quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Agroecologia: Harmonia e sustentabilidade na hora de plantar

Agroecologia de uma forma bem objetiva pode ser representada como um enfoque científico, onde os processos naturais são levados em conta na hora de criar um modelo harmônico e sustentável de se fazer agricultura. Isto implica em considerarmos um gasto mínimo de energia, onde não cabe maquinaria pesada, agrotóxicos, fertilizantes químicos e outros adubos, trazidos de fora do sistema natural.

Essa perspectiva científica, representada por uma mudança de paradigma, que convencionalmente é ditada pela mecanização e uso intensivo de insumos, é baseada em uma mudança fundamental na forma como vemos o próprio mundo a nossa volta, valorizando a qualidade socioambiental na agricultura. Esses valores e princípios passam pela conservação dos recursos naturais (solo e água), assim como o desenvolvimento rural sustentável.
Assim, a agroecologia propõe uma metodologia mais holística. Ao levar em conta os processos naturais, é buscado entender as reações da natureza às diversas modificações que possamos implementar, de forma a compreender se o que foi feito condiz ou não com os processos naturais da região. Ao procurar essa harmonia, a agricultura é realizada em um fluxo mais dinâmico e demandando menos energia de fora do sistema. Ou seja, é sustentável.
AGROECOLOGIA apagst.sw-br
O manejo agroecológico procura aliar os processos naturais com a produção agrícola (Foto: Reprodução / apagst.sw-br.com)
Um pouco de história…
Há quem diga que a agroecologia é na verdade um resgate. Uma volta às boas práticas na agricultura, tirando a dependência do produtor com as grandes empresas e fornecendo técnicas ecológicas e sustentáveis de produção agrícola, valorizando assim os recursos naturais e o contato com a natureza. Mas para que seja entendido como um resgate, algo foi perdido…
E realmente foi. A chamada “Revolução Verde”, tida como salvadora do apocalipse Malthusiano, foi a responsável por essa perda. Conceitualmente, refere-se à invenção e disseminação de um modelo agroquímico e agroexportador definido por um pacote tecnológico, permitindo um vasto aumento na produção agrícola em países menos desenvolvidos durante as décadas de 60 e 70.
O modelo se baseia na intensiva utilização de insumos industriais (fertilizantes e agrotóxicos), mecanização, grandes extensões de terras, monoculturas, e sementes geneticamente modificadas. Este ciclo de inovações surgiu após o fim da II Guerra Mundial, principalmente devido à necessidade dos países industrializados como EUA de manter seus grandes lucros obtidos em tempos de guerra. Assim, as fábricas de tanques começaram a fabricar tratores, as indústrias químicas produziam agrotóxicos e por aí vai. Com a promessa de que iam aumentar a produção e acabar com a fome, o modelo acabou sendo vastamente praticado em países de terceiro mundo, fazendo com que os produtores deixassem de lado suas técnicas tradicionais de manejo para adotar o pacote tecnológico ditado pelas grandes empresas.
Contudo, contraditoriamente, além de não resolver o problema da fome, aumentou a concentração fundiária, a dependência de sementes modificadas e insumos agrícolas, além de alterar significativamente a cultura dos pequenos proprietários, retirando assim toda a ligação que havia com a terra.
Nesse contexto de cooptação dos produtores pelo pacote tecnológico das grandes multinacionais do agronegócio, a agroecologia se insere como uma forma de se conseguir a independência dos pequenos agricultores e a soberania alimentar da população que cada vez mais exige produtos livres de contaminação.
agroeco Brasil
A agroecologia já se mostra forte no Brasil, contando com articulações, grupos de pesquisas e congressos pelo país inteiro.
Em busca da Sintropia…
Muitos de vocês já devem ter ouvido falar da Entropia, que conceitualmente, pode ser resumida como uma grandeza termodinâmica que mede o grau de irreversibilidade de um sistema, de um estado complexo para um maissimples, geralmente entendido como “desordem”. Para melhor entendimento, imagina um giz normal, usado em quadro negro. Quanto mais se usa, mais ele se desgasta, quando que por fim, se acaba. Esse processo não pode revertido sem o input de energia do exterior, ou seja, não há forma de se juntar os farelos e montar o giz novamente sem usar algum tipo de máquina. Damos então a esse processo de desgaste um valor positivo de entropia.
Os processos atuais que se baseia a agricultura convencional são altamente entrópicos, tendo como consequências a perda de fertilidade do solo e poluição de corpos hídricos. Ou seja, a perda de vida.
