quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Quinto relatório do IPCC mostra intensificação das mudanças climáticas




O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas divulgou no dia 27 de setembro o primeiro volume do 5º relatório de avaliação (AR5)  sobre o estado do clima no planeta. As constatações são drásticas: a concentração de CO2 na atmosfera, gás oriundo da queima de combustíveis fósseis e o mais nocivo ao ambiente, cresceu 40% desde 1750 e continua a se acumular. Com isso, a temperatura na Terra já subiu 0,89ºC entre 1901 e 2012 e vai se elevar entre 1,5ºC, no melhor cenário, e 6ºC no pior até o fim do século.

“Cada uma das últimas três décadas foi mais quente que todas as décadas precedentes desde 1850, e a primeira década do século XXI foi a mais quente", advertiu o relatório. Entre 2016 e 2035, o planeta deve aquecer entre 0,3ºC e 0,7ºC. Com 95% de certeza, os cientistas indicam a ação do homem - "antropogênica" - como a maior causa do aquecimento global. Há seis anos (2007) com o 4º Relatório, essa certeza era de 90%, e em 2001 com o 3º Relatório, de 66%.

O primeiro volume do Relatório (Sumário para Formuladores de Políticas) foi elaborado por cerca de 830 especialistas de 110 países, baseado em 9.200 estudos científicos. Os outros três volumes (2. Impactos, adaptação e vulnerabilidade; 3. Mitigação; 4. Relatório Síntese) deste 5º relatório serão lançados ano que vem, respectivamente em março, abril e outubro de 2014. O conjunto dos quatro volumes possui cerca de 3 mil páginas.

De acordo com Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e um dos seis brasileiros que participaram da elaboração desse relatório, nas projeções para o futuro, o relatório simulou quatro diferentes cenários de concentrações de gases de efeito estufa, possíveis de acontecer até o ano de 2100 – os chamados “Representative Concentration Pathways -  RCPs (RCP ou Vias de Concentração Representativa, em tradução livre). Eles se baseiam na quantidade de gás de carbono aprisionadora de calor que entra na atmosfera. Eles compreendem o RCP2.6, o mais baixo; RCP4.5; RCP6.0; e o RCP8.5, o mais alto.

"A mudança da temperatura global superficial ao final do século XXI provavelmente excederá o 1,5ºC" em comparação com 1850 para todos os cenários, exceto o RCP2.6. "É provável que exceda os 2ºC no RCP 6.0 e no RCP8.5 e, mais provavelmente que exceda do que não exceda os 2ºC no RCP4.5".

“Para fazer a previsão do aumento da temperatura são necessários dois ingredientes básicos: um modelo climático e um cenário de emissões. No quarto relatório (divulgado em 2007) também foram simulados quatro cenários, mas se levou em conta apenas a quantidade de gases de efeito estufa emitida. Neste quinto relatório, nós usamos um sistema mais completo, que leva em conta os impactos dessas emissões, ou seja, o quanto haverá de alteração no balanço de radiação do sistema terrestre”, explicou Artaxo.

O balanço de radiação corresponde à razão entre a quantidade de energia solar que entra e que sai de nosso planeta, indicando o quanto ficou armazenada no sistema terrestre de acordo com as concentrações de gases de efeito estufa, partículas de aerossóis emitidas e outros agentes climáticos.

Entenda como são feitos os relatórios do IPCC
Formado em 1988 por cientistas do mundo inteiro, que trabalham de forma voluntária, o IPCC não realiza pesquisas ou monitora dados climáticos. O grupo tem como objetivo revisar as publicações mais recentes na área científica, técnica e socioeconômica para produzir um documento que seja de fácil entendimento, para o público e para os tomadores de decisão, sobre as mudanças do clima.

