quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Pensamento ecológico e educação ambiental: caminhos para uma nova mentalidade

No post anterior, foi debatido que a degradação ambiental que presenciamos hoje é causada pelo modelo econômico que as sociedades estão pondo em prática, tendo como base a economia de consumo e desperdício das sociedades ricas ocidentais, não sendo, portanto apenas uma negligência nos padrões técnicos de cuidados ambientais. Este modelo econômico que busca o crescimento ilimitado esta cada vez mais consumindo os recursos naturais, se mostrando altamente insustentável e irresponsável.

Para uns, a maior parte dos problemas atuais, decorrentes do modelo de desenvolvimento, economia e sociedade, pode ser resolvida pela comunidade científica. Confiam na capacidade de a humanidade produzir novas soluções tecnológicas e econômicas a cada etapa, em resposta a cada problema que surge, permanecendo basicamente no mesmo paradigma civilizatório dos últimos séculos.
Para outros, a questão ambiental representa quase uma síntese dos impasses que o atual modelo de civilização acarreta. Consideram que aquilo a que se assiste, no final do século XX, não é só uma crise ambiental, mas uma crise civilizatória. E que a superação dos problemas exigirá mudanças profundas na concepção de mundo, de natureza, de poder, de bem estar, tendo por base novos valores individuais e sociais. Faz parte dessa nova visão de mundo a percepção de que o homem não é o centro da natureza.
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A natureza não deve ser vista como uma mercadoria (Foto: Reprodução / agenciadenoticia.com)
Nesse mesmo raciocínio, é possível concluir que é necessária então, uma nova mentalidade (ou seria antiga?), onde o ser humano se visse como parte da natureza, enxergando o mundo à sua volta como uma teia de relações e não mais o fragmentando para achar soluções momentaneamente aceitáveis. Nessa nova mentalidade as soluções serão buscadas tendo como base uma análise holística da questão onde os problemas serão vistos como partes de uma só crise: uma crise depercepção.
Contextualizando…
Um dos maiores erros no pensamento científico do homem foi confundir a natureza com o modelo mecânico que tentaram representa-la. Ela não é mais vista como um organismo vivo, mas como uma máquina, deixando de lado todo respeito, sendo encarada apenas como uma mera fonte de recursos. Descartes, que em latim se chama Cartesius, foi o primeiro arquiteto da visão do mundo mecanicista, tendo o relógio como o modelo básico de representação. Para entender como ele funciona você o desmonta, reduz a um monte de peças simples e fáceis de entender, analisa-as, e aí passa a compreender o todo.
Assim como o mundo, ele também via o ser humano como um relógio. Este modelo se tornou tão bem aceito, que os cientistas passaram a acreditar que todos os seres vivos, seja plantas, animais ou pessoas não passam de máquinas. Isto tomou conta de tudo, seja na arte, política, medicina, filosofia, e por fim do inconsciente coletivo, tornando-se modelo padrão de perspectiva.
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Pensamento cartesiano da vida como uma máquina (Foto: Reprodução)
Newton, que transformou o pensamento cartesiano em poder, usava a metodologia de reduzir todo fenômeno físico ao movimento de partículas causado pela força da gravidade. Ele conseguia descrever o efeito exato da gravidade em qualquer objeto, com equações precisas. As chamamos de Leis do Movimento de Newton e elas são o maior feito da ciência do século XVII.

