quinta-feira, 28 de março de 2013

1.300 Km pelo Sertão Central, Inhamuns e região jaguaribana para conhecer a seca do Ceará



Missão avalia impactos da seca 2012-2013 e políticas públicas

Os impactos da seca de 2012 no Ceará foram avaliados de perto por uma comissão que percorreu 1.300 quilômetros pelo Sertão Central, Inhamuns e região jaguaribana nos dias 26 a 28 de fevereiro. Em quatro municípios - Canindé (dia 26), Tauá (dia 27), Jaguaribe (dia 28 manhã) e Jaguaribara (dia 28 tarde) a missão de avaliação reuniu prefeitos e secretários, representantes do DNOCS e Ematerce para ouvir as respostas das políticas governamentais para o enfrentamento da seca e as perspectivas para o ano de 2013.

Participaram da visita Antonio Rocha Magalhães, assessor do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE); Eduardo Sávio Martins, presidente da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme); Carmen Molejon, analista do Banco Mundial e Dalvino Franca, diretor da Agência Nacional de Águas (ANA), que forneceu um relato preliminar da missão. Em Fortaleza, no dia 1º de março, os integrantes da missão participaram de reunião do Comitê Integrado de Combate aos Efeitos da Seca do Estado do Ceará, para apresentar as impressões da visita e registrar em medidas adotadas no Estado diante do problema.

“A missão se deparou com carcaças de gado ao longo das estradas percorridas”, afirma o relatório. Com os reservatórios se esvaziando, muito gado morreu de sede. Na última parte do ano, acabou a forragem, de modo que muito gado passou a morrer também de fome. “Observamos em todos lugares uma preocupação muito grande com o ano de 2013” – acrescenta.

“Até agora, os prognósticos da estação chuvosa não são favoráveis. Uma seca depois de uma seca é o pior quadro que pode acontecer no sertão. Cidades como Tauá e Canindé ficarão totalmente sem água, e assim muitas outras cidades que não foram visitadas pela missão”, escreve Dalvino Franca.


Segundo o diretor da ANA, a presença das ações do governo foi notada em todos os lugares visitados, começando pelas ações de defesa civil, o abastecimento de água por carros pipas, o esforço de perfuração de poços. O relato constatou todavia que a venda de milho pela Conab tem tido grande procura por parte dos agricultores, mas enfrenta sérios problemas de logística para trazer o milho do Centro Oeste até o interior do Ceará.

“Muitos agricultores tiveram acesso ao programa seguro safra, que garante uma indenização para o caso de perda de safra, e bolsa estiagem. Mas ainda assim, essas ações não puderam evitar os sérios impactos, especialmente a mortandade de animais” - assinala.

Conforme Dalvino Franca, de novo pode estar comprometida a produção da agricultura de sequeiro e pode continuar a mortandade de rebanho. “Em vários lugares ouvimos preocupações sobre a necessidade de preservação do rebanho bovino, que é adaptado às condições do sertão – mas não a uma seca desastrosa depois de outra grande seca”. O diretor observa que nos municípios onde há disponibilidade de água, como no Vale do Jaguaribe, há oportunidades econômicas como a irrigação e a piscicultura. “Também aí há necessidade de melhorar o manejo dos recursos e a administração da água, para melhorar a eficiência e eficácia dos programas”, recomenda.
 
Rio Jaguaribe
Em Canindé, de acordo com o relato, o prefeito Celso Chrisóstomo, praticamente foi destruída a agricultura de sequeiro no município, aquela que depende das chuvas e está nas mãos, sobretudo, de pequenos agricultores, para produzir feijão, milho, mandioca. Também foi eliminada a atividade de apicultura. Os pequenos agricultores sobrevivem com os programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, e com a aposentadoria rural. Foi mencionado que geralmente há pelo menos uma pessoa aposentada em cada domicílio.

Foi relatado também um impacto ambiental, com a morte de 20 a 30% da mata nativa, que não resistiu à seca (no passado, a caatinga era adaptada, porém tornou-se vulnerável em razão das atividades humanas, em particular do desmatamento que leva à erosão, ao secamento das fontes de água, a perda de biodiversidade. O desmatamento da caatinga, para qualquer que seja o fim – agricultura, pecuária, produção de carvão e lenha, avanço das construções humanas – é a origem de todo o mal – informa Dalvino Franca.

O açude Sousa, que é o principal da cidade, está com apenas 6% da sua capacidade. O município conta também com o açude São Mateus, também em situação crítica. Se houver nova seca em 2013, será necessário pensar o problema do abastecimento de água para a cidade. Foi discutida a hipótese de importar água de outras bacias fora do município.

