‘Plantas brasileiras’: a natureza eternizada
Livro com aquarelas da ilustradora botânica Dulce Nascimento mostra a beleza de uma profissão rara e importante. Por Bolívar Torres
Segundo o Programa de Meio Ambiente da ONU, seis milhões de hectares de florestas primárias são perdidos todo ano. Diante deste cenário assustador, o trabalho dos ilustradores botânicos nunca foi tão importante: cabe a eles registrar uma planta com a maior fidelidade e detalhamento possível, garantindo o reconhecimento do vegetal antes que este seja extinto para sempre. É também graças à representação em aquarela que muitas espécies saem do anonimato, tornam-se populares ou até mesmo são salvas da extinção.
Técnica que se equilibra entre a arte e a ciência, o desenho botânico é milenar, vem desde os tempos dos egípcios. Mesmo assim, continua uma profissão relativamente desconhecida da população. Com mais de 30 anos de carreira, a ilustradora Dulce Nascimento, discípula de Maria Werneck de Castro, já registrou centenas de novas espécies do país. Algumas de suas estampas viraram selos, outras foram presenteadas à Rainha da Inglaterra. Um panorama de seu árduo trabalho encontra-se no recém-lançado Plantas brasileiras, que traz desde as suas primeiras aquarelas até as diversas espécies amazônicas representadas pela artista em excursões, como cipós, bromeliáceas e orquidáceas.
ON: Qual a função do desenho botânico?
DN: A principal função do desenho botânico é a de registrar graficamente os detalhes dos vegetais que são objeto de estudos do cientista. Ele produz um texto descritivo em suas pesquisas, complementado por essas imagens. Para a ciência, é um poderoso instrumental, auxiliado nos dias atuais por novas tecnologias, tecnologias essas que não o substituem mas ajudam sua produção. Do desenho exige-se precisão e acuidade na representação dos elementos que informam sobre a espécie ilustrada de modo que não seja confundido com uma espécie semelhante.
ON: No que diz respeito ao registro de uma espécie, o desenho é mais preciso e tem um maior detalhamento do que tecnologias de imagens mais modernas, como a fotografia?
DN: A fotografia e as novas tecnologias, que aliás são muito bem-vindas como aporte para o aprimoramento de nosso trabalho, são na verdade um outro tipo de linguagem. E para a ciência, o desenho dá foco e relata detalhes de uma maneira que essas tecnologias não alcançam. No desenho, buscamos esclarecer visualmente partes internas e externas relevantes ao seu estudo, com suas texturas, cores, formas e organização dos elementos entre outros detalhes, que facilitam seu reconhecimento pelo pesquisador, o que proporciona a imediata identificação.
ON: Quais as maiores dificuldades enfrentadas por ilustradores botânicos? Por que é tão difícil chegar ao tom das cores?
DN: Em se tratando do Brasil, são várias as dificuldades : a falta de coordenação entre os cursos que aqui são oferecidos, a falta de regulamentação da profissão, a consequente falta de difusão que proporcione o entendimento da estreita ligação com a ciência em todas as áreas (medicina, geografia, botânica, zoologia, arqueologia, entre outras). Quanto ao se chegar a cor, é uma das diversas etapas na execução de um trabalho, é necessária absoluta concentração e mistura na medida exata de pigmentos para se obter o tom desejado. Mas nada que um conhecimento técnico e uma experimentação paciente comparando sempre a cor misturada com a cor do “modelo ao vivo” não possa resolver.
ON: É difícil se equilibrar entre a questão artística e as obrigações técnicas?
DN: Nem tanto, porque uma questão está tremendamente ligada à outra. Uma prancha ilustrada, resultado final de um estudo, tem que ter uma apresentação harmoniosa, uma distribuição equilibrada da representação dos elementos que foram selecionados para figurar ali. A obrigação técnica só ajuda nesse equilíbrio, que por depender de tantos detalhes e atenção, consequentemente acaba também sendo uma apresentação artística. Cada ilustrador vai “traduzir” para a linguagem pictórica o objeto de seu estudo de maneira pessoal e particular, entretanto tendo como comum o fato de que está fazendo um documento, um registro para a ciência e para a posteridade. Ou seja, é artístico na forma e científico em seu conteúdo.
ON: Até que ponto o desenho pode tirar do anonimato, popularizar ou até salvar uma espécie em extinção?
