quinta-feira, 27 de junho de 2013

Pesquisadores falam sobre os efeitos do aquecimento global na produção agrícola brasileira

Professor Hilton e Assad

O mapa agrícola brasileiro corre sério risco de ficar de cabeça pra baixo caso o processo de aquecimento global não seja revertido de alguma maneira a médio prazo. O alerta faz parte do estudo “Aquecimento Global e a Nova Geografia da Produção Agrícola no Brasil”, conduzido Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Regiões hoje predominantemente agrícolas podem tornar-se menos favoráveis a diversas culturas, enquanto outras, como a região Sul, devem ser ocupadas por culturas que requerem condições climáticas mais quentes.
Além dos prejuízos sócio-ambientais decorrentes dessas mudanças, um profundo desarranjo no sistema produtivo também põe em cheque a segurança alimentar do mundo num futuro não muito distante. Será possível produzir alimentos suficientes aos 9,1 bilhões de habitantes que Terra terá em 2050? Na entrevista a seguir, os pesquisadores Eduardo Assad (Embrapa) e Hilton Silveira Pinto (Unicamp), autores do estudo em questão, falam sobre os desafios que estão pela frente.

Qual é a principal conclusão que os senhores tiraram do estudo?
Eduardo Delgado Assad: Os resultados do trabalho nos mostram que o país está vulnerável. Os estresses climáticos promovidos pelo aquecimento global ameaçam as culturas alimentares, e elas devem enfrentar nos próximos anos uma situação desvantajosa, de perda de área favorável e prejuízo. Já para o etanol é o contrário, o aumento de temperatura deve ser bom para a cana-de-açúcar.
Hilton Silveira Pinto: O efeito mais dramático do aquecimento global que foi exposto pelo nosso estudo é o que vai ocorrer no Nordeste. A tendência é que a área de seca desça até o oeste da Bahia, o sul do Piauí e o Maranhão, atingindo regiões que hoje têm uma agricultura belíssima. São locais que atualmente precisam de irrigação, mas, com o aquecimento, nem isso vai ajudar, porque tudo deve ficar seco mesmo. Feijão, milho, mandioca e algodão vão sofrer na região, em especial a agricultura familiar. Os problemas já podem aparecer em 2020.

No geral, a produção de alimentos no Brasil vai ser prejudicada?
Pinto: Vai. Só no caso da soja vamos ter um prejuízo de mais de 20% já em 2020. Café também terá uma redução de área de quase 10% daqui a 12 anos. Esses valores já consideram a área compensada, ou seja, o deslocamento da planta para outros locais mais favoráveis. Mesmo com a migração de culturas, haverá prejuízo razoável de produção.

