Depois de uma longa tramitação no Congresso Nacional e uma acalorada discussão na reta final de sua aprovação, em 28 de maio de 2012 entrou em vigor o novo Código Florestal (Lei 12.651/2012 alterada pela Lei 12.727/2012), marco regulatório fundamental para dar segurança jurídica e estabilidade social entre os interesses legítimos de desenvolvimento econômico e de tutela do meio ambiente, particularmente no que diz respeito às formas de ocupação do espaço rural e de uso alternativo do solo.
Na pauta das matérias debatidas naquela época, ganhou forte destaque na mídia a possibilidade de a nova lei florestal anistiar os “desmatadores” das florestas brasileiras, personagens de uma criminalidade do colarinho branco retratada na imagem ou na figura abstrata do “ruralista”, indiferentemente, por simples desprezo, de sua condição de micro, pequeno, médio ou grande produtor rural. Essa hipótese foi, porém, combatida e negada tanto no Parlamento quanto no Executivo federal, sem falar na gritaria de grupos ambientalistas mais ou menos radicais quando na defesa de seus ideais e convicções políticas.
Passados alguns meses de vigência da lei florestal e longe da patrulha ideológica fortemente manipulada pelo discurso “oficial” que continua negando a existência de qualquer “perdão” para os autores de determinados crimes contra a flora previstos na Lei 9.613/1998, talvez agora seja possível refletir melhor sobre o assunto, até porque não há como desconhecer o viés “pacifista” do legislador ao ordenar à União Federal, Estados e Distrito Federal a adoção de políticas de incentivo à “regularização ambiental”, voltadas para áreas rurais sabidamente ocupadas de maneira contrária ao Código Florestal lá dos anos de 1960.
Pode parecer hilário ou até conversa de botequim, mas é verdade! A Lei 12.651/2012 regularizou o que antes era irregular ou, simplesmente, transformou em condutas lícitas ações delituosas lesivas à flora praticadas em determinado tipo de área rural e até certo momento histórico, do contrário as “disposições transitórias” dessa lei se mostrariam inúteis e sem propósito algum, não tendo sido esse, por óbvio, o objetivo do legislador. É que a própria criação de programas públicos de recuperação ambiental merece ser trata como uma espécie de “confissão”, plenamente capacitada para a legalização do estado de ilicitude que caracterizou a ocupação antrópica de parte do território nacional, pois parte do reconhecimento prévio de que as normas de proteção de áreas de preservação permanente, reservas legais ou de uso restrito, então previstas no diploma floresta revogado não haviam sido observadas por determinado período histórico.
A tolerância com um passado recheado de ilegalidades ambientais relacionadas aos desmatamentos de florestas ou outras formas de vegetação nativa protegidos pela lei florestal revogada, seja na área administrativa, seja na Justiça criminal é uma marca do novo estatuto florestal e isso não poderia ser diferente por conta de uma única razão: a figura jurídica denominada de “área rural consolidada”!
Definido como a “área de imóvel rural com ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris, admitida, neste último caso, a adoção do regime de pousio”, esse instituto jurídico na prática não só tolerou como reconheceu e, por fim, aceitou os desmatamentos ilegais ocorridos antes daquela data. A etiqueta de ilícito das ações lesivas à flora foi retirada ou arrancada pela opção política, legitima e democrática de anistiar a “desobediência civil” que caracterizou a história recente da ocupação do território brasileiro.
A “descriminalização” do ilícito contra a flora praticado em área rural consolidada é, ainda, reafirmada pelo Código Florestal vigente ao autorizar a continuidade das atividades agrossilvipastoris ou de turismo rural e ecológico ali desenvolvidas até 22/07/2008, inclusive com a manutenção de pontes, estradas, casas, galpões, currais etc. eventualmente construídos em áreas de especial interesse ambiental do imóvel rural, como margens de rios ou de lagos naturais ou artificiais, topos de morro ou veredas etc..
Nesse passo, convém reparar nas exigências legais de preservação e de recomposição da cobertura vegetal das áreas de preservação permanente e de reserva legal impostas às glebas rurais consolidadas, muito menos rígidas do que aquelas voltadas para os imóveis rurais formados por áreas rurais “não consolidadas”. Só para se ter uma idéia, em áreas não consolidadas varia de 30 a 500 metros a faixa marginal de preservação permanente de cursos d’água; já em áreas rurais consolidadas, tomando o tamanho do imóvel rural como base de cálculo, as limitações do uso das áreas situadas às margens de cursos d’água vão de 05 a 100 metros de distanciamento das bordas.
Nem se diga, por fim, que a anistia conferida aos desmatamentos ilegais ocorridos em áreas rurais consolidadas padece do vício de inconstitucionalidade por representar um retrocesso ao dever de proteção do meio ambiente previsto pela Constituição Federal. Primeiro porque os crimes contra a flora não se encontram catalogados no rol de delitos insusceptíveis de anistia e, segundo, porque a exigência, antes prevista na lei revogada, de preservação ou de recomposição da vegetação das áreas de preservação permanente, de reserva legal ou de uso restrito do imóvel rural foi mantida tanto para área consolidada quanto para aquela não consolidada.
Para concluir, vale lembrar que a lei florestal do Estado de Minas Gerais, em vigor desde 2002, talvez inovando na matéria também “tipificou” a figura ambiental da área rural consolidada. Diante de tal realidade normativa, a Justiça mineira já teve a oportunidade de enfrentar o caso de um cidadão lá da cidade de Uberlândia, acusado de crimes contra a flora em razão de ter construído em área de preservação permanente de seu rancho de pesca, situado à beira de um lago artificial. Essa pessoa foi, no entanto, absolvida em primeira e segunda instância com o seguinte fundamento: “Contudo, a Lei Estadual nº. 14.309/2002, em seu art. 11, ressalvou que deve ser respeitada a ocupação antrópica consolidada até 19/06/2002. (…) Diante disso, observa-se que a situação do apelado encontra-se contemplada no art.11 da Lei nº. 14.309/2002, não havendo, pois, que se falar que a sua construção deu-se de modo irregular, infringindo as normas de proteção.” (Apelação Criminal n. 1.0702.09.582883-7/001, DJMG 25/08/2011)
Leonardo Coelho do Amaral
Advogado especializado em crimes sócio-econômicos
Sócio do escritório Ronald Amaral Adv. Ass.
Belo Horizonte/MG – novembro de 2012
fonte: institutocarbonobrasil.org.br
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