DN: Quando as pessoas percebem algo que já fez parte da história do planeta, é primeiramente pela informação visual. O desenho que foi a primeira linguagem humana é o ponto de partida para estimular uma investigação. Um bom e sempre citado exemplo é o relato da vida do homem das cavernas, pois através dos desenhos feitos por eles, temos informações de como era o ambiente em que vivia naquela época. Nos dias de hoje, ao registrar uma espécie ameaçada, estamos sinalizando em favor de sua preservação. Unidos aos cientistas/pesquisadores, podemos chamar a atenção para o fato, inclusive relatando em conjunto as propriedades daquela espécie e o papel que ela desempenha no ecossistema aonde se encontra. O ideal é que esses trabalhos sejam cada vez mais divulgados e conhecidos de modo que os cuidados para evitar a tragédia da extinção sejam postos em prática de preservação.
ON: Ilustradores botânicos também registram desmatamentos, queimadas e outros descasos. Em que medida isto é diferente de descrever espécies?
DN: A diferença está na forma do registro, que nesses casos passa a ser documental de um ecossistema, de uma área determinada e não de uma espécie em particular. Nesses casos, o desenho propõe uma reflexão sobre fatos que ameaçam vários ecossistemas, é diferente porque se trata de um alerta ambiental e não de um estudo específico, mas é tão valioso quanto.
ON: Como se sente ao pensar na quantidade de espécies que devem ter desaparecido sem que a ciência nunca as tenha descrito?
DN: Como todas as pessoas que pensam em suas responsabilidades individuais no tocante aos cuidados ambientais, me sinto frustrada, dolorida até por termos “evoluído” tanto como humanos, mas sem o respeitar o planeta como ele merece. Porque uma árvore sobrevive sem o homem, mas com o homem não acontece o mesmo. Gostaria muito de ver essa consciência se espalhando em todos os níveis, não só da minha área de atuação, mas de uma forma bem mais abrangente. Até porque acredito que o chamado “progresso” é possível e desejável quando acontece sem causar danos, alguns irreversíveis. Pode parecer utopia, mas devemos considerar cada bioma deste planeta e cada ecossistema, como parte de nós, seres vivos que somos: indissolúvel.
REGISTRANDO PLANTAS
Memora magnifica
“Quando em 1991 ilustrei espécies de cipós um deles a Memora magnifica (pag. 62 do livro) , um dos lugares que fui chamava-se Piranheira. Depois de viajar no land rover doado pela Inglaterra ao Museu Goeldi, por estradas de barro num dia inteiro de muito sol , chegamos lá suados e cansadíssimos por volta de meia-noite. Era uma noite abafada e quente de novembro e ficaríamos em um abrigo sem água e luz. Assim que tiramos toda nossa bagagem do carro, eu e a pesquisadora botamos maiô e fomos sem correndo tomar banho no riacho que soubemos passava nos fundos do abrigo. Era um riacho calmo com aquele barulhinho da agua passando entre pedras roliças, ficamos quase uma hora de conversa naquela água fresquinha olhando para a lua crescente num ceu negro. No dia seguinte, acordei e havia uma senhora no abrigo coando café, contratada para nos dar apoio e começamos a conversar com ela. Quando perguntei se ela sabia o motivo daquele lugar se chamar Piranheira ela respondeu: é que no igarapé lá atras tem piranha, raia e jacaré! Não tive dúvidas que todos têm anjos da guarda”.
“Quando em 1991 ilustrei espécies de cipós um deles a Memora magnifica (pag. 62 do livro) , um dos lugares que fui chamava-se Piranheira. Depois de viajar no land rover doado pela Inglaterra ao Museu Goeldi, por estradas de barro num dia inteiro de muito sol , chegamos lá suados e cansadíssimos por volta de meia-noite. Era uma noite abafada e quente de novembro e ficaríamos em um abrigo sem água e luz. Assim que tiramos toda nossa bagagem do carro, eu e a pesquisadora botamos maiô e fomos sem correndo tomar banho no riacho que soubemos passava nos fundos do abrigo. Era um riacho calmo com aquele barulhinho da agua passando entre pedras roliças, ficamos quase uma hora de conversa naquela água fresquinha olhando para a lua crescente num ceu negro. No dia seguinte, acordei e havia uma senhora no abrigo coando café, contratada para nos dar apoio e começamos a conversar com ela. Quando perguntei se ela sabia o motivo daquele lugar se chamar Piranheira ela respondeu: é que no igarapé lá atras tem piranha, raia e jacaré! Não tive dúvidas que todos têm anjos da guarda”.