Mas há risco de o país ficar sem comida?
Pinto: Não. Quer dizer, não se tomarmos medidas de precaução. A agricultura não é um problema, é a solução. Novas tecnologias podem melhorar a agricultura e evitar problemas de aquecimento. Em vez de produzir gás carbônico (CO2), é possível absorvê-lo.
Assad: Mantidas as condições atuais, a produção de alimentos está ameaçada. O País está em risco? Está. Tudo está perdido? Não. O recado desse estudo é: temos soluções. Uma é mitigação, e ela é política. Podemos adotar práticas de mitigação imediatamente, como fomentar o plantio direto, incentivar a integração entre pecuária e lavoura e os sistemas agrossilvopastoris, reduzir queimadas e o desmatamento, recuperar as pastagens. Só de pasto degradado temos quase 100 milhões de hectares. O importante é mudar o parâmetro de manejo agrícola do Brasil. Tudo isso é “caneta” e pode imediatamente reduzir as emissões de gases de efeito estufa e seqüestrar carbono. Outra coisa é se adaptar para a nova situação. Ouvimos muita gente falar que ainda não tem motivo para preocupação, que os problemas são só para daqui 10, 20 anos. Mas não é assim. Para lançar uma nova variedade mais adaptada são necessários uns 10 anos e muito dinheiro. Mais ou menos R$ 12 milhões por ano em melhoria genética – por alto dá R$ 120 milhões para uma variedade. Então temos de começar a trabalhar desde já nisso, no melhoramento genético para suportar até 2ºC de aumento de temperatura e deficiência hídrica. E também buscar a adaptação das cultivares que estão aí. Vamos, por exemplo, levar o café mais para o sul, ver se as culturas se dão bem em outros lugares.
Pinto: Além disso, precisamos encontrar outros modelos mais adaptados para a região Nordeste. Em vez de tentar cultivar arroz, feijão e milho na região, é hora de começar desenvolver as culturas de seca mesmo. Fazer com que a região se torne autônoma na produção desses alimentos.
Assad: Mas a coisa mais importante que o país tem de fazer é investir em pesquisa. Sem isso, não adianta querer mudar cultura de Estado, tirar de Minas e pôr no Rio Grande do Sul, porque há limite de adaptação. Tem jeito, claro que tem. Mas precisa pensar em planejamento adequado para a agricultura. Pensar em produzir variedades adaptadas à seca do Nordeste pode ser um erro. É melhor procurar desenvolver as plantas locais que servem de alimentação. Isso só se faz com planejamento.
Quanto dessas medidas ainda estão só na teoria?
Assad: Em mitigação temos vários resultados em pesquisa que mostram que sistemas de integração pecuária-lavoura e agrossilvopastoris funcionam, mas em adaptação ainda estamos começando. Sabemos que vários genes que podem ajudar nos estudos de melhoria genética estão na própria biodiversidade brasileira, em especial no Cerrado e na Caatinga, e já conhecemos algumas plantas que têm potencial, como o pau-terra-da-folha-grande e a sucupira-preta, mas alguém tem de fazer o genoma delas para achar esses genes. Com isso podemos pensar nos chamados transgênicos de segunda geração, adaptados ao estresse ambiental. Por isso defendemos junto ao pessoal do agronegócio que preserve a biodiversidade, porque pode estar nela a salvação da lavoura.
E está difícil trazer essas mudanças para o campo?
Assad: De fato são poucos agricultores que estão fazendo alguma coisa, mas quando a pesquisa mostra que é possível, que dá certo, pode virar política pública. Uma parte do crédito agrícola, por exemplo, pode ser destinada para a conversão de pasto em um sistema de integração com a lavoura e os sistemas agrossilvopastoris. Além disso, temos um problema cultural grande. Grupos que têm uma forma muito enraizada de produzir, que fazem isso há 50, 100 anos, vão ser obrigados a mudar. Isso não é fácil. A maneira de fazer o pasto como importamos da Europa, dos Estados Unidos, no modelo arrasa-quarteirão, com nenhuma árvore no pasto, vai ter de mudar.
Por que se fala que o melhoramento genético só pode ajudar até um aumento de 2°C na temperatura?
Assad: Acima disso a planta começa a ter problemas para fazer fotossíntese. Com as informações que temos até o momento, os transgênicos também só conseguem ir até aí. Até há um potencial de ir além, depende do gene, mas eu não arrisco.
O estudo mostra que a cana-de-açúcar encontrará nas próximas décadas uma área favorável ao seu plantio mais de duas vezes superior à atual. Com todo esse pontecial de crescimento, não há risco de a cana atropelar a produção de alimento no Brasil?