Em um contexto agroecológico, o que acontece é bem diferente. Pelo fato de buscar o aumento da vida e da complexidade nos locais onde é inserido, esse modelo de manejo consegue chegar a taxas negativas de entropia, se caracterizando como um processo de Sintropia. Ou seja, ao invés de aumentar a desordem do local, a agroecologia estipula uma série de critérios para o planejamento e realização das futuras intervenções, de forma a aumentar a vida e favorecer os processos sucessionais. Concretamente, isto significa que o responsável pelo manejo só irá fazer o trabalho quando souber que o saldo ou o resultado da atividade planejada será um balanço energético positivo.
Em suma, o objetivo é criar mais vida, mais fertilidade no solo, um sistema mais próspero. Isto exclui – por sua natureza fortemente entrópica – o uso do fogo para a limpeza do campo, o uso de maquinaria pesada, bem como o uso de agrotóxicos. Também exclui o uso de qualquer adubo trazido de fora, quer dizer, qualquer matéria que não seja resultado direto do metabolismo do próprio subsistema.
Agora pra fechar…
Há consenso de que o atual modelo de desenvolvimento rural e agricultura convencional é insustentável no tempo, dada sua grande dependência de recursos não renováveis e limitados, Ademais, este modelo tem sido responsável por crescentes danos ambientais e pelo aumento das diferenças socioeconômicas no meio rural.
A par disso, está em curso uma mudança de paradigma na qual aparece com destaque a necessidade de buscar-se estilos de desenvolvimento rural e de agricultura que assegurem maior sustentabilidade ecológica e desenvolvimento social.
A agroecologia então corresponde a um campo de conhecimento de natureza multidisciplinar que pretende contribuir na construção de estilos de agricultura de base ecológica e na elaboração de estratégias de desenvolvimento rural. Como ciência, apresenta uma série de princípios, conceitos e metodologias que permitem o estudo, a análise, o desenho, o manejo e a avaliação de agroecossistemas.
Uma compreensão holística dos agroecossistemas, na qual os ciclos minerais, as transformações energéticas, os processos biológicos e as relações socioeconômicas são vistas e analisadas em seu conjunto.

O texto abaixo foi extraído do original “Homem e Natureza: Cultura na Agricultura” de Ernst Götsch. Nele podemos abstrair bem a adoção da agroecologia.
“Observa as plantas e as situações onde elas melhor prosperam! Tenta enxergar os consórcios em que cada espécie naturalmente aparece! Estuda o solo que tu queres cultivar baseando-te no ponto de vista da planta que tu estás pretendendo introduzir! Será que ela se daria bem nas atuais condições? Será que ela conseguiria se estabelecer e chegaria a dominar naturalmente nesta situação? Será que, depois dela ser colhida, o solo ficará mais rico, mais fértil?
Só em alguns casos, bem excepcionais, tu poderás responder a essas perguntas de forma positiva. Porém é apenas nesses casos que poderemos ter a certeza de estar fazendo agricultura sustentável. Contudo, não desanimes! Talvez a tua planta possa fazer parte de um consórcio de espécies, em que umas sejam plantas cultivadas e outras sejam espécies da vegetação nativa do lugar.
Ademais, a vida não é estática, ela é um fluxo, uma corrente de espécies e de gerações. Cada uma é determinada pelo que lhe antecedeu, e condiciona a que vem em seguida. Caso haja uma intervenção que leva à mineralização – o que é idêntico a uma descomplexificação – haverá uma perda de vida, uma regressão na sucessão. Por isso, iniciando um plantio novo, nunca faça uma queimada e nem are a terra, pois são duas intervenções que causariam uma grande perda de complexidade, de vida.
Tu também não deves cultivar monoculturas, mas sim, como a natureza te ensina, plantar consórcios de espécies, o mais diversificado possível, de todas as etapas sucessionais, a caminho do clímax da vegetação natural do teu lugar.
Ou então, mais facilmente, tenta entrar com a tua planta cultivada no ponto da sucessão onde ela seja aceita e levada pelos processos orgânicos do sistema. Isto é, no lugar da sucessão natural onde um tipo de vegetação com características similares iria aparecer naturalmente.