“Quando participo de uma expedição geralmente fico dias ou semanas na mata. Vou pintando o que o pesquisador acha importante. Há dia q pode não surgir nada e há dia que pode surgir até três como uma vez. Estávamos em um barco do Museu Goeldi e desta vez a expedição chegou até o médio Xingu. Esforcei-me nesse momento ao máximo colocando os três ramos coletados à minha frente. A viagem seguia em frente, o barco balançava e ventava e fui ilustrando nessa situação; desenhava um pouquinho de cada planta numa espécie de rodízio pondo a prova meu equilíbrio emocional e minha técnica, sem saber se iria dar conta, mas apostando em não perder a oportunidade de documentar espécies que ninguém saberia dizer se seriam novamente encontradas, provavelmente não. Nesta expedição, consegui bins registros de cipós da família Bignoniaceae”.
Cycnoches
“Para ilustrar é preciso registrar todos os detalhes importantes para o cientista que a estuda, deve-se sempre ter a planta ao vivo. Essa é a prancha da orquídea Cycnoches pentadactylum, que ocore no Tocantins e as delicadas flores ficam pendente em cachos. Pintei ela quando morava em Belem do Pará. Manoela Silva que foi é uma importante pesquisadora de orquídeas do Museu Emilio Goeldi me emprestou para ilustra-la. Mas as flores caiam com muita facilidade e resultado: aqueles dias que pintei ela, foi um grande exercícios de controle, pois eu ficava pintando e no meio do trabalho a flor despencava na minha frente, lembro ainda o perfume de chocolate que tinham. Tive que entar noite adentro pintando senão quando eu acordasse não teria mais nenhuma presa ao caule e eu não terminaria o trabalho. Um ano depois, no Rio, esta prancha seria adquirida pelo então presidente Fernando Henrique para ser o presente de estado para a Rainha da Inglaterra”.
“Para ilustrar é preciso registrar todos os detalhes importantes para o cientista que a estuda, deve-se sempre ter a planta ao vivo. Essa é a prancha da orquídea Cycnoches pentadactylum, que ocore no Tocantins e as delicadas flores ficam pendente em cachos. Pintei ela quando morava em Belem do Pará. Manoela Silva que foi é uma importante pesquisadora de orquídeas do Museu Emilio Goeldi me emprestou para ilustra-la. Mas as flores caiam com muita facilidade e resultado: aqueles dias que pintei ela, foi um grande exercícios de controle, pois eu ficava pintando e no meio do trabalho a flor despencava na minha frente, lembro ainda o perfume de chocolate que tinham. Tive que entar noite adentro pintando senão quando eu acordasse não teria mais nenhuma presa ao caule e eu não terminaria o trabalho. Um ano depois, no Rio, esta prancha seria adquirida pelo então presidente Fernando Henrique para ser o presente de estado para a Rainha da Inglaterra”.
Philodendron ruthianum
“Espécie nova encontrada na Reserva Florestal de Linhares, foi ilustrada pela primeira vez. O projeto Brasileiro Imortal, da Vale, a escolheu para homenagear a Sra. Ruth Cardoso e por isso foi nomeada Philodendron ruthianum pelo botânico Marcus Nadruz. A estampa virou selo”.
“Espécie nova encontrada na Reserva Florestal de Linhares, foi ilustrada pela primeira vez. O projeto Brasileiro Imortal, da Vale, a escolheu para homenagear a Sra. Ruth Cardoso e por isso foi nomeada Philodendron ruthianum pelo botânico Marcus Nadruz. A estampa virou selo”.
Victoria Amazonica
“Esta é a folha, flor e ambiente da vitoria-régia, de nome científico Victoria amazonica. Ao final da tarde seus botões se abrem muito alvos. Emite um perfume agradável para atrair seu polinizador que é um pequeno besouro. Aos poucos a flor branca vai se tornando rosa clara e a cada hora adiante essa cor rosa se intensifica até atingir na manhã seguinte este tom de rosa-choque, ela murcha e se desfaz”.
“Esta é a folha, flor e ambiente da vitoria-régia, de nome científico Victoria amazonica. Ao final da tarde seus botões se abrem muito alvos. Emite um perfume agradável para atrair seu polinizador que é um pequeno besouro. Aos poucos a flor branca vai se tornando rosa clara e a cada hora adiante essa cor rosa se intensifica até atingir na manhã seguinte este tom de rosa-choque, ela murcha e se desfaz”.
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