Como o relatório é amplo e aborda várias áreas do conhecimento, os pesquisadores são divididos em três grupos de trabalho: o grupo de trabalho 1 (WG1), que avalia os aspectos da ciência física do sistema climático e das mudanças do clima; o grupo de trabalho 2 (WG2), o qual analisa a vulnerabilidade socioeconômica e dos sistemas naturais às mudanças do clima, bem como os aspectos negativos e positivos consequentes dessas transformações. Também avalia opções de adaptação às mudanças e o grupo de trabalho 3 (WG3), que avalia opções de mitigação às mudanças do clima através da limitação ou prevenção de emissões de gases de efeito estufa e/ou através da promoção de atividades que removam esses gases da atmosfera.

Para garantir uma boa elaboração dos relatórios, existe um passo-a-passo previsto pelo IPCC, que consiste em:
• eleger os autores coordenadores e os autores dos capítulos do relatório, assim como os revisores, através de indicação de nomes de experts em cada área. Essas indicações são dadas pelo secretariado do IPCC, pelos governos e pelas organizações participantes do painel;
• preparar o primeiro rascunho do relatório, através da coleta e seleção das publicações mais recentes sobre mudanças do clima;
• fazer a revisão deste texto em duas etapas: a primeira com experts de cada área específica dos capítulos e a segunda com representantes de governos e experts;
• preparar o rascunho final do relatório;
• promover a aceitação do texto final através de uma sessão de avaliação, onde todos os membros do grupo de trabalho devem estar presentes.

Veja abaixo as Principais conclusões do novo relatório sobre mudanças climáticas:
Temperaturas - Os cientistas têm agora pelo menos 66% de certeza que as últimas três décadas são as mais quentes em 1.400 anos, com um aumento da temperatura global de 0,9ºC ocorrido no século passado. No entanto, mais de 90% do calor gerado por gases do efeito estufa está armazenado nos oceanos. Até a metade deste século, os cientistas preveem um novo aumento de 1,4º a 2,6ºC se as emissões de carbono continuarem a subir na tendência atual. Se as emissões forem interrompidas quase imediatamente e uma quantidade de carbono significativa saísse da atmosfera, o aumento até meados do século seria de 0,4º a 1,6ºC.

Os cientistas preveem que a temperatura média entre 2080 e 2100 será de 2,6º a 4,8ºC maior do que hoje se as emissões não forem controladas. Eles têm 90% de certeza de que as ondas de calor serão mais frequentes e mais longas.

Nos oceanos, o forte aquecimento da superfície -- de até 2ºC em 2100 -- é esperado nas regiões tropical e subtropical, uma grave ameaça para os recifes de coral que sustentam boa parte da vida marinha. Os cientistas concluíram que um colapso da Corrente do Golfo que aquece a Europa ocidental, dramatizada no filme “O Dia Depois de Amanhã”, é muito improvável neste século, mas não pode ser descartada mais à frente.

Gelo - O impacto do aquecimento é evidente pelo aumento das taxas de derretimento em praticamente todas as geleiras do mundo e nas enormes camadas de gelo da Groenlândia e da Antártida. As camadas estão derramando pelo menos cinco vezes mais água na década de 2000 do que na década de 1990, relatam os cientistas. A cobertura de neve do hemisfério norte caiu 11% por década desde 1967, e a temperatura do solo que congela sazonalmente, o permafrost, aumentou de 2º a 3ºC na Rússia e no Alasca.

O gelo do Oceano Ártico está derretendo entre 9-14% por década desde 1979, enquanto o gelo ao redor da Antártida, ao contrário, está aumentando de 1-2%, provavelmente devido a mudanças nas correntes marítimas.

Os cientistas têm 90% de certeza que o gelo do mar Ártico, a cobertura de neve e as geleiras continuarão a encolher. Eles dizem que um oceano Ártico praticamente sem gelo nos meses de setembro tem probabilidade de pelo 66% de ocorrer antes de 2050. Em 2100, entre 35% e 85% do volume das geleiras restantes no mundo terão desaparecido se as emissões não forem cortadas. A probabilidade do permafrost também encolher é maior do que 99%.

Extremos - É 90% certo que o número de dias e noites quentes aumentou globalmente e ondas de calor se tornaram mais frequentes e mais longas na Europa, Ásia e Austrália. As secas também se tornaram mais frequentes e intensas no oeste da África e no Mediterrâneo.

