quarta-feira, 11 de junho de 2014

Em 33 anos, país perdeu mais que uma Costa Rica em áreas verdes protegidas



Um estudo publicado em maio na "Conservation Biology", uma das mais respeitadas publicações científicas do mundo, demonstra que não é só na motosserra que o Brasil perde florestas. O país perdeu 5,2 milhões de hectares nos últimos 33 anos por decreto -- é algo equivalente ao Rio Grande do Norte. Neste período, 93 parques nacionais e outras unidades de conservação sofreram redução de área ou tiveram seu status de proteção relaxado, ameaçando a biodiversidade. Quase 75% desta perda aconteceu na Amazônia entre 2008 e 2012. Os principais motivos são projetos de hidrelétricas, pressão do agronegócio e urbanização.


Entre 1981 a 2012 "o Brasil deixou de proteger uma área maior que a Costa Rica", diz o biólogo Enrico Bernard, responsável pelo laboratório de ciência aplicada à conservação da biodiversidade do departamento de zoologia da Universidade Federal de Pernambuco. Ele coordenou o estudo "Redução, Declassificação e Reclassificação de Unidades de Conservação no Brasil" que analisou o ato de políticos que afetaram as áreas protegidas em todo o país.

A perda de florestas na caneta das autoridades pode ficar ainda mais grave. Projetos de lei no Congresso, se aprovados, afetarão outras áreas protegidas em Rondônia e no Pará. Mais 2,1 milhões de hectares estão sob risco, segundo Bernard. O estudo não incluiu áreas indígenas e quilombolas.

Nas últimas décadas, florestas foram afetadas em 16 Estados desta forma. Foram atingidas 69 áreas de proteção integral - estações ecológicas, reservas biológicas e parques nacionais, os tipos de unidades de conservação onde a biodiversidade é mais protegida. O mesmo aconteceu com 24 unidades de uso sustentável, onde podem, por exemplo, viver populações tradicionais.

"Começamos a observar um movimento no Brasil de mudança sistemática dos limites de parques e reservas", diz Bernard. "Alguns tiveram seu status de proteção relaxado, outros perderam área ao terem seus limites alterados e teve até os que deixaram de existir."

Esta dinâmica ficou estável de 1981 (data do início do estudo), até 2000. Foi quando entrou em vigor o Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Conhecida como "lei do SNUC", classificou as unidades de conservação criando duas categorias - as de proteção integral e as de uso sustentável. Dentro delas há uma dúzia de tipos que vão desde as reservas biológicas (onde só pesquisadores estão liberados) até as áreas de proteção ambiental, as APAs, menos restritivas e que permitem ocupação humana e até indústrias.

Um ano depois de a lei do SNUC vigorar ocorreu um grande movimento de reclassificação das unidades de conservação, no esforço de adequá-las à nova lei. Esse fato Bernard considera positivo. Bem ao contrário do que aconteceu a partir de 2008, no segundo mandato do governo Lula. De 2008 a 2012, início da gestão Dilma Rousseff, unidades de conservação perderam área, outras foram reclassificadas e encaixadas em tipos onde se permite mais atividade econômica, ou sumiram do mapa. Somente em 2011, foram 37 eventos. A maioria na Amazônia. Unidades de conservação federais e estaduais foram alvo de mudanças e algumas, mais de uma vez. Em Rondônia, o Parque Estadual Guajará-Mirim foi reduzido em duas ocasiões (1996 e 2002), e o Parque Estadual Corumbiara, reduzido a primeira vez em 1996 e revogado em 2010, ou seja, a unidade perdeu completamente a função de área protegida. 

Bernard relaciona a recente perda de florestas à publicação, em 2007, do documento "Matriz Energética Brasileira - 2030". "Ali se lê que para atender a uma demanda de 4,5% de mais oferta de energia elétrica anual até 2030, todos os grandes rios amazônicos terão que ser barrados e abrigar hidrelétricas", diz o pesquisador. 

Como a lei do SNUC não permite que empreendimentos avancem sobre unidades de conservação, o governo federal promulgou o Decreto 7154/2010 permitindo estudos de potencial hidrelétrico em caso de interesse público. O decreto, na interpretação de Bernard, teve como efeito colateral o estrago nas florestas protegidas.

