quarta-feira, 5 de junho de 2013

Planejando o decrescimento demo-econômico, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

população

As atividades antrópicas já ultrapassaram os limites do Planeta. O ser humano, atualmente, vive às custas dos recursos naturais herdados do passado, seja quando queima os combustíveis fósseis, quando usa as madeiras e lenhas das florestas, quando se aproveita da biodiversidade, quando reduz os estoques de peixes, quando polui a riqueza natural dos rios, do ar e da terra, quando acidifica os oceanos ou quando suga e esvazia os aquíferos. O que a natureza construiu em milhões de anos, o homo sapiens está destruindo em décadas. Quando esta herança acabar a relação entre o passivo e o ativo terá que se igualar e não haverá mais abundância de capital natural para se explorar e a contabilidade ambiental pode ficar definitivamente no vermelho.

O desequilíbrio entre as atividades humanas e o meio ambiente só tem aumentado como mostra a metodologia da pegada ecológica (Global Footprint Network). A pegada ecológica serve para avaliar o impacto que o ser humano exerce sobre a biosfera. Abiocapacidade avalia o montante de terra e água, biologicamente produtivo, para prover bens e serviços do ecossistema à demanda humana por consumo, sendo equivalente à capacidade regenerativada natureza. Até meados da década de 1970 a humanidade ainda vivia dentro dos limites renováveis do Planeta. Mas, a partir daí, a pegada ecológica da população mundial foi crescendo continuamente na medida em que crescia o número de habitantes e a renda per capita, diminuindo a biocapacidade per capita.
Em 1961, a pegada ecológica per capita era de 2,4 hectares globais (gha) e a população mundial era de 3,1 bilhões de habitantes, sendo a biocapacidade per capita de 3,7 gha. Desta forma, a humanidade estava utilizando 63% da capacidade regenerativa da Terra, havendo sustentabilidade ambiental. Em 1975, a pegada ecológica e a biocapacidade per capita passaram, respectivamente, para 2,8 gha e 2,9 gha e a população mundial chegou a 4,1 bilhões de habitantes. A humanidade estava usando 97% da capacidade de regeneração, ainda cabendo dentro de um Planeta. A partir desta data as atividades antrópicas ultrapassaram os limites biológicos da Terra.
Em 2008 (último dado disponível) a pegada ecológica per capita mundial ficou em 2,7 gha e a biocapacidade em 1,8 gha, sendo que a população global chegou a 6,75 bilhões de habitantes. Portanto a humanidade estava usando 1,5 planeta, ou seja, um planeta e meio em 2008. Nota-se que a pegada ecológica per capita não cresceu nas últimas 3 décadas, mas sim o número de habitantes do globo, o que provocou a redução da biocapacidade. O crescimento da economia e do consumo, em geral, aumenta a pegada ecológica e o crescimento da população inevitavelmente reduz a biocapacidade per capita. O Paquistão, por exemplo, tem baixa pegada ecológica per capita, mas tem uma biocapacidade per capita mais baixa ainda, pois é um país com pobre capital natural, mas superpovoado.
Enquanto crescem o PIB e a população, as projeções do relatório Planeta Vivo, da WWF e da Global Footprint Network, indicam que a humanidade estará utilizando 2 Planetas em 2030 (ano em que poderá haver 8,3 bilhões de habitantes). É claro que alguns países possuem pegadas ecológicas enormes e outros bem abaixo da média mundial. Assim como acontece com outros indicadores, a pegada ecológica ocorre de maneira desigual e cresce diretamente com o nível de renda. Porém, mesmo que houvesse uma justa distribuição de renda no mundo, o nível de produção e consumo internacional já seria insustentável, pois as fronteiras planetárias foram ultrapassadas. A pegada ecológica média já ultrapassou os limites sustentáveis de um planeta.
