quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Recuperação de Áreas Degradadas: Importância e fases de aplicação

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Processo de destruição de solos (Foto: Reprodução)

Segundo o Banco Mundial, os solos agrícolas do mundo vêm se degradando a uma taxa de 0,1% ao ano, dados que corroboram com os estabelecidos pela FAO, que apontam a perda de cinco milhões de hectares de terras aráveis por ano devido a más práticas agrícolas, secas e pressão populacional, além de inúmeras ações antrópicas de exploração inadequada dos recursos naturais englobando o compartimento do solo (Figura 1).

Nesse contexto, no Brasil, as causas da degradação estão estreitamente ligadas aos métodos de desmatamento e de cultivo do solo. Associadas a essas causas, há também os empreendimentos de extração de minérios e abertura de estradas, porém em menor abrangência. Assim, é natural compreender a importância do conhecimento em Recuperação de Áreas Degradadas – RAD, para que se possa reverter, ou apenas mitigar, essa triste realidade.
O objetivo deste pequeno artigo é elucidar as questões principais envolvendo a gestão ambiental na recuperação de áreas degradadas. Não iremos nos aprofundar muito no tema, o que iria tomar páginas e páginas, pois o assunto é muito extenso, contando com uma rica bibliografia nacional.
CONCEITOS PRINCIPAIS
Primeiramente, é importante esclarecer alguns conceitos principais:
Solos degradados: São aqueles que sofreram perda parcial ou total de sua capacidade de sustentar o crescimento de plantas e outros organismos.
Recuperação do solo: Conjunto de ações que visam à recuperação da capacidade do solo de sustentar o crescimento de plantas e outros organismos. Praticamente, é impossível restaurar por completo todos os atributos do solo como este era originalmente, pois, comumente, ocorrem mudanças irreversíveis de seus atributos, como por exemplo, sua composição textural.
Existe uma diferença conceitual também entre recuperação, restauração e reabilitação. A recuperação procura trabalhar o local de modo que as condições ambientais acabem se situando próximas às condições anteriores à intervenção, ou seja, devolvendo ao local o equilíbrio e a estabilidade dos processos atuantes. A restauraçãoprocura o retorno completo da área degradada às condições existentes antes da intervenção, o que se mostra impossível devido à uma série de fatores. Já a reabilitação procura reaproveitar a área para outra finalidade, de acordo com projeto prévio e em condições compatíveis com a ocupação circunvizinha. É geralmente utilizado em projetos de mineração. Para o propósito do artigo, iremos apenas trabalhar com recuperação.
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Diferença entre os conceitos de recuperação, restauração e reabilitação (Foto: Reprodução / rc.unesp.br)
Podemos entender degradação do solo, também, como uma modificação nos atributos físicos, químicos e biológicos do solo.
Degradação física: manifestada pela redução da profundidade, reduzida pela remoção das camadas superficiais, pela acentuada perda de qualidade na estrutura dos solos, o que se traduz no aparecimento de finas crostas em sua superfície, na compactação sob a camada arável, e na consequente diminuição das taxas de infiltração, ocasionando aumento do escoamento superficial e erosão.
Degradação química: resulta na queda de sua fertilidade, fundamentalmente, ocasionada pela redução dos teores e da qualidade da matéria orgânica, e pela, redução dos teores e da qualidade da matéria orgânica, e pela redução dos teores de macro e micronutrientes.
Degradação biológica: comunidades de micro e macronutrientes drasticamente alteradas.
IMPORTÂNCIA DA MATA NATIVA PARA A QUALIDADE DO SOLO
É importante compreender que a mata nativa e os reflorestamentos proporcionam vários efeitos singulares ou integrados sobre os atributos do solo, importantes para sua preservação ou recuperação. As copas das árvores e a camada de resíduos vegetais depositados e acumulados sobre o solo (serapilheira) evitam ou amortecem o impacto direto das gotas de chuva. Desta forma, os agregados do solo não são desintegrados em suas partículas básicas: areia, silte e argila; evitando o desencadeamento do processo erosivo pelo efeito “splash”, ou salpicamento. Além disso, os troncos e os resíduos vegetais funcionam como obstáculos ao caminhamento de excedentes hídricos, reduzindo a velocidade da enxurrada. Com o aumento de permanência das águas de escoamento superficial sobre o terreno, as taxas de infiltração são maiores, e consequentemente, a captação de água pelo solo e o reabastecimento do lençol freático.
Efeito splash ou salpicamento (Foto: Reprodução / profwelgeo.blogspot.com)
Como o solo exposto não possui este tipo de proteção, o escoamento superficial acaba removendo as camadas superficiais de solo pelo efeito da erosão. Como consequências têm o aparecimento de sulcos e ravinas e, caso não seja tomado nenhum tipo de ação para conter o processo erosivo, as ravinas irão de aprofundar com o tempo alcançando o escoamento subsuperficial e, com a poropressão crítica na fase de exfiltração, se transformarão em voçorocas, estágio máximo da erosão.
Voçoroca em área de pastagem (Foto: Reprodução / Dr. Claudio Lucas Capeche)
Focamos mais na erosão pela ação da água (hídrica), pelo fato de que, no Brasil, é o fator mais comum da ocorrência de erosão. Sua alta pluviosidade e relevo irregular faz com que ocorram diversos casos de escorregamentos originados pela ação da água da chuva, juntamente com seu potencial de erodibilidade. Importante ressaltar que a intensa ocupação dos morros, aliado à alta susceptibilidade de ocorrência de movimento de massa, aumenta cada vez mais o risco presente nas áreas urbanas.
As árvores não apenas auxiliam nos atributos físicos, mas também são importantes fontes de nutrientes para o solo, por meio da adição de matéria orgânica, da ciclagem de nutrientes, da fixação biológica de nitrogênio e do aumento da atividade biológica. Importante ressaltar que o reflorestamento com várias espécies, de diferentes classes ecológicas pode elevar as taxas de absorção e de ciclagem de nutrientes, consequentemente, a eficiência do aproveitamento dos nutrientes.
Outra questão fundamental é a demanda de nutrientes. O potencial de crescimento é bastante variável entre as espécies. As espécies dos estágios iniciais da sucessão, pioneiras e secundarias iniciais, apresentam taxas de crescimento muito superior às secundárias tardias e clímax. Quanto maiores as taxas de crescimento maiores as demandas, as capacidades de absorção e de acumulação de nutrientes em tecidos vegetais.
Esse grande potencial de crescimento e absorção de nutrientes das espécies no início da sucessão florestal é responsável por importantes modificações ambientais. As espécies pioneiras alteram o ambiente, transferindo grande parte dos nutrientes disponíveis no solo para a biomassa, contribuindo para a elevação do teor de matéria orgânica no solo e modificando as condições microclimáticas nos estratos de crescimento das mudas e árvores. Estas mudanças no ambiente propiciam o estabelecimento das espécies das classes seguintes da sucessão, que, subsequentemente, irão ser responsáveis pelo domínio e supressão das árvores pioneiras e secundárias iniciais pelas secundárias tardias e clímax. É por essa razão que se deve começar o processo de recuperação com a introdução de espécies nativas e pioneiras, de preferência leguminosas que sejam fixadoras biológicas de nitrogênio.
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Sucessão natural de espécies em ambiente florestal (Foto: Reprodução / portalsaofrancisco.com.br)
FASES DA GESTÃO AMBIENTAL APLICADA À RECUPERAÇÃO DE ÁREAS DEGRADADAS
O Plano de Recuperação de Áreas Degradadas – PRAD reúne todo o escopo do serviço a ser realizado na área a ser recuperada, desde a fase de diagnóstico e caracterização inicial, até a manutenção final. Todo o projeto deve ser realizado com o devido planejamento, sempre tendo como referência o período chuvoso como base para o plantio. A seguir, irei relatar um pouco sobre algumas fases do Plano, tidos como fundamentais.
1. Diagnóstico Ambiental
Antes de qualquer coisa, para a elaboração de uma boa estratégia de RAD, um preciso diagnóstico da caracterização ambiental da área deve ser feito.
A caracterização ambiental consiste, essencialmente, em:
  • Reconhecimento e levantamento topográfico da área a ser explorada;
  • Levantamento e anotações das informações básicas, a respeito das características principais dos solos, clima, relevo, geologia e hidrologia;
  • Reconhecimento das características da flora, com informações sobre o uso atual; e
  • Mapeamento da área.