Observa o que a natureza faz, aprende com ela e tenta copiá-la! Por exemplo, se tu queres cultivar feijão e milho, planta também a cana e umas laranjeiras, além de muitas outras espécies. Isto significa plantá-las todas juntas, ao mesmo tempo e no mesmo lugar. Nesse consórcio de milho, feijão e outras espécies, cabe ainda, por exemplo, bananeiras, capim elefante, mandioca, inhame, pimenta malagueta, sapoti, leucena, mulungu, sapucaia, mangueira e ainda pimenta do reino nas árvores altas do futuro. Cada espécie contribuirá para completar o consórcio e para que todas as outras prosperem melhor. Nenhuma delas cresce ou produz menos devido à presença das demais, pelo contrário, cada uma depende da outra para conseguir chegar ao estágio de desenvolvimento ótimo.
É provável que as culturas que tu introduziste ainda precisem de dezenas de outras espécies de ervas, arbustos e árvores, sem contar as milhares de espécies da microflora e da fauna, para que o potencial de vida se desenvolva plenamente e para que as tuas culturas sejam prósperas e produtivas. A exemplo disso temos o feijão e o milho, que prosperam onde surge uma clareira na mata com maior acumulação de matéria orgânica, oriunda de ervas, cipós, arbustos e árvores periodicamente rejuvenescidas, portanto, um sistema naturalmente bastante rico, enquanto biodiversidade.
Sabe-se, também, que o milho produz mais sendo plantado junto com o feijão, tal como ocorre com o abacaxi e a mandioca, que devem ser plantados junto com as árvores que os seguem na sucessão. Assim, o milho e o feijão, tal como o abacaxi e a mandioca, são ótimos criadores de árvores.
Também a bananeira, quando plantada juntamente com laranjeira, tem mais saúde do que sem a presença dela e vice-versa. E quanto à produtividade, qualidade de frutos e potencialidade, elas dependem da companhia da ingazeira e do mulungu. Por sua vez, a sapucaia também precisa de uma vegetação próspera de um modo similar ao consórcio acima descrito, para obter um grau ótimo do seu desenvolvimento.
Cada espécie desse consórcio depende dos minerais que árvores como a sapucaia mobilizam do subsolo, através das suas raízes pivotantes, tornando-os disponíveis na forma de folhas, que trocam anualmente, e nas frutas que produzem em grandes quantidades.
Muitas vezes, as espécies que pretendias cultivar não são mais adaptadas para o dado lugar. Este é um fenômeno bem comum nos lugares onde a agricultura se encontra em crise. Não tentes, neste momento, usar “muletas” na forma de aração, de leiramento, de capina geral e outras atividades, que provocam efeito de mineralização acelerada e forçada. O resultado será um solo empobrecido.
Trazendo adubo de fora tu não conseguirás acelerar os processos sucessionais. Com a introdução do adubo, estarás apenas criando uma ilusão para a planta que não estava prevista para aparecer e dominar naquele contexto. Quando for gasta a energia do adubo trazido de fora, o sistema vai regredir. Por isso, faz o que a natureza te ensina, planta o que pode prosperar nas condições do teu solo. Essa vegetação, por sua vez, fará o solo prosperar. Começa, se necessário, com as espécies colonizadoras e pioneiras, com as plantas mais rústicas! Escolhe as mais eficientes, aquelas que têm a maior capacidade de aumentara vida e de melhorar o solo naquela determinada situação.
Nós podemos conseguir uma melhora até mais rápida do que a observada na capoeira. Primeiro, através do uso de espécies e de consórcios de espécies mais eficientes para cada situação e -sendo árvores e arbustos – plantando em alta densidade populacional. Segundo, usando sistematicamente duas técnicas. Uma é a capina seletiva, que consiste em arrancar seletivamente aquelas ervas que vêm amadurecendo e aquelas que têm sido ecofisiologicamente substituídas por plantas cultivadas. A outra técnica é a podação de herbáceas perenes, arbustos e árvores, que segue os mesmos critérios usados na capina seletiva, e consiste em cortar ou podar de acordo com a espécie e com a função dela dentro do sistema.
Temos como resultado das duas operações:
1. O temporário aumento de penetração de luz.
2. Uma maior quantidade de matéria orgânica no chão, que protege e enriquece o solo, o que resulta num aumento das atividades dos microorganismos e num PH mais próximo ao neutral (são os microorganismos que estruturam o solo, tornando desnecessário o uso da enxada).
3. Maior capacidade do solo para reter água, devido ao seu enriquecimento e sua melhor estruturação.
4. O rejuvenescimento do sistema, visível na rebrotação profusa e violenta, e na saúde próspera de todas as plantas, pouco tempo depois da intervenção realizada através da capina seletiva e da poda.