O município procura se preparar para enfrentar os efeitos das secas. Foi empossado recentemente o Condec – Conselho de Defesa Civil Municipal. Também existe um Comitê Municipal de Água. Foram discutidas ações possíveis e em andamento, de combate aos efeitos da seca. Várias vezes foi mencionada a necessidade de prover educação de qualidade para os jovens, para que eles sejam capacitados. O prefeito local pretende retomar a educação de tempo integral. A prefeitura trabalha em estreita colaboração com a Defesa Civil do Estado e pode também fazer convênios com órgãos como o DNOCS.

Em Canindé, a missão visitou uma iniciativa de recuperação ambiental de microbacias, o projeto Prodham. Trata-se um projeto piloto em que, através da construção de barragens sucessivas de pedra, é retida a água (até certo ponto) e o solo. “Foi comprovado que na área há aumento de biodiversidade, aumento de produtividade agrícola, recuperação de fontes de água. Os terraços assim construídos concentram a água por oito dias. No entanto, no caso de uma seca muito severa, há esgotamento da água”.

Para aplicar a metodologia do Prodham – recomenda o relato - é preciso identificar microbacias que apresentam declive. O projeto não se aplica em zonas planas. A participação da comunidade ocorre em todo o tempo. Dalvino Franca informa que o sr. Napoleão, líder comunitário, está no projeto desde o início e pode prestar assistência técnica a outros projetos. “A metodologia do Prodham poderia ser replicada em muitos outros lugares, e está disponível para quem quiser. Uma possibilidade seria um programa estadual, abrangendo várias localidades” –afirma o diretor.

Tauá

Em Tauá foi constatado que a agricultura de sequeiro foi destruída no ano de seca. Os reservatórios que abastecem a cidade estão quase secos. O açude Várzea do Boi está em situação de crise. O Trici, que abastece a cidade, tem possibilidade de colapso. Se houver nova seca em 2013, será necessário encontrar uma forma de abastecer a cidade, trazendo água de outras regiões, aprofundando o programa de poços, cisternas, adutoras etc.

Em janeiro e fevereiro de 2012, ano de seca, choveu 292 mm em Tauá, enquanto em janeiro-fevereiro de 2013 choveu apenas 213 mm. Até agora, 2013 se prenuncia até mais grave do que 2012. O gado está sendo afetado, com falta de milho (abastecimento da Conab não é suficiente), de forragem, de água. Segundo o cadastro da Conab, o déficit de atendimento da demanda de milho para o gado é de 78%.

“Encontramos muitas vacas mortas ao longo de estradas que percorremos. As perdas de rebanho, nos dois primeiros meses de 2013, são estimadas em 15% para os bovinos e 10% para ovinos e caprinos” – relata Dalvino Franca. O município tem um programa amplo de universalização de cisternas, tanto de polietileno como de placa. O município está capacitado para trabalhar em conjunto com o governo estadual e o federal, fazendo parcerias para diversas iniciativas objetivando reduzir os impactos da seca e melhorar as condições de vida.

O município de Tauá tem sido alvo de várias iniciativas envolvendo colaboradores de fora, como o projeto Waves, com Universidade Federal do Ceará e instituições da Alemanha. O município conta com 451 poços, 82 adutoras e 46 chafarizes. Tauá tem sido um município inovador. Uma das ideias em discussão é a exigência de uma solução hídrica em todas as novas construções, seja cisterna, poço, ou ligação ao sistema geral de abastecimento. Há grande preocupação em buscar formas de criação de emprego que não dependam do regime de chuvas, cujo principal exemplo é o programa Tauá digital. Tauá também sedia o pólo de energia solar, com participação do Grupo MPX.

Com a destruição da atividade agrícola, muitas pessoas ficaram desocupadas. Para sobreviver, com algum recurso da aposentadoria rural, do Bolsa Família e do bolsa estiagem. “Há uma preocupação especial com os jovens. Eles vêm para a cidade e são presas do problema das drogas, que tem se expandido em geral no interior do semiárido. Outros migram temporariamente para trabalhar em outras regiões. Apenas de uma comunidade, 250 jovens emigraram para São Paulo, para participar no corte da cana”.

O vice-governador Domingos Filho informou que será construída a adutora de Arneirós, que trará água do açude Arneirós II para Tauá. Contudo, só poderá ficar pronta dentro de um ano ou mais. Neste ano de 2013, será preciso encontrar alternativas para o abastecimento de água da cidade, que poderia ser através de grandes carros pipas abastecendo o sistema da Cagece.

