Moradores de Santa Cruz, bairro do Rio de Janeiro, sofrem com partículas expelidas pelo processo industrial conhecidas como ‘chuva de prata’. Foto EBC
Um total de 16 atividades são consideradas modificadoras do meio ambiente, de acordo com a resolução número 001 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Além disso, para estas atividades receberam o licenciamento, é preciso apresentar dois documentos: o estudo de impacto ambiental (EIA) e o relatório de impacto ambiental (RIMA).
São três o número de fases do licenciamento – a licença prévia, a licença de instalação e a licença de operação – , mas são incontáveis os danos causados quando estas etapas não são respeitadas.
Na corrida pelo licenciamento ambiental, empresas, governo e sociedade não têm entrado em comum acordo. O último episódio deste enredo surgiu nesta semana por parte do governador do Rio de Janeiro, Sergio Cabral, que apresentou à Assembleia Legislativa do estado oprojeto de lei 1.860/2012 , que flexibiliza a necessidade do estudo prévio de impacto ambiental para conceder o licenciamento.De acordo com movimentos sociais e pesquisadores ligados à temática, três pontos são mais polêmicos: a dispensa do estudo de impacto ambiental para determinados empreendimentos; o sigilo dos estudos apresentados; e o fim das audiências públicas que envolvem o Ministério Público e a sociedade civil.
No PL, a parte relacionada ao Estudo de Impacto Ambiental (EIA), por exemplo, a mudança é considerável. Enquanto a legislação federal exige o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) para “projetos urbanísticos, acima de 100 hectares ou em áreas consideradas de relevante interesse ambiental a critério da SEMA e dos órgãos municipais e estaduais”, o PL exige apenas o EIA para “projetos de desenvolvimento urbano em área acima de 100 hectares, quando indutores da ocupação de áreas desprovidas de infraestrutura e serviços públicos.” Diante da pressão contra a iniciativa, na tarde de quarta-feira, dia 12, Sergio Cabral pediu a retirada do PL para ser reavaliado, mas a discussão ficou em aberto.
O próprio estado do Rio de Janeiro coleciona casos emblemáticos em relação ao descumprimento das etapas do licenciamento ambiental. Nele estão a ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA) , o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) , a Refinaria de Duque de Caxias (Reduc) , entre outros. “O Rio hoje passa por um momento de muitos investimentos, além de eventos como a Copa do Mundo. É uma cidade que está no olho dos negócios. E isso faz com que você precise ter um cuidado redobrado com a legislação ambiental. E a atuação do Ministério Público passou a ser fundamental nesse sentido. Isso, de alguma maneira, está incomodando o governo, que acaba apresentando uma proposta como essa, que é a contramão do que deve acontecer”, critica Marcelo Freixo (Psol), deputado estadual do Rio de Janeiro. E completa: “Se os empreendimentos não conseguem ter a velocidade desejada por eles, é porque a questão ambiental necessita que a velocidade não seja do empreendedor e sim da cidade. E este é o debate que deve ser travado e foi feito esta semana, por conta deste projeto, que tinha na sua natureza a fragilização da legislação”, analisa.
Embora seja polêmico exatamente porque vai ‘direto ao ponto’, propondo a desobrigação de estudos ambientais, esse não é o projeto isolado de um estado.Em entrevista à revista Poli – edição de número 16, o pesquisador da Escola Nacional de Saúde Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz) e membro da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, Marcelo Firpo, afirmou que este fenômeno vem acontecendo em diversas partes do país. “Existe uma série de grandes empreendimentos no setor hidrelétrico, siderúrgico, de mineração, de infraestrutura – como a transposição do Rio São Francisco e a construção de rodovias – extremamente complexos e que podem gerar vários impactos à saúde da população, dos trabalhadores e dos ecossistemas. A velocidade com que o licenciamento vem sendo dado em função das pressões econômicas e políticas tem passado por cima da seriedade e do aprofundamento da análise desses impactos à saúde e também outros impactos socioambientais, que também terão repercussões sobre a saúde”, analisa.
Manobras na legislação
As condicionantes são contrapartidas da empresa para a obtenção do licenciamento. Por meio delas, que são obrigatórias, é que as empresas se comprometem a realizar ações compensatórias aos danos causados à região, mas muitas vezes este cumprimento é parcial ou inexistente. O exemplo mais conhecido talvez seja o da hidroelétrica de Belo Monte, do Pará, que até agora, cumpriu 24 das 40 condicionantes que foram postas para a obtenção da licença prévia, que já foi concedida.
Outra prática comum tem sido o parcelamento das etapas de licenciamento, que agilizou a obra de empreendimentos como a TKCSA, no Rio de Janeiro, e Belo Monte, no Pará, por exemplo. O procurador do Ministério Público Federal no Pará, Ubiratan Cazetta, em entrevista para a revista Poli, nº 16 explica sobre o caso de Belo Monte em que a legislação deixou brechas para este tipo de ação e que os órgãos como o Ibama acabam ficando vulneráveis por conta da falta de respaldo legislativo. “Não existe em lugar nenhum na legislação, a possibilidade de se criarem parcelas da licença de instalação. Como a legislação não prevê essa licença parcial, o Ibama fica sem uma base para dizer o que ele pode ou não exigir. Ele [o Ibama] não exige tudo porque diz que não está dando licença completa. E não há uma regra interna do Conama [Conselho Nacional de Meio Ambiente], ou seja de quem for, que diz quais são os elementos necessários para que ele dê essa parcial. Por isso, ele fica com um grau de arbítrio muito grande e nós não temos como controlar”, critica.
Na resolução 001 do Conama é previsto também que sejam realizadas audiências públicas para informações sobre o projeto, seus impactos ambientais e discussão do Rima. E, de acordo com a resolução 009, também do Conselho, as audiências devem ser realizadas sempre que o órgão ambiental julgar necessário, ou quando for solicitado por entidade civil, pelo Ministério Público, ou por 50 ou mais cidadãos. Além disso, caso a audiência pública seja solicitada e o órgão ambiental não a realize, a licença concedida não terá validade. Marcelo Freixo explica que muitas vezes as audiências não são realizadas como deveriam, ou seja, com a participação popular. “Estes projetos não só devem ser discutidos do que ampliados com a participação pública. Muitas vezes a audiência publica realizada não deixa que a população interfira. Não há uma troca com a população e eles colocam esta etapa como realizada”. Ele exemplifica com o caso do Maracanã e informa que está entrando com uma ação popular junto a diversas entidades contra o governo do Rio para que haja uma nova audiência. “O Maracanã está em um processo de privatização já anunciado pelo governo que gera a destruição de um museu e de uma escola, além do parque aquático Julio Delamare. E a única audiência realizada não possibilitou a intervenção da população”, lembrou.
Projeto de Lei suspenso, mas questões permanentes
Em entrevista para o Jornal O Globo, no dia 12 de dezembro, o secretário de meio ambiente do estado do Rio de Janeiro, Carlos Minc alegou que não há motivos para atribuir ao projeto qualquer indício de flexibilização do rigor ambiental. E ainda acrescentou: “Temos hoje processos de licenciamento de areais, barreiros, de exploração de brita totalmente parados. Enquanto isso projetos como Minha Casa, Minha Vida e empreendimentos para a Copa e Olimpíadas sofrem com falta de matéria-prima. Estamos em contato para ver como resolver os impasses sem que haja qualquer retrocesso na legislação ambiental”, disse. Freixo contesta: “Tudo agora é Copa e Olimpíada. Flexibiliza-se uma legislação para receber um evento. É preciso ser repensada esta postura”. Um dos artigos deste PL dispensa a extração de minérios de emprego imediato na construção civil – atividade considerada modificadora do meio ambiente na resolução 001 do Conama, – da apresentação do EIA/RIMA com a exigência apenas do Relatório Ambiental Simplificado (RAS) ou Relatório de Controle Ambiental (RCA) como forma de agilizar os processos de fornecimento de matéria prima para as construções em andamento no Rio de Janeiro.
No entanto, no dia 13 dezembro, após a grande mobilização contrária ao projeto, o secretário voltou atrás e reconheceu “falhas no texto, que abriam a possibilidade de dispensa de estudos ambientais aprofundados no licenciamento de diversas atividades”. “O curioso é que este projeto de lei anula leis de autoria do próprio Minc de algum tempo atrás. Eu não sei se isso apresenta um avanço legislativo ou o retrocesso político de uma pessoa”, destaca Freixo. Ao ser procurado pelo Portal EPSJV, Carlos Minc não quis dar entrevista.
Viviane Tavares – Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio /Fiocruz
FONTE; ecodebate.com.br
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