O número de chuvas intensas aumentou em mais regiões do que naquelas em diminuiu. É praticamente certo que a frequência e a intensidade dos mais fortes ciclones tropicais no Atlântico Norte aumentaram desde a década de 1970.

Os cientistas concluíram que é 99% certo que a frequência de dias quentes e noites quentes aumentará nas próximas décadas, enquanto a dos dias frios e noites frias deverá diminuir. É muito provável que a frequência e a intensidade das chuvas extremas aumentará em várias regiões populosas.

Pausa – A última década foi a mais quente já registrada, mas embora as concentrações de CO2 na atmosfera continuem a se acelerar, as temperaturas do ar próxima à superfície aumentaram apenas ligeiramente nos últimos 15 anos, levando alguns a sugerir que o aquecimento global parou. Os cientistas do IPCC rejeitam essa conclusão e afirmam que a tendência de aquecimento ao longo de um período de décadas é robusta, pois há uma variabilidade "substancial" entre cada década. Eles concluem: "Tendências extraídas de períodos curtos de registro ... em geral, não refletem as tendências de longo prazo do clima.

Eles acrescentam que o calor preso na atmosfera pelo aquecimento global em 2011 foi 43% maior do que a estimativa para 2005, em seu último relatório, e que mais de 90% de todo o calor adicionado está sendo acumulado nos oceanos.

Impacto persistente - Os cientistas calculam que já foi emitida quase a metade de todo o dióxido de carbono possível sem elevar as temperaturas acima de perigosos 2ºC. egundo o IPCC, isso significa que os governos devem agir rapidamente para ter uma chance razoável de evitar o limiar de 2ºC. É também muito provável que mais de 20% do CO2 emitido irá permanecer na atmosfera por mais de 1.000 anos após as emissões artificiais terem cessado. De acordo com o IPCC, uma grande fração das mudanças climáticas é, portanto, "irreversível em uma escala de tempo parecida com a da vida humana", exceto se as emissões de CO2 produzidas pelo homem forem retiradas da atmosfera por um longo período.

Oceanos - O nível global do mar já subiu 20 centímetros entre 1900 e 2012, e os cientistas estão agora 90% certos de que essa taxa vai aumentar. A linha de maré está subindo com o derretimento das geleiras e as camadas de gelo perdidas despejam centenas de bilhões de toneladas de água nos oceanos a cada ano. Um fator igualmente importante é o aquecimento -- e, portanto, a expansão -- da própria água do mar. Com os oceanos subindo 60 centímetros, rios como o Amazonas, por exemplo, sofrerão forte refluxo de água salgada, o que afeta todo o ecossistema local, disse Artaxo.

As novas projeções para o nível médio do mar no período 2080-2100 são maiores do que as feitas no relatório de 2007, variando de 45-82 centímetros acima do nível atual, se nada for feito para reduzir as emissões, para 26-55 centímetros, caso as emissões de carbono sejam interrompidas e revertidas. No primeiro caso, o nível do mar poderá acumular um aumento de 98 centímetros até o final do século, ameaçando seriamente cidades que vão de Xangai a Nova York, além de significar danos maiores quando furacões e ciclones atingirem regiões costeiras.

Projeções sobre o nível do mar têm sido controversas, porque não é bem conhecida a velocidade exata em que as geleiras e camadas de gelo irão deslizar para o mar. Um colapso das camadas de gelo, por conseguinte, não está incluído nas estimativas e pode adicionar dezenas de centímetros ao aumento previsto. Como a Groenlândia e os lençóis de gelo da Antártida derretem lentamente, os cientistas preveem que o degelo e aumento do nível do mar continuarão durante séculos. Se um aumento de temperatura de entre 1º e 4ºC for duradouro, a vasta camada de gelo da Groenlândia vai derreter completamente e acrescentará 7 metros ao nível do mar, projetam os cientistas, mas isso acontecerá ao longo de um milênio.

