O Instituto Internacional para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (IIED) afirmou em um relatório divulgado nesta semana que as políticas para a alimentação falham porque estão muito concentradas em apenas aumentar a produção nas áreas rurais e não em como trazer esses alimentos de forma mais barata para os habitantes das cidades. Uma das soluções para isso seria o incentivo à agricultura urbana, o que já é bastante comum em países europeus e no Canadá, mas que ainda esbarra na falta de interesse do governo no Brasil.
“A imensa maioria dos recursos públicos é destinada para as zonas rurais, onde os alimentos são vistos como commodities. Para piorar, o pouco que é encaminhado para projetos de agricultura urbana acaba sempre passando por universidades ou prefeituras, que muitas vezes não utilizam os recursos por falta de capacidade para executar projetos”, explica Hans Temp, da ONGCidades Sem Fome, uma das pioneiras em agricultura urbana no Brasil.
Para Marcos José de Abreu, agrônomo doCentro de Estudos e Promoção da Agricultura de Grupo (Cepagro), que coordena diversas iniciativas de agricultura urbana em Santa Catarina, o grande problema é a falta de um plano nacional para a atividade.
“As hortas comunitárias nas cidades são um complemento para a produção de alimentos no Brasil. Assim, não há necessidade de haver uma competição com a agricultura tradicional por recursos públicos. O fundamental seria a criação de uma estratégia nacional para a atividade, algo que lutamos bastