domingo, 29 de setembro de 2013

Mel e graxa: um casamento incompatível, por Clóvis Borges

A região costeira paranaense está sob a pressão de cerca de 40 empreendimentos de grande porte. Seria a implantação dessas megaintervenções a redenção econômica e social do litoral? Enfim, chegou o tão esperado desenvolvimento? Estamos certos de que mudar o perfil do litoral, ampliando as atividades industriais e as vias de acesso para outros espaços hoje destinados ao turismo e à conservação da natureza, é mesmo um bom negócio?

Áreas tão especiais e caras, como a Estação Ecológica da Ilha do Mel, poderão conviver com a indústria pesada do petróleo e mega-atividades portuárias, lado a lado? É isso mesmo que desejamos para nossa região costeira?
Anos atrás, ocorreu a tentativa de implantação de uma termoelétrica a carvão nas imediações de Paranaguá. Para as empresas envolvidas – Copel, Inepar e a chilena Chilenger -, havia pronta disposição para um investimento na ordem de US$ 750 milhões. No entanto, a mobilização pública, sustentada por uma ampla campanha de esclarecimento liderada tanto por veranistas quanto por moradores locais, gerou comoção. Ficou evidente que, o que era um negócio para uns, poderia se transformar num tormento para muitos. O governo estadual acabou anunciando que a termoelétrica não seria mais aprovada.
Hoje, a situação é muito distinta. O impacto do conjunto dos empreendimentos pretendidos sequer pode ainda ser avaliado, pois esses estudos são realizados isoladamente, como se cada um deles não tivesse relação com o outro. Além disso, vivemos um tempo em que reações radicalizadas, compartilhadas entre setor privado e governos, interpretam os questionamentos sobre a real viabilidade e o interesse público de grandes obras, como um comportamento de “inimigos”. Uma inversão de valores que, na prática, privilegia negócios quaisquer em detrimento das condições sociais e ambientais.
Estão ausentes nas justificativas que vem sendo colocadas a público as premissas de que, dependendo da localização, da natureza da atividade, da sua vida útil e da sua magnitude, grandes empreendimentos conjugados podem causar profunda degradação social e ambiental, mesmo que gerem aumento de arrecadação e empregos. Não custa citar a condição de uma das empresas já instalada em Pontal do Paraná. Demissões em massa causam hoje sérios problemas de ordem social no município.
Dizer “sim” a qualquer coisa nunca foi atitude considerada inteligente nem responsável. No entanto, está a pleno vapor no executivo público a desmoralização de processos de zoneamento regional e de licenciamento, em que pressões políticas e econômicas e a alegação de que há necessidade de respostas imediatas para essas “oportunidades” aceleram licenciamentos que, pela magnitude e risco envolvidos, deveriam ser muito melhor discutidos.
Articulados, já dissemos “não” para uma termoelétrica. Agora, embora em uma agenda mais complexa, é necessário discernir sobre o que é real necessidade e o que significa apenas oportunismo gerador de perdas coletivas. É fundamental que exista bom senso e lucidez para uma discussão muito mais aprofundada sobre esses empreendimentos. Ao contrário do que se arvoram os defensores do desenvolvimentismo incontrolado, esse tipo de postura não representa perder oportunidades. Significa desenvolver com racionalidade, com respeito e com justiça, evitando armadilhas irreversíveis e de enorme impacto negativo.
Em princípio, e dependendo da relevância de parte da agenda proposta, parece lógico concentrar ampliações e melhorias de estruturas industriais e portuárias, além das vias de acesso, onde já existem atividades implantadas. E, assim, manter e valorizar, a todo custo, as características de áreas historicamente com outra destinação de uso.
Este é um assunto que deve demandar mais da nossa atenção. Ou, o que vier a acontecer, poderá contrariar frontalmente o que, imaginamos, represente o futuro mais adequado para o nosso litoral.

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