A área a ser recuperada deve ser dividida em sub áreas, de acordo com o relevo (topo de morro, encosta e baixada), tipo e estado de conservação do solo, corte, aterro e cobertura vegetal. É importante ilustrar com fotografias a situação atual, além de pesquisar sobre o histórico da ocupação, realizando uma revisão bibliográfica e fotográfica da região.
 2. Planejamento Ambiental
O planejamento para recuperações de áreas degradadas deve ter como princípios:
  • Ordenação e dissipação das águas pluviais superficiais
  • Reciclagem de resíduos orgânicos e reaproveitamento de materiais
  • Revegetação – Uso/Recuperação do ecossistema

Para recuperar ambientalmente uma área, devemos sempre associar nosso planejamento aos processos naturais de sucessão. Na verdade vamos reproduzir o processo natural, e se temos bom conhecimento deste, vamos acelerar as mudanças das comunidades visando atingir o clímax.
Primeiramente, segue-se a uma avaliação da aptidão das terras, onde as mesmas podem ser divididas em unidades pedoambientais. Posteriormente é necessário que sejam identificadas as áreas de preservação e as áreas onde será realizado o manejo conservacionista, focando a otimização da utilização dos recursos naturais e a minimização dos impactos ambientais. A entender:
  • Preservar = permanecer intocado; e
  • Conservar = Utilizar com planejamento.

