de recursos hídricos de rios, riachos, lagos e reservatórios; mudanças climáticas (relacionadas à perda de biodiversidade); e ciclagem de nutrientes (um exemplo é a influência da biodiversidade sobre a poluição e o equilíbrio de dióxido de carbono e oxigênio na atmosfera).

Projeto pioneiro vai monitorar sumiço de abelhas
Responsáveis pela polinização de mais de 70% das culturas agrícolas e de 85% das plantas com flores de nossa biodiversidade, as abelhas estão desaparecendo em todo o planeta. Esse fenômeno atual deu origem a uma campanha mundial de proteção aos insetos intitulada "Bee or not to be?".

Como parte dessa ação, pesquisadores da USP em parceria com a iniciativa privada lançaram em Ribeirão Preto (SP) uma iniciativa inédita no Brasil e pioneira no mundo. Trata-se da primeira plataforma online por georeferenciamento que poderá dimensionar o sumiço das abelhas, conhecido como Síndrome do Colapso da Colônia. Também irá detectar quando há o envenenamento causado pelo uso de agrotóxicos nas lavouras.

A ideia partiu dos próprios organizadores da campanha, sendo um aplicativo estruturado por Lionel Segui Gonçalves, professor e pesquisador da USP de Ribeirão Preto e presidente do Centro Tecnológico de Apicultura e Meliponicultura do Rio Grande do Norte (Cetapis) - juntamente com Daniel Malusá Gonçalves, diretor de uma agência de publicidade engajada no projeto.

A solução tecnológica visa mostrar em tempo real o local e a intensidade de ocorrências envolvendo as abelhas. Para isso haverá esse canal único onde os casos poderão ser reportados e registrados, pois até então não existia um trabalho desse tipo específico para o problema que já mobiliza agricultores, apicultores e pesquisadores de várias partes do mundo, principalmente, por ter relação direta com a produção de alimentos.

De acordo com os idealizadores o BeeAlert, como é chamado, é um aplicativo de fácil utilização e seguro, que pode ser acessado em qualquer computador, smartphone ou tablet. Em sua primeira versão, a ferramenta foi concebida no idioma Português, mas já estão saindo as versões em Inglês e Espanhol. Ele começou a operar agora e a ideia é ser usado sobretudo por pesquisadores e pessoas da área que reportarão as ocorrências envolvendo o sumiço de abelhas.



fonte: http://novo.maternatura.org.br/news.php?news=712

Nenhum comentário:

Postar um comentário