De 2010 a 2012 foram 21 unidades de conservação a ter seus limites afetados na Amazônia. O governo Dilma agiu desta forma em 2012, por exemplo, para viabilizar o complexo das usinas do Tapajós. "Nas áreas estaduais o processo é mais grave ainda porque não passa pela mídia ou pela sociedade", diz o coordenador do estudo.

"A maioria dos grandes rios brasileiros nasce dentro de unidades de conservação", diz Bernard. "Florestas, ao menos em parte, são responsáveis pelo volume de água das chuvas. Se o regime hidrológico for alterado, o funcionamento das hidrelétricas ficará comprometido. É um tiro no pé."

Segundo as metas de Aichi, definidas em 2010 no âmbito da Convenção sobre Diversidade Biológica - CDB, tratado da Organização das Nações Unidas do qual o Brasil é signatário, até 2020, ao menos 17% de áreas terrestres e de águas continentais e 10% de áreas marinhas e costeiras precisam ser especialmente protegidas. No papel, o Brasil superou essa meta com a criação de 1.828 unidades de conservação (UCs), que somam 1.494.989 km² (cerca de 17,5% do território nacional ou quase o tamanho da cidade de São Paulo). As UCs de de uso sustentável representam quase 70% do total.

Na prática, no entanto, para que cumpram seu papel, as unidades de conservação precisam ser efetivamente implantadas, o que ainda está longe de ocorrer. Tal efetivação implica, no mínimo, a existência de plano de manejo e conselho gestor e a consolidação territorial.

Frente Parlamentar de “atingidos por áreas protegidas” tem lançamento esvaziado
Não bastasse a ofensiva do Poder Executivo para enfraquecer as Unidades de Conservação no Brasil, também parte do  Poder Legislativo está encabeçando uma ação para minar a efetividade dessas áreas de conservação no País, com a formação da "Frente Parlamentar de Atingidos por Áreas Protegidas". A iniciativa é considerada mais uma trincheira de ataque à legislação ambientalista e indigenista e às áreas protegidas e seu lançamento aconteceu em plena Semana do Meio Ambiente de 2014.

No entanto, o lançamento desta Frente Parlamentar, na manhã do dia 04 de junho, no Congresso Nacional, só não foi um fracasso de público por causa dos cerca de 40 funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) que estavam lá para protestar contra a iniciativa (foto). No pequeno palanque montado em um hall da Câmara, estavam presentes apenas três deputados – Giovanni Queiroz (PDT-PA), José Silva (SD-MG) e Weverton Rocha (PDT-MA), autor do requerimento de criação da frente – além de meia dúzia de assessores e três agricultores supostamente atingidos por Terras Indígenas (TIs), no sul da Bahia. 

O coordenador da bancada ruralista, Luís Carlos Heinze (PP-RS), um dos principais articuladores no Congresso na luta contra a oficialização de novas TIs, Unidades de Conservação (UCs) e territórios quilombolas, apenas passou pelo local, conversou com algumas pessoas e saiu de cena, não ouvindo o discurso de Rocha. “A frente está sendo criada para propor medidas de defesa dos agricultores familiares impactados por ampliações de reservas indígenas e biológicas", afirmou Rocha. O discurso do parlamentar foi contraposto pelos gritos em defesa de reforma agrária dos servidores públicos.

Rocha afirma que não pertence à bancada ruralista e que defende os agricultores familiares, mas a iniciativa é vista como mais uma trincheira de ataque à legislação ambientalista e indigenista. Os ruralistas têm explorado eleitoralmente o drama de vários agricultores familiares que são obrigados a sair de TIs e UCs, mas não recebem apoio adequado do governo para recomeçar suas vidas. Em várias regiões, sobretudo na Amazônia, políticos e fazendeiros estimulam a invasão dessas áreas com o objetivo desafetá-las e ampliar seu capital político.

“Reconhecemos que existem problemas fundiários nas áreas protegidas, com posseiros e proprietários legítimos em várias delas. O que falta para resolver isso são recursos do Tesouro Nacional para pagar e reassentar as populações que precisam ser reassentadas”, criticou Maria Goreti Pinto, diretora de Comunicação da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Asibama). Ela cobrou do Congresso a destinação de recursos para esse fim no orçamento federal.