Elas foram tão bem aceitas, que foram adotadas como a teoria correta da realidade: As leis finais da natureza. O sonho cartesiano do mundo como máquina perfeita tornara-se um fato consumado. Isto trouxe inúmeros benefícios às pessoas. Elas podiam fazer coisas com as quais nem sonhavam antes. E é claro, a velha noção do mundo como um ser vivo sumiu do mapa.
Ver o mundo como máquina pode ter sido útil por 300 anos, mas esta percepção, hoje, além de errada, é na verdade nociva. A mentalidade de que a natureza deve servir ao homem, que por sua vez deve dominar tudo se mostrou absurda e autoflagelante. Podemos até dizer que daí veio a mentalidade do descartável, sendo entranhada até nas relações humanas. Não há como nos ver fora das consequências de apoiar nosso crescimento no consumo frenético dos recursos naturais. O que fazemos ao planeta, fazemos conosco.
Assim, faz-se necessário uma mudança na mentalidade, com respeito à forma e perspectiva que a sociedade enxerga o ambiente ao redor, de forma que ela se veja como parte integrante e não como algo a parte.
O Pensamento ecológico e a teia de relações
No atual paradigma que vivemos, é certo que precisamos de uma nova visão do mundo, mais abrangente, para termos como referência. O pensamento ecológico, descrito pelo físico Fritjof Capra, se mostra como uma palpável alternativa ao pensamento cartesiano, uma vez que fornece uma compreensão mais firme da realidade. Em síntese, ele destaca que todas as questões estão conectadas e formam uma única crise.
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Dr. Fritjof Capra, defensor do pensamento ecológico (Foto: Reprodução)
O que há de útil nessa teoria? No que ela poderá nos ajudar na busca por uma nova mentalidade ambiental? Vamos pegar a árvore, como exemplo. Será possível descrevê-la sem mencionar suas partes, como folhas e flores? Um cartesiano olharia para a árvore e a dissecaria, mas aí ele jamais entenderia a natureza da árvore. Um pensador de sistemas veria as trocas sazonais entre a árvore e a terra, entre a terra e o céu. Ele veria o ciclo anual que é como uma gigantesca respiração que a Terra realiza com suas florestas, dando-nos oxigênio. O sopro da vida, ligando a terra ao céu e nós, ao Universo. Um pensador de sistemas veria a vida da árvore somente em relação à vida de toda a floresta. Ele veria a árvore como o habitat de pássaros, o lar de insetos. Mas se você tentar entender a árvore como algo isolado, ficaria intrigado com os milhões de frutos que produz na vida, pois só uma ou duas árvores resultarão deles. Mas se você olhar para a árvore e a ver como um membro de um sistema vivo maior, tal abundância de frutos fará sentido, pois centenas de animais e aves sobreviverão graças a eles.
Interdependência. A árvore também não sobrevive sozinha. Para tirar água do solo, precisa dos fungos que crescem na raiz. O fungo precisa da raiz e a raiz precisa do fungo. Se um morrer, o outro morre também. Há milhões de relações como essa no mundo, cada uma envolvendo uma interdependência.
Essa mentalidade, guiada pela teoria dos seres vivos, pode servir de guia para elaboração de políticas ou de sistema de gestão ambiental. Na prática, ela se faz presente na hora de se implementar medidas de cuidado e preservação dos recursos naturais, uma vez que ela proporciona um carácter holístico e sistêmico de todos os elementos que compõem o ecossistema.
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Pensamento ecológico enfatiza a importância das relações (Foto: Reprodução / liveinternet.ru)
Onde entra a educação ambiental nisso?
A educação ambiental possui um grande papel nesse processo de mudança. É ela que irá abrir as mentes para uma nova conscientização e mentalidade. Através da sensibilização com práticas lúdicas e pela transmissão oral, a educação ambiental pode ajudar a transformar pessoas.
Por ocasião da Conferência Internacional Rio/92, cidadãos representando instituições de mais de 170 países assinaram tratados nos quais se reconhece o papel central da educação para a “construção de um mundo socialmente justo e ecologicamente equilibrado”, o que requer “responsabilidade individual e coletiva em níveis local, nacional e planetário”. E é isso o que se espera da Educação Ambiental no Brasil, que foi assumida como obrigação nacional pela Constituição promulgada em 1988.
Todas as recomendações, decisões e tratados internacionais sobre o tema evidenciam a importância atribuída por lideranças de todo o mundo para a Educação Ambiental como meio indispensável para se conseguir criar e aplicar formas cada vez mais sustentáveis de interação sociedade-natureza e soluções para os problemas ambientais. Evidentemente, a educação sozinha não é suficiente para mudar os rumos do planeta, mas certamente é condição necessária para tanto.
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Educação ambiental como forma de se conseguir chegar a uma nova mentalidade (Foto: Reprodução)
Dono de uma das maiores biodiversidades do mundo, tem ainda uma riqueza cultural vinda da interação entre os diversos grupos étnicos — americanos, africanos, europeus, asiáticos — o que traz contribuições para toda a comunidade. Parte desse patrimônio cultural consiste no conhecimento importantíssimo, mas ainda pouco divulgado, dos ecossistemas locais: seu funcionamento, sua dinâmica e seus recursos.
É preocupante, no entanto, a forma como os recursos naturais e culturais brasileiros vêm sendo tratados. Poucos produtores conhecem ou dão valor ao conhecimento do ambiente específico em que atuam. Muitas vezes, para extrair um recurso natural, perde-se outro de maior valor, como tem sido o caso da formação de pastos em certas áreas da Amazônia. Com frequência, também, a extração de um bem (minérios, por exemplo) traz lucros somente para um pequeno grupo de pessoas, que muitas vezes nem são habitantes da região e levam a riqueza para longe e até para fora do país, deixando em seu lugar uma devastação que custará caro à saúde da população e aos cofres públicos. Além disso, a degradação dos ambientes intensamente urbanizados nos quais se insere a maior parte da população brasileira também é razão de ser deste tema. A fome, a miséria, a injustiça social, a violência e a baixa qualidade de vida de grande parte da população brasileira são fatores que estão fortemente relacionados ao modelo de desenvolvimento e suas implicações socioambientais.
Nesse contexto, fica evidente a importância de se educar os futuros cidadãos brasileiros para que, como empreendedores, venham a agir de modo responsável e com sensibilidade, conservando o ambiente saudável no presente e para o futuro; como participantes do governo ou da sociedade civil, saibam cumprir suas obrigações, exigir e respeitar os direitos próprios e os de toda a comunidade, tanto local como internacional; e, como pessoas, encontrem acolhida para ampliar a qualidade de suas relações intra e interpessoais com o ambiente tanto físico quanto social.
É necessário ainda ressaltar que, embora recomendada por todas as conferências internacionais, exigida pela Constituição e declarada como prioritária por todas as instâncias de poder, a Educação Ambiental está longe de ser uma atividade tranquilamente aceita e desenvolvida, porque ela implica mudanças profundas e nada inócuas. Ao contrário, quando bem realizada, a Educação Ambiental leva a mudanças de comportamento pessoal e a atitudes e valores de cidadania que podem ter fortes consequências sociais.
*João Barata é engenheiro ambiental formado pela PUC-Rio, com experiência na área de consultoria ambiental.
Publicado originalmente no site Elemental

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