quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Recuperação de vegetação nativa no cerrado baiano

casos e causos


Todo dia às 6 horas da manhã, Marilene de Araújo Mendes (foto), 57 anos, sai de casa, levando uma foice bem amolada. Ela é uma das que integra o time de 86 coletores de sementes cadastrados na campanha LEM APP 100% Legal, lançada em agosto de 2011 no município de Luís Eduardo Magalhães (LEM), no cerrado baiano. A campanha faz parte do projeto Produzir e Conservar, fruto de uma parceria entre a Monsanto do Brasil e a ONG Conservação Internacional (CI) iniciado em 2008.
O desafio é recuperar a vegetação nativa da margem de rios e topos de morros, restaurando 100% de suas Áreas de Preservação Permanente (APP). Esse é apenas um dos vários projetos de preservação da natureza bancados pela fábrica de agrotóxicos e sementes modificadas com o intuito de compensar a natureza e manter uma boa reputação, uma vez que atua em seara tão polêmica.
Moradora da comunidade Rio das Ondas, casada com um tratorista, dois filhos e dois netos, que ela cria, Marilene mergulhou fundo na campanha e já coletou cerca de 20 kg de sementes de jacarandá, caju, barbatimão, aroeira, angico, timbó e faveira . “Já consigo reconhecer 20 espécies”, orgulha-se ela, que recebeu treinamento do Instituto Lina Galvani, parceiro na campanha. Com a venda das sementes para a Prefeitura de Luís Eduardo, Marilene já comprou um bode reprodutor, que batizou de Salsicha e um cavalo branco, que atende por Negão. E o mais importante: “Não dependo mais do salário do marido e conforme a época, meu ganho chega a ser maior do que o dele”.
Entusiasmada com os bons resultados da coleta, que pode gerar renda de até R$ 900,00 por mês, Marilene passou a convencer os vizinhos a integrar a rede coletora da região, tornando-se sua coordenadora. Martha Elena de Souza, 30 anos, cadastrou-se em setembro, reuniu familiares e amigos que coletam para ela, e já vendeu 100 kg de sementes: “Menina, vi o povo lá falando dessa rede, resolvi tentar e deu certo”.
O que é a muvuca
As sementes coletadas pela Rede são plantadas pela técnica da muvuca. “Para recuperar as APPs de Luís Eduardo Magalhães, em conformidade com a nova legislação ambiental de vegetação nativa, fornecemos apoio técnico aos proprietários rurais, incluindo a técnica da muvuca,” explica a bióloga com mestrado e doutorado em Ecologia, Georgina Knust Cardinot, da CI. Mas, afinal, o que é essa tal de muvuca? Trata-se de uma mistura de sementes nativas e agrícolas, com plantio mecanizado, que já tem sido aplicada no Xingu e agora está dando bons resultados no cerrado baiano.
Emocionadas, as coletoras de sementes Marilene e Martha apreciaram o plantio na Fazenda São Vicente, no dia 13 de dezembro, durante evento realizado para jornalistas. “Olha que rapidez, gente!!” diziam elas, enquanto o trator espalhava as sementes que elas coletaram, em terreno já previamente preparado pelo produtor rural. Realmente. Foram 1,2 hectares em apenas 20 minutos. O método utiliza as mesmas máquinas empregadas nas lavouras e por isso os custos são reduzidos se comparados com o plantio manual de mudas. Em seguida, o grupo de jornalistas pode constatar a eficácia da muvuca, visitando a área restaurada há um ano, na Fazenda Liberdade.
Vilson Gatto e seus cinco irmãos, proprietários de terras que somam 2.671 hectares, inclusive a Fazenda Liberdade, saíram do Rio Grande do Sul em 1980 para plantar soja, milho, feijão e algodão no oeste da Bahia, onde havia terras em abundância. Durante o curso de Recuperação Ecológica de Áreas Degradadas, em novembro de 2011, Gatto cedeu uma área de dois hectares para o projeto de reflorestamento e constata: “Entrei na campanha mais como curioso, mas hoje vejo que a muvuca deu certo”.