Pinto: De fato é previsto um aumento da área de baixo risco para produção da cana da ordem de 160% já em 2020. Mas não quer dizer que vai acabar a cultura de alimentação. Simplesmente porque não vai se plantar tudo isso de cana. Não vamos voltar ao estado de monocultura, como o país já teve com a própria cana, com a seringueira, com o café. Alguém pode pensar que se a cana produzir bem, a ponto de o país poder vender etanol para o mundo inteiro como se vende petróleo no Oriente Médio, aí poderia usar o dinheiro para comprar comida de volta. É claro que essa não é a opção correta. Mas, mesmo aumentando a produção de cana, não será necessário substituir nenhuma plantação de alimento. Repito, temos 100 milhões de hectares de pasto velho abandonado. Se expandirmos a produção para mais uns 10 milhões de hectares, já será possível produzir álcool para atender a demanda nacional. Sobram 90 milhões. Com 15 milhões de hectares a mais do que temos hoje (cerca de 6 milhões de hectares), poderemos atender 10% da produção mundial de álcool.
Neste estudo, os Estados da Amazônia foram deixados de fora por questões ambientais. Mas uma das previsões é que o aquecimento global trará savanização para a Amazônia. Isso não pode ser bom para soja? Não pode aumentar a pressão sobre a floresta?
Pinto: De novo, acho que não. Tem muita área sobrando de pasto degradado. A soja também pode avançar ali. O problema da Amazônia é o pasto. Mas com integração pecuária-lavoura é possível melhorar a pastagem e plantar soja, sem pressionar mais a floresta.
Nesses 100 milhões de hectares, o sr. diz que dá para abrigar cana, soja, melhorar a própria pastagem. Cabe tudo lá?
Pinto: Sim, se for aplicada uma tecnologia moderna de cultivo, integrando lavoura-pecuária-floresta. Por exemplo, em um hectare o agricultor planta arroz ou soja. Mas, em vez de fazer isso pelo campo inteiro, ele planta uma fileira de eucalipto. Depois de 1 ano, colhe a soja e deixa o eucalipto crescendo. No ano seguinte, planta de novo. Lá pelo terceiro ou quarto ano, o eucalipto cresceu e o boi não pode mais comer o brotinho do eucalipto, vai lá e planta pasto. Agora faz cultura e pasto e coloca gado ali. No sétimo ano, colhe o eucalipto – a planta que mais dá lucro hoje no Brasil. No mesmo lugar o agricultor tem árvore, tem cultura e tem gado. Passa de meia cabeça por hectare que ele tinha na pastagem ruim para duas, duas e meia. Sem sair do lugar aumenta em quatro a cinco vezes a criação de gado, e está produzindo soja ou arroz e eucalipto.
Assad: O problema refletido na sua questão é que no Brasil sempre se pensa em substituir um sistema monofuncional por outro. Mas temos como pegar essas áreas de pastagens e colocar duas, três coisas diferentes.
Então não há que temer que, com o aquecimento, a soja pressione mais a Amazônia?
Pinto: Se o governo quiser, não. Assim como se o governo quiser, pára o desmatamento na Amazônia. O clima não pode fazer nada sobre isso. Em mais da metade do país se consegue plantar.
Qual é o próximo passo do trabalho agora?
Assad: Queremos ampliar a análise matemática para outras culturas, como laranja, trigo, canola, cevada. Mas, além de fazer a modelagem no computador, queremos trabalhar com fisiologia de planta. Nossos planos são comprar câmaras de crescimento e observar como a planta reage ao elevarmos a temperatura. Vamos saber de um modo muito mais preciso os efeitos do aquecimento. Isso já deve começar a ser feito com arroz, feijão, milho, trigo e soja.
Os srs. acham que pode haver uma distorção entre os números observados no modelo e a prática?
Pinto: Talvez a gente perceba que a situação na prática seja menos grave do que a apontada no estudo. Eu chutaria que pode ser menos grave, porque estamos jogando um pouco com garantias. Melhor assim. Tomara que a gente tenha errado.
A agricultura então tem condições de resolver o próprio problema que ajudou em parte a criar?
Assad: Sim, tem a tecnologia que pode resolver o problema. Mas, se a agricultura continuar sendo praticada como é hoje, de maneira predatória, migratória e malfeita, aí não tem jeito. O Cerrado foi palco disso e muitas áreas ficaram degradadas. Começou com soja, se plantou muito, aí foi perdendo produtividade e colocaram pasto. Aí fica desse jeito degradado. Mas temos técnicas agrícolas que permitem não só recuperar as áreas como manter um nível de sustentabilidade e produção muito alto. Se tiver juízo, resolve. A função desse estudo não é fazer terrorismo. Ele nos deu o diagnóstico: o país está vulnerável. Fechar os olhos para isso é burrice. Pode acontecer. Mas temos como evitar. A França sabia que ondas de calor poderiam matar pessoas. Milhares morreram. Não foi fatalidade, foi irresponsabilidade do Estado. No Brasil, se não fizermos nada, teremos problema de segurança alimentar por irresponsabilidade.
Confira a entrevista completa pelo Agronegócio-Terra.

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