Jaguaribe

“De Tauá a Jaguaribe, percorremos ampla região do sertão e vislumbramos diversas paisagens da caatinga seca. Ao lado da estrada vimos açudes vazios ou quase secos, gado magro, gado morto”, relata o diretor da ANA. Em Jaguaribe, a missão se reuniu com o Prefeito José Habner, representantes do DNOCS, da Emater, e secretários municipais. Jaguaribe normalmente não dispõe de uma agricultura significativa, por conta dos solos pobres e áreas desertificadas. Em 2012, praticamente não houve agricultura de sequeiro.

O relato registra que aconteceram grandes impactos na pecuária, com transferência de rebanhos para outras regiões, queda no preço do gado, morte por fome e sede. O programa do governo, de vender milho pela Conab, importado do Centro Oeste, é muito bem-vindo, mas não tem sido suficiente. As condições melhoraram um pouco neste ano, com a abertura de um escritório da Conab em Jaguaribe.

A Conab não tem infraestrutura para atender a emergência, portanto precisa de apoio da prefeitura. A Ematerce faz o cadastro dos produtores, baseado nos dados de vacinação dos rebanhos, para que eles possam comprar o milho da Conab. Jaguaribe tem mais de 1000 produtores cadastrados. Há queixas quanto ao excesso de burocracia. O milho da Conab é vendido entre 18 e 20 reais a saca, contra 55 reais que é o preço de mercado.

Jaguaribe dispõe de água suficiente para o abastecimento urbano e para atividades localizadas nas margens do rio. Contudo, a pequena distância da margem do rio começa a escassez de água. Há fazendas que não dispõem de qualquer tipo de água. Os pequenos açudes já secaram.

Êxodo rural, especialmente de jovens e dos aposentados. Muitas casas na zona rural estão fechadas. O êxodo rural superlota a área urbana. Os problemas de droga são crescentes.

Jaguaribara 

Em Jaguaribara, a missão se reuniu com o prefeito Francini Guedes e equipe da Prefeitura, representantes do DNOCS e da Emater, e de Associações Locais. Conforme o relato, na medida em que alguém se distancia das margens da barragem, a falta de água já se manifesta. Há problemas de abastecimento a 2 km da barragem, com comunidades abastecidas por carros pipas. Áreas do município situadas mais distantes do reservatório enfrentam falta de água.
Castanhão
Houve perda de praticamente toda agricultura de sequeiro em 2012 e transferência de gado, queda de preço do gado em pé, mortandade. Ao longo das estradas há muito gado morto, de fome e sede. Para o fornecimento do milho, as cotas da Conab não são suficientes. Em Jaguaribe, estão misturando restos de caixas de papelão ao capim para servir de volumoso para o gado comer.

Foi identificado que há 3 meses os carros pipas não são pagos (isso acontece também nos outros municípios). Ou seja, os proprietários dos carros pipas estão trabalhando sem receber. Algumas pessoas compram água privadamente, pagando R$ 110 por uma carrada d´água para os animais. O carro pipa só abastece o consumo humano das famílias.

Foi mencionado pelo Prefeito Francini Guedes o caso do Projeto Mandacaru, de irrigação para a bovinocultura. O projeto produz capim para alimentar as vacas, que produzirão leite. Já está produzindo capim, mas as matrizes ainda não foram adquiridas. Então, os produtores estão vendendo o capim aos produtores de sequeiro, fazendo um bom negócio.

Se o ano de 2013 for seco, a situação se tornará mais difícil. Alguém na reunião mencionou que o sertão se esvaziaria de vez, por falta de água para abastecimento humano e animal e de alimento para o gado. Contudo, o Castanhão está preparado para continuar fornecendo água, mesmo em caso de nova seca extrema. O Castanhão garante a água para Fortaleza, de forma segura. Sem ele, Fortaleza também entraria em colapso.

Foi apontada a necessidade de expandir e melhorar os programas de crédito, através do Pronaf, e resolver o problema do abastecimento do milho, que enfrenta problemas de logística no transporte do Centro Oeste para o Nordeste. Segundo Ulisses, do DNOCS, que gerencia o Castanhão, a piscicultura tem mudado o quadro social de muita gente no município. O Gerente do Castanhão é chamado normalmente para resolver conflitos de uso da água do açude. O DNOCS fiscaliza o uso das margens.

Segundo o Prefeito Francini Guedes, o Castenhão propicia uma grande oportunidade econômica. Melhoraram as atividades de irrigação e de piscicultura. O Castanhão é de importância fundamental. Há potencial para mais irrigação. Também pode melhorar a distribuição da água do reservatório.

Em Fortaleza, os integrantes da missão participaram da reunião do Comitê Integrado de Combate aos Efeitos da Seca do Estado do Ceará

Eduardo Martins, presidente da Funceme, ressaltou que em janeiro e fevereiro de 2013 choveu 54% a menos do que em igual período de 2012, e que o prognóstico neste momento é de uma estação chuvosa abaixo da média. Em seguida, foi feito relato dos achados da viagem, por Antonio Magalhães, do CGEE, Dalvino Franca, da ANA, e Carmen Molejon, do Banco Mundial.