Todavia, a ideologia desenvolvimentista e a mistificação do crescimento econômico só agravam a situação. Ao invés de um PIB ascendente rumo ao infinito, o que a Terra precisa é de uma mobilização para reverter a pegada ecológica, interromper o aquecimento global, melhorar a biocapacidade, proteger a biodiversidade e evitar a depleção ambiental. O crescimento e a concentração exagerada estão criando deseconomias de escala e a antiga sinergia está se transformando em entropia, conforme mostrou, já na década de 1970, o economista Nicholas Georgescu-Roegen.
Portanto, é preciso pensar o impensável, ou seja, pensar em decrescimento. Mas o decrescimento não pode ser imaginado apenas como um espelho invertido do crescimento. Seria traumático um decrescimento imediato e desorganizado. Isto equivaleria a gerar uma depressão, com a consequente explosão do desemprego. Além disto, decrescimento econômico com continuidade do processo de degradação ambiental não resolve os problemas da saúde do Planeta.
O decrescimento tem que ser planejado no longo prazo, pois, no curto e médio prazo, o que pode haver é decrescimento do ritmo de crescimento. Países ricos já podem reduzir as taxas de crescimento, como já ocorre, por exemplo, com o Japão. Mas, países muito pobres ainda precisam crescer, especialmente porque possuem populações rejuvenescidas com altas taxas de dependência de jovens e elevado ritmo de aumento demográfico. Desta forma, alguns países precisam crescer, enquanto o mundo deve avançar na eliminação da pobreza e exclusão social, por meio da redução das desigualdades nacionais e internacionais de renda e patrimônio.
Do ponto de vista econômico, algumas atividades não devem nem crescer e nem decrescer, mas serem totalmente suprimidas (como as bombas atômicas, as guerras, o desmatamento, a matança de animais selvagens, etc.). Outras atividades devem diminuir, como a produção de carros particulares, a produção de combustíveis fósseis, a emissão de gases de efeito estufa, o consumo de carnes, o luxo, o lixo, etc. Já outras atividades precisam crescer, como a educação de qualidade, a saúde preventiva e desmedicalizada, a solidariedade interpessoal, etc.
Uma alternativa para se reduzir a pegada ecológica é diminuir o uso de combustíveis fósseis e aumentar o uso de fontes renováveis, como energia eólica, solar, geotérmica, das ondas, etc. Mas não basta apenas alterar a matriz energética, pois é preciso construir prédios sustentáveis, dar prioridade ao transporte coletivo, revolucionar a produção pecuária com a captura de metano, incentivar a dieta vegetariana, fazer uma agricultura menos petroficada, com menos agrotóxicos e mais orgânica, apoiar a aquacultura, além de caminhar rumo a uma sociedade do conhecimento baseada em bens e serviços imateriais e intangíveis. A defesa do “Estado Estacionário” já havia sido bem realizada por John Stuart Mill, em meados do século XIX, muito antes da humanidade ultrapassar as fronteiras planetárias. Como o mundo ultrapassou os limites da economia, agora é preciso decrescer.
Do ponto de vista demográfico é preciso planejar o decrescimento, pois não basta diminuir o consumo médio. Cada pessoa tem um impacto inevitável sobre o meio ambiente, pois todo cidadão deseja possuir moradia, água potável, banheiro, saneamento e produtos de limpeza e higiene, luz elétrica, geladeira, televisão, DVD, CD, fogão, máquina de lavar roupa, móveis, microonda, moto, bicicleta, carro, relógio, roupa, comida industrializada, telefone, celular, TV a cabo, internet, educação, saúde, lazer, viagens, etc. Ninguém vive de brisa.
Decrescer economicamente mas manter o crescimento populacional poderia ser desastroso, pois poderia reduzir não só a renda per capita e o consumo, mas a qualidade de vida em geral. O decrescimento populacional não deve ser encarado como o vetor principal do decrescimento das atividades antrópicas, mas como uma via auxiliar. Não existe população sem consumo e nem consumo sem população. Portanto, o decrescimento demográfico é uma maneira que se soma às iniciativas globais para se reduzir a pegada ecológica e aumentar a biocapacidade. Já existem muitos países com decrescimento populacional, como Rússia, Ucrânia, Japão, Cuba, etc. Mas a população mundial, na média, ainda está crescendo cerca de 1% ao ano. Segundo projeções da ONU existem 3 cenários até o fim deste século, que variam de 6 a 16 bilhões de habitantes. O principal determinante da dinâmica demográfica mundial é a taxa de fecundidade, pois a esperança de vida global deve continuar sua saudável tendência de aumento lento, mas constante.
A taxa de fecundidade mundial era de 5 filhos por mulher em 1950 e caiu para 2,5 filhos por mulher em 2010 e permanecendo constante nas próximas décadas resultaria em uma população de 16 bilhões em 2100. Mas se a taxa de fecundidade cair para 2,1 filhos por mulher e permanecer constante, ao nível de reposição da população, resultaria em um montante de 10 bilhões de pessoas em 2100. Contudo, se a taxa de fecundidade cair para 2,1 filhos por mulher até 2025 e continuar caindo até 1,7 filho por mulher até 2060, então a população mundial atingiria um máximo de 8 bilhões de habitantes por volta de 2030 e depois cairia para algo em torno de 6 bilhões de habitantes em 2100. Uma população menor junto com uma mudança no padrão de produção e consumo ajudaria na diminuição dos impactos negativos da economia sobre os ecossistemas.
Reduzir instantaneamente o crescimento populacional atual é praticamente impossível, devido à inércia demográfica. Mas no longo prazo é possível planejar o decrescimento populacional que viria reforçar o decrescimento da pegada ecológica e o decrescimento da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera. Atingir uma taxa de fecundidade de 1,7 filho por mulher (com políticas que respeitem os direitos sexuais e reprodutivos) não é nada impossível. O Brasil, por exemplo, sem nenhuma política controlista, já possui uma taxa abaixo de 1,9 filho por mulher e deve chegar a 1,7 filho até 2020. Em Cuba a taxa de fecundidade é de 1,5 filho por mulher e na Alemanha de 1,3 filho. Na Coreia do Sul é de 1,2 filho e em Taiwan é de 1,0 filho por mulher.
Taxas de fecundidade abaixo do nível de reposição tendem a se generalizar no mundo, devido ao pico do petróleo, ao aumento do preço dos alimentos e à reversão do fluxo intergeracional de riqueza, gerada pelas mudanças sociais e familiares. Se houver um forte crise ambiental com fecundidade elevada, o ajuste pode ser feito pela via da mortalidade, o que não é desejável.
Muitos crimes já foram cometidos em nome do dístico: “Pátria e Poder”. Em geral, são os positivistas, os religiosos dogmáticos e os fundamentalistas de mercado que consideram que as nações precisam de grandes populações com grandes economias para se impor na comunidade internacional. Porém, esta lógica desenvolvimentista é baseada na competição e não na cooperação. Para a saúde do planeta e o futuro da humanidade, o importante não é a quantidade, mas sim a qualidade. As ações são locais, mas a solução deve ser global. Assim, não resta dúvidas que é possível haver prosperidade com decrescimento demo-econômico. Numa perspectiva ecocêntrica, quanto menor for o impacto das atividades antrópicas, melhor.
Referências:
Nicholas Georgescu-Roegen, O decrescimento: Entropia – Ecologia – Economia. Editora Senac, SP, 2013.
Dave Lindorff. Growth is the Enemy of Humankind. 17/01/2013
ALVES, JED. A grande contradição do capitalismo: capital antrópico versus capital natural. Ecodebate, RJ, 29/06/2012 http://www.ecodebate.com.br/2013/05/29/a-grande-contradicao-do-capitalismo-capital-antropico-versus-capital-natural-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
ALVES, JED. As fronteiras planetárias e a auto-limitação do espaço humano, Ecodebate, RJ, 06/06/2012
Global Footprint Network
UN/ESA. World Population Prospects: The 2010 Revision,

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

fonte: ecodebate

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