O planejamento conservacionista pode ser definido como sendo o conjunto de medidas que visam a melhor utilização dos recursos naturais e que propiciem a proteção dos solos contra a ação dos processos de degradação. Os métodos de planejamento participativo ajudam bastante, pois agregam no estudo os conhecimentos locais adquiridos por gerações.
Como dito anteriormente, a mata nativa possui diversas funções na conservação da qualidade do solo. Contudo, o processo de reflorestamento não é algo simples, sendo preciso um abrangente e eficiente planejamento de todas as suas fases, para que não ocorra gastos além dos que foram previstos. É necessário um amplo fornecimento de mudas de espécies nativas, além de equipe direcionada para as atividades de preparação, plantio e manutenção. Incertezas com respeito às chuvas e pragas também podem dificultar mais ainda o projeto.
Além das mudas, serão necessários outros insumos como fertilizantes e isca para formigas. Existem técnicas agroecológicas menos nocivas e mais conservacionistas para se conduzir um reflorestamento. Contudo, apesar de sua eficácia extensamente comprovada, ao se tratar de um projeto com cronograma e orçamento fixado, o uso das técnicas convencionais pode ser mais útil nesse caso.
Com respeito às alternativas, os sistemas agroflorestais – SAF constitui um método muito eficaz na recuperação de solos degradados. São apontados por muitos pesquisadores a alternativa mais sensata para o manejo dos solos tropicais, especialmente para as áreas acidentadas e com alta fragmentação florestal. O termo sistemas agroflorestais refere-se a uma ampla variedade de formas de uso da terra, onde árvores e arbustos são cultivados de forma interativa com cultivos agrícolas, pastagens e/ou animais. Em todos esses sistemas há uma ênfase na manutenção da cobertura do solo, por todo o ano e não apenas no período de cultivo agrícola. Dentre as principais vantagens dos SAFs, podemos citar:
  • Diminuição do uso de fertilizantes/venenos
  • Conservação dos solos e bacias hidrográficas
  • Recuperação de matas ciliares e fragmentos florestais
  • Adequação à pequena produção
  • Adequação à populações tradicionais
  • Aumento da biodiversidade
  • Otimização da utilização do espaço
  • Melhoramentos das características físico, química e biológicas do solo
  • Regulador microclimático
  • Sequestro de Carbono

3. Implantação do PRAD
As estratégias de recuperação são definidas de acordo com o grau de degradação no qual se encontra o ambiente e com os objetivos pretendidos. Além disso, a recuperação de solos degradados exige a adoção de medidas técnicas integradas de manejo, porque são interdependentes em seus objetivos, tendo por base a conjuntura econômica, política, social, climática e edáfica natural de cada região. Basicamente, qualquer ação deve se fundamentar em práticas de uso e manejo que evitem a pulverização, a compactação e a ação erosiva das chuvas sobre o solo, visando restaurar suas funções básicas: drenagem, retenção de água e nutrientes em quantidade e disponibilidade adequadas às plantas.
A conservação dos solos é propiciada através de um conjunto de práticas. Tais práticas podem ser divididas em edáficas, mecânicas e vegetativas.
Práticas de caráter edáfico
São modificações nos sistemas de cultivo que promovem o controle da erosão e melhoram a fertilidade do solo. São necessárias, além das práticas de controle dos processos erosivos, outras práticas que reponham os elementos nutritivos e controlem a lixiviação. Algumas medidas tomadas neste sentido são:
  • Controle do fogo
  • Adubação verde
  • Adubação química
  • Adubação orgânica
  • Calagem

Práticas de caráter mecânico
São aquelas em que se recorre a estruturas artificiais mediante a disposição adequada de porções de terra, de modo a quebrar a velocidade de escoamento das enxurradas e facilitar a infiltração dos solos. Para que seja feita uma utilização adequada das práticas de caráter mecânico, é necessário um conhecimento a respeito da hidrologia do local, de modo que se possa estimar os valores de quantidade e a intensidade das enxurradas. Algumas práticas conservacionistas de caráter mecânico normalmente empregadas são:
  • Preparo do solo – subsolagem e cultivo mínimo
  • Distribuição racional dos caminhos considerando a topografia do terreno
  • Plantios em contorno
  • Terraceamento
  • Construção de canais escoadouros

Práticas de caráter vegetativo
A revegetação do solos é um dos princípios básicos de sua conservação. A densidade da cobertura vegetal é o princípio fundamental de toda proteção que se oferece ao solo, sendo a erosão tanto menor quanto mais densa for a vegetação que recobre e protege o solo. Este revestimento pode ser feito mediante:
  • Florestamento e reflorestamento
  • Implantação de pastagens
  • Plantas de cobertura
  • Culturas em faixas
  • Cordões de vegetação permanente

4.Monitoramento e manutenção
  • Aceiro
  • Replantio
  • Combate a formigas
  • Reparo de paliçadas
Referências:
Gonçalves J. L. M., Nogueira Jr., L. R., Ducatti F. 2008. Recuperação de solos degradados in Restauração ecológica de ecossistemas naturais. Kageyama, P. Y (org.) Botucatu. FEPAF. 340 pg
Tavares, S. R. L. et. al. 2008Curso de recuperação de áreas degradadas: a visão da Ciência do Solo no contexto do diagnóstico, manejo, indicadores de monitoramento e estratégias de recuperação. Rio de Janeiro. Embrapa Solos
Portocarrero, H. 2010. Recuperação de áreas degradadas. Apostila do Curso. UERJ.

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