Em todos os cenários previstos no quinto relatório do IPCC, as concentrações de CO2 serão maiores em 2100 em comparação aos níveis atuais, como resultado do aumento cumulativo das emissões ocorrido durante os séculos 20 e 21. Parte do CO2 emitido pela atividade humana continuará a ser absorvida pelos oceanos e, portanto, é “virtualmente certo” (99% de probabilidade) que a acidificação dos mares vai aumentar. No melhor dos cenários – o RCP2,6 –, a queda no pH será entre 0,06 e 0,07. Na pior das hipóteses – o RCP8,5 –, entre 0,30 e 0,32.

“A água do mar é alcalina, com pH em torno de 8,12. Mas quando absorve CO2 ocorre a formação de compostos ácidos. Esses ácidos dissolvem a carcaça de parte dos microrganismos marinhos, que é feita geralmente de carbonato de cálcio. A maioria da biota marinha sofrerá alterações profundas, o que afeta também toda a cadeia alimentar”, afirmou Artaxo.

Geoengenharia - Os cientistas relatam que a "geoengenharia" do clima é em teoria possível, reduzindo a quantidade de luz solar absorvida pela Terra ou pela retirada e armazenamento de dióxido de carbono e outras emissões da atmosfera. Mas, adverte o IPCC, não há conhecimento suficiente para avaliar a eficácia de tais métodos, como injetar químicos com capacidade de filtro solar na estratosfera, e adverte sobre os "efeitos colaterais e consequências de longo prazo em escala global".

Incertezas - Em termos de dados, a informação ainda é limitada em alguns locais, especialmente dados anteriores a 1950. Há também dados limitados sobre os oceanos abaixo de 700 metros de profundidade.

São incertezas teóricas como a poluição afeta a formação de nuvens ou qual é sensibilidade do clima global, ou seja, o quanto ele responde a CO2 extra na atmosfera. O novo relatório reduz ligeiramente a sensibilidade mínima do clima, mas no lançamento do evento, Thomas Stocker, co-presidente do painel, disse que se a nova estimativa for verdadeira ela adiará os impactos das mudanças climáticas por apenas alguns anos.

Há incerteza sobre a contribuição da atividade humana às mudanças nos ciclones e secas tropicais.

Outras explicações do aquecimento – Os cientistas afirmam: "É extremamente provável que a influência humana tenha sido a causa dominante do aquecimento observado desde meados do século 20”. O relatório exclui qualquer contribuição significativa de mudanças nos ciclos solares, vulcões ou raios cósmicos.

Adapção - Para Artaxo, os impactos são significativos e fortes, mas não são catastróficos. “É certo que muitas regiões costeiras vão sofrer forte erosão e milhões de pessoas terão de ser removidas de onde vivem hoje. Mas claro que não é o fim do mundo. A questão é: como vamos nos adaptar, quem vai controlar a governabilidade desse sistema global e de onde sairão recursos para que países em desenvolvimento possam construir barreiras de contenção contra as águas do mar, como as que já estão sendo ampliadas na Holanda. Quanto mais cedo isso for planejado, menores serão os impactos socioeconômicos”, avaliou.

Os impactos e as formas de adaptação à nova realidade climática serão o tema da segunda parte do quinto relatório do IPCC, previsto para ser divulgado em janeiro de 2014. O documento contou com a colaboração de sete cientistas brasileiros. Outros 13 brasileiros participaram da elaboração da terceira parte do AR5, que discute formas de mitigar a mudança climática e deve sair em março.

No dia 9 de setembro, o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) divulgou o sumário executivo de seu primeiro Relatório de Avaliação Nacional (RAN1). O documento, feito nos mesmos moldes do relatório do IPCC, indica que no Brasil o aumento de temperatura até 2100 será entre 1° e 6°C, em comparação à registrada no fim do século 20. Como consequência, deverá diminuir significativamente a ocorrência de chuvas em grande parte das regiões central, Norte e Nordeste do país, provocando, entre outros efeitos, o desaparecimento de mais de metade das espécies vegetais do Cerrado.  Nas regiões Sul e Sudeste, por outro lado, haverá um aumento do número de precipitações.

Nenhum comentário:

Postar um comentário