O cerrado conta com 33 espécies, sendo 29 árvores, dois arbustos e um cipó. Os coletores da Rede são treinados para reconhecer as espécies e coletar apenas aquelas indicadas pelos técnicos. “O que importa é a qualidade, não a quantidade”, ensina Marilene.
Responsável técnico pelo projeto, o engenheiro florestal Paolo Sartorelli, da Baobá Consultoria Florestal informa: “A meta é restaurar aproximadamente dois mil hectares de áreas degradadas”. De cima do trator, ele monitora a plantação. Toda a cadeia produtiva, desde o fornecedor de insumos, técnicos, engenheiros, biólogos, até o varejista e os brejeiros, como são chamados os habitantes daqueles brejos, têm consciência de que estão ajudando a natureza a se restabelecer e de que, com esse trabalho, estão garantindo a saúde da bacia hidrográfica da região, que inclui o lendário rio São Francisco. 
Política pública
Os eleitores de Luís Eduardo Magalhães, município com apenas 12 anos de existência e 70 mil habitantes, elegeram, pela segunda vez consecutiva, o mesmo prefeito, um produtor rural, que conhece bem o agronegócio e está procurando uma nova maneira de fazer política. “Temos que abandonar o sistema assistencialista e fazer uma política clara, melhorando a vida das pessoas,” disse Humberto Santa Cruz, carioca, que trocou o Rio pelo cerrado baiano nos anos 1980. Ele acredita que é perfeitamente possível conciliar agronegócio e meio ambiente.
A Secretaria de Meio Ambiente criou o Fundo Municipal do Meio Ambiente, que paga os coletores de sementes. A secretária, Fernanda Aguiar, vinda de Santa Rita do Sapucaí, costuma visitar as comunidades e vibra com os resultados da Campanha LEM APP100% Legal: Nossa cidade será a primeira do Brasil a ter todas as suas áreas de preservação legal realmente protegidas; com um prefeito produtor rural fica fácil implementar a gestão ambiental,” diz ela.
O Festival das Sementes, realizado na cidade com o objetivo de conscientizar a comunidade sobre o valor do cerrado, envolve mais de 900 crianças e os professores das escolas públicas. Eles identificam e agrupam sementes, nativas do Cerrado e mata ciliar local, sob orientação de técnicos do Instituto Lina Galvani. “Queremos que aprendam a valorizar a região do cerrado, sua biodiversidade e sua importância para a agricultura brasileira”, diz Fernanda.
Produzir e Conservar
O programa Produzir e Conservar, fruto da parceria entre a Monsanto e a ONG Conservação Internacional completou quatro anos e já beneficiou 200 mil pessoas com suas ações em busca de sustentabilidade no agronegócio. “A gente só aprende estando ao lado do produtor rural, que tem que ser sustentável para que as empresas sejam”, disse a gerente de sustentabilidade da Monsanto, Daniela Mariuzzo, engenheira de alimentos, com mestrado na Unicamp e Universidade de Barcelona.
Com investimento total de R$ 13 milhões para o período 2008-2013, as ações de conservação estão sendo desenvolvidas no oeste da Bahia (Cerrado) e na Mata Atlântica do Nordeste. “Essas áreas são de alta biodiversidade e já perderam grande parte da sua vegetação nativa, por isso são territórios bem emblemáticos”, disse o geógrafo Valmir Ortega, da CI. “Espécies símbolos, como o pintor verdadeiro e a arara Canindé, 2 mil plantas, 418 aves e 136 répteis vivem nessas áreas”, informa o biólogo vegetal da Cepan – Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste, Severino Ribeiro Pinto.
Camassary
Além da Campanha LEM APP 100% Legal, em Luís Eduardo Magalhães, outra área beneficiada pelo Produzir e Conservar foi o entorno na fábrica da Monsanto no Polo Industrial de Camaçari, a 40 km de Salvador. “Como não é possível interferir na produção de insumos energéticos, adquiridos de fornecedores externos, lutamos para reduzir o consumo de vapor e energia, principais fontes de emissão de carbono”, disse o gerente da unidade da Monsanto em Camaçari, Gilmar Beraldo.