A Asibama divulgou uma carta em que condena a criação da frente e pede a sua extinção. Para Goreti, a criação da frente tem o objetivo impedir a criação de novas áreas protegidas, disponibilizando terras para grandes proprietários. O novo grupo parlamentar também serviria para pressionar o governo pela aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, que pretende transferir ao Congresso a atribuição de oficializar as áreas protegidas.

O lançamento da frente faz parte da ofensiva dos ruralistas, em plena Semana do Meio Ambiente, para dar visibilidade à causa no Congresso. Também no dia 04 de junho os ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, e da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, estiveram numa audiência na Comissão de Agricultura, quartel general dos ruralistas. O encontro transformou-se num palanque eleitoral para atacar as TIs e a Funai e pressionar o governo a retroceder ainda mais em sua política indigenista. Na prática, as demarcações estão paralisadas e o governo Dilma tem o pior desempenho no setor desde 1988.

A nova frente nasce com 215 membros de vários partidos (veja infográfico do WWF sobre a nova frente). Goreti informou que vários parlamentares que assinaram a criação da frente informaram que o fizeram sem saber do que se tratava e que pretendem retirar suas assinaturas.

MPF lança estratégia nacional para defesa das unidades de conservação
Considerando  o cenário acima, no Dia Mundial do Meio Ambiente (5 de junho), o Ministério Público Federal - MPF lançou uma política que pretende incentivar a defesa das unidades de Conservação (UC). As ações incluem a elaboração de um mapa que aponta as 1.828 unidades existentes no país e as instâncias do MPF localizadas nas proximidades delas, um manual de regularização fundiária em unidades de Conservação e a disponibilização de um banco de dados com artigos, decisões judiciais e modelos de ações. Além disso, o MPF já enviou ofícios para as procuradorias locais, solicitando a instauração de procedimentos administrativos para cada UC, os quais devem conter relatório de visita ao local e dados que permitam diagnosticar a situação da área.

Segundo o subprocurador-geral da República Mário José Gisi, a ação conta com parceria do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e partiu da constatação de que há um déficit histórico no trato das UC, tanto por parte do Poder Executivo quanto do próprio MPF. “Falta uma decisão política séria, verdadeira, na implementação dessas unidades, a partir da questão orçamentária, tanto para pagamento das indenizações quanto para a contratação de pessoal necessário para atender as demandas de gestão de cada uma das unidades”, avaliou.

Desde que o SNUC foi regulamentado, em 2002, avançou-se pouco na efetivação da proteção ambiental, segundo o procurador da República Leandro Mitidieri. Ele disse que das 313 UCs federais, 173 não dispôem de plano de manejo, 50 não têm conselho gestor formado e 297 não concluíram a consolidação territorial, que é a retirada daquilo que é incompatível com os objetivos das UCs.

Diretor da Fundação SOS Mata Atlântica, Mário Mantovani avaliou que “a situação das unidades de Conservação é calamitosa”. Ele relatou que há cerca de 400 medidas para alterar as UCs em discussão na Câmara e no Senado. A situação não é nova. Segundo estudo citado pela representante da WWF-Brasil, Maria Napolitano, desde os anos 1980, 5 milhões de hectares dessas unidades foram reduzidos ou desafetados. 70% do total, nos últimos cinco anos. Para ela, as unidades não estão sendo consideradas no plano de desenvolvimento do país, mas sim “vistas como entraves”.

O debate no MPF apontou que a iniciativa deve agilizar os processos de regularização fundiária. Com proteção e restrição de atividades econômicas nesses locais, os processos podem gerar conflitos, tendo em vista que setores querem utilizar as áreas para outras finalidades, como plantio de soja, instalação de hidrelétricas e mineração, conforme propõe o chamado Código da Mineração, em tramitação no Congresso.

Os participantes enfatizaram a urgência no enfrentamento de tais interesses. A subprocuradora-geral da República Sandra Cureau, destacou que a proteção é “uma responsabilidade ligada aos direitos das atuais e futuras gerações”, mas vem sendo sistematicamente desrespeitada. “A partir do Código Florestal, que acabou por solapar boa parte da proteção da biodiversidade nas propriedades privadas, estamos voltando os olhos com muito mais ênfase para as unidades de Conservação, para a proteção da biodiversidade”, acrescentou Mário José Gisi.


Fonte: http://novo.maternatura.org.br/news.php?news=716

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