Magalhães relatou a impressão da missão sobre os impactos negativos da seca em 2012, particularmente na agricultura, na pecuária e no abastecimento de água. Dalvino lembrou a problema do abastecimento de milho para o gado e informou que a ANA está delegando à Cogerh a gestão de bacias federais no Ceará. Destacou que a ANA tem um Comitê de Crise. Carmen informou sobre o estudo comparativo que está sendo elaborado pelo Banco Mundial, entre diversos países e o Brasil, sobre impactos e políticas de secas.

Registros colhidos na reunião do Comitê Integrado de Combate aos Efeitos da Seca do Estado do Ceará

Segundo o Secretário Adjunto de Agricultura, Antonio Amorim, a situação no município de Crateús é ainda mais grave que aquela observada pela missão nos municípios visitados;

·         Os dois itens mais importantes são abastecimento dágua e alimentação animal;
·         No estado todo, foi grande a mortandade de animais;
·         Na questão do cadastramento na Conab para compra de milho, havia inicialmente 10000 cadastrados; hoje são 60000. Foi tomada a decisão de parar de cadastrar;
·         Há liberação ociosa de água nos grandes açudes do DNOCS, essas águas deveriam ser destinadas à produção;

Os reservatórios e os lençóis freáticos estão baixos;
·         Em 2012, 289000 agricultores aderiram ao programa Garantia Safra. Em 2013, já são 362000;
·         Segundo Valmir, da Ematerce, as perdas de safra em 2012 foram de aproximadamente 100%;
·         As mudanças tecnológicas por que passou a agricultura nas últimas décadas levaram a práticas inadequadas, à compactação dos solos;
·         A resiliência do ecossistema diminuiu: antes, poderia haver um veranico de 3 semanas e na volta da chuva a agricultura ainda poderia ser salva. Hoje, depois de uma semana, as plantações morrem;
·         Na pecuária, a água importante é a dos pequenos açudes, que estão espalhados pelo território. Eles secaram, fazendo morrer as capineiras e os animais;
·         Segundo Ramon Rodrigues, da Secretaria de Recursos Hídricos, a Convenção de Combate à Desertificação não tem apoio do governo federal, o que significa menos ação em relação aos problemas de desertificação e degradação de solos;
·         O Prodham poderia ser expandido para todo o estado, mas permanece uma experiência piloto. No passado, foram feitos 13000 cordões de pedra;
·         Ramon Rodrigues, secretário executivo da Secretaria de Recursos Hídricos, lembrou a existência de 100.000 hectares de áreas irrigadas com infraestrutura e sem aproveitamento, onde poderiam ser plantados grãos e forragens, e não só fruticultura;
·         Itamar, da Secretaria de Agricultura, lembrou o Projeto Áridas e o Pacto das Águas, experiências que poderiam ser implantadas no estado;
·        Francisco Rennys Aguiar Frota, presidente da Cogerh, informou que monitora 139 açudes no Ceará. Uma simulação de aporte zero de água em 2013 (caso de seca extrema) levaria muitas cidades ao colapso de abastecimento d´água.
·         Ramon lembrou que é preciso pensar o pior cenário e “fazer a água chegar antes da adutora”, construindo adutoras emergenciais, com tubos de engate rápido, para levar água a algumas cidades;
·         Euclides Mance, diretor da Fetraerce, lembrou a necessidade de maior envolvimento das universidades, de uma campanha sobre a questão do abastecimento de água, sobre a vulnerabilidade de jovens e mulheres e sobre o uso do pedúnculo do caju para alimentação animal;
·         Gláucia, do Ministério da Saúde, levantou o problema da qualidade da água dos carros pipas, que ela considera “um desastre”. Em sua opinião, a operação carro pipa deveria incluir a compra de equipamentos móveis de tratamento de água. É preciso ter gestão da qualidade de água;
·         Amélia, da Cagece, lembrou a necessidade de uma política cearense de convivência com a seca;
·         O secretário de Agricultura do município de Pentecoste lembrou que o abastecimento da cidade está garantido só até dezembro de 2013, porque o açude Pereira de Miranda, que abastece a região, está com apenas 18% de sua capacidade. Pede mais carros pipas e poços profundos. Ele lembrou que este açude está muito assoreado;
·         Eduardo Martins e Antonio Amorim opinaram que o Comitê de Seca deveria funcionar de forma permanente, para além dos momentos de crise. 

  fonte: http://desimbloglio.blogspot.com.br/2013/03/missao-avalia-impactos-da-seca-no-ceara.html






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