Única fábrica do Hemisfério Sul a produzir matéria prima para o herbicida da família Roundup, que, segundo Beraldo, se degrada rapidamente e gera um composto que ajuda na fertilização do solo, a Monsanto Camaçari economizou 150 milhões de litros de água nos últimos dois anos, graças ao Projeto de Aproveitamento de Água da Chuva. A bacia retentora instalada na área da fábrica, com capacidade para 11 mil metros cúbicos, ajudou a economizar um volume de água que poderia abastecer uma cidade com 33 mil habitantes durante um mês. Eles recuperam e utilizam águas pluviais nos seus processos produtivos.
Numa área de 80 mil m2 ao lado da fábrica, o plantio de mais de 20 mil mudas de árvores dentro do Projeto Florescer, vem garantindo o reflorestamento e preservação da Mata Atlântica (fauna e flora), além da conscientização da comunidade, frequentemente convidada a visitar o local. ”Trouxemos de volta a espécie denominada Camassary, a árvore que dá nome à localidade e que estava em extinção”, disse o gerente de Saúde, Segurança e Meio Ambiente, Ettore Rossi. Camassary significa árvore que chora devido à sua intensa transpiração durante a noite. No período colonial, ela foi muito utilizada como mastro de saveiros.
Um projeto que vem ajudando a reduzir o impacto ambiental no tratamento de resíduos químicos é o de Recuperação de HCl (ácido clorídrico).Desde 2001, quando foi inaugurada a unidade de Camaçari, o HCl era enviado à estação de tratamento de efluentes, sendo previamente neutralizado com soda cáustica. A partir de 2007, a substância passou a ser um produto comercializado no mercado brasileiro. “Hoje, reaproveitamos 100% do resíduo e aqui mesmo no Polo Industrial encontramos clientes interessados em obtê-lo, o que evita o transporte do ácido e a consequente emissão de CO2 para a atmosfera”, explicou Beraldo.
No ambiente árido em que se fabrica o glifosato – matéria prima para herbicida e onde é obrigatório o uso de vestes com mangas e sapatos fechados, além do porte de máscara de fuga, a aparição de 50 crianças vestidas de vermelho e branco surpreendeu o grupo de jornalistas que visitava a Monsanto. O Coral Pequenos Cantores, sob a regência do maestro Alcides Lisboa, cantou e encantou. “São crianças de famílias carentes de Camaçari e Dias d`Ávila, que obrigatoriamente frequentam a escola para poder integrar o coro”, informa o Maestro, orgulhoso dos pequenos.
Sementes geneticamente modificadas 
Há quase 50 anos no Brasil, com unidades em 66 países, a norte americana de St. Louis, Missouri, atua no desenvolvimento de sementes geneticamente modificadas. Em 2011, a Monsanto faturou no Brasil R$ 2,8 bilhões, produzindo e comercializando a linha de herbicidas Roundup, sementes de soja convencional (Monsoy) e geneticamente modificada (tecnologia Roundup Ready), sementes convencionais e geneticamente modificadas de milho (Agroeste, Sementes Agroceres e Dekalb), sementes de sorgo, algodão (Deltapine), sementes de hortaliças (Seminis) e de cana de açúcar (Canavialis).
A empresa investe anualmente mais de US$ 1 bilhão em pesquisas e desenvolvimento de novos produtos, partilhando seu conhecimento com produtores rurais. No Brasil emprega 2,5 mil pessoas.
A política de sustentabilidade no Brasil tem chamado a atenção na corporação global - integrando biólogos, técnicos, proprietários rurais e a comunidade. Tanto, que recentemente, a gerente de Sustentabilidade no Brasil, Gabriela Burian, foi alçada ao cargo de diretora global de Ecossistema Agrícola Sustentável, mudando-se com a família para St. Louis: “Na avaliação da Monsanto global, tivemos excelentes resultados com nossas ações ambientais no Brasil e agora queremos trazer para o grupo a nossa experiência, construindo uma base de troca de conhecimentos e integração dos negócios ao ecossistema”, disse Gabriela, por telefone.
fonte: http://www.plurale.com.br

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