A planta é quem faz o solo, ela traz fertilidade para a terra. Uma das principais características das plantas – de todos os seres vivos, da vida inteira, do nosso planeta como macroorganismo – é de transformar, de otimizar a organização dos fatores necessários (água, minerais, raios solares ou energia) em sistema de vida. O agricultor sábio vai tentar planejar e realizar as suas intervenções de uma forma que o resultado das suas operações seja uma harmonização e uma sincronização e, talvez, no melhor dos casos, uma aceleração dos processos que contribuem para o aumento devida.
As intervenções na forma de capina seletiva, podação e plantio de consórcios complexos e densos são estratégias também usadas pela própria natureza. O que recomendo é que o agricultor observe, entenda e depois copie o que a natureza faz.
A capina seletiva, por exemplo, também é feita pela saúva e por outras amigas consideradas pelo ser humano moderno – por ignorância ou arrogância – como “pragas”. Elas são verdadeiras “profissionais” nesta atividade. Elas podam tudo que, no momento, não tem capacidade para contribuir da melhor forma para o aumento de vida num determinado lugar.
Essa prática das saúvas é uma lição difícil, a ser aprendida pelo agricultor e, talvez, uma das mais conflitantes para os que pretendem ensiná-lo e ajudá-lo. Na realidade, além da saúva cortar ou podar exclusivamente o que não está no lugar adequado, seja pelo origem ou pelo uso temporário, ela nos ajuda em outro trabalho importante. A saúva transforma os lugares onde costuma viver-terras nuas, empobrecidas, compactadas e muitas vezes ácidas -em um chão com terra afofada e enriquecida com matéria orgânica. São os núcleos onde se estabelecem os precursores de uma vegetação mais frondosa e de uma vida mais rica, de futuro. Para evitar conflitos com as saúvas, vamos futuramente trabalhar de uma forma que torne desnecessário o serviço delas, plantando o que é adequado para o lugar, o que mais prospera, o que por si mesmo consegue se estabelecer numa determinada situação, num determinado lugar.
Faça tudo para aumentar a vida. Aumente a matéria orgânica na terra e a cobertura do solo. Aproveite todas as plantas da vegetação nativa. No começo, talvez, tu te sintas perturbado por uns matos “nocivos”, porém, ao invés de recorrer à enxada e à foice, tenta descobrir o motivo do surgimento deles, a função deles dentro do sistema. Todos eles aparecem para aumentar a vida.
Logicamente, a nossa reação diante de um mato, futuramente, será a de perguntar: em que é que tu estás querendo me ajudar?. O que é que tu poderias fazer de útil? Qual é o teu potencial benéfico? Assim, talvez possas encontrar uma planta, uma espécie cultivada, para substituir o que quiseres no teu sistema, uma espécie de mais utilidade para ti. Neste caso, planta essa espécie, mesmo que o teu plano inicial tenha sido, por exemplo, o cultivo solitário do milho. E faz isso com cada um dos matos nocivos. Substitua-os por plantas cultivadas com a mesma função ecofisiológica ou aproveite-os diretamente para melhorar o solo.
Da mesma forma reaja diante das “pragas” – gafanhotos, saúva e outros insetos -, ou no caso da ocorrência de doenças. A tua pergunta vai ser: o que foi feito errado que “tu” estás querendo expulsar o meu milho, o meu feijão etc? Tenta enxergar e descobrir as diferenças no solo e no ambiente, entre os lugares onde as doenças e as pragas não perturbam o solo, ou perturbam menos, e as situações onde eles atacaram violentamente. As pragas e as doenças indicam os pontos fracos no teu sistema. É mais vantajoso procurar corrigir os erros. Planta o que é adaptado para cada lugar e tenta melhorar o solo através do modo de cultivar, ao invés de combater “ervas ruins”, “pragas” e “doenças”.
Os matos são também ajudantes para melhorar o solo, tanto quanto as “pragas” – as minhas professoras. Eles indicam o que é adequado para cada lugar. As doenças são os sensores mais sutis para indicar os pontos fracos nos sistemas.
Favorece os processos do fluxo natural da vida, favorece a força que a vida tem para aumentar, para complexificar e para transformar os resíduos entrópicos em sistemas vivos! Favorece os processos sucessionais, o veículo em que a vida atravessa o tempo e o espaço! Deixa-te levar pela corrente, pelo fluxo da vida! Tenta usar o barco adequado para cada água! Assim, frondosamente e com abundância, a Mãe Terra te gratificará e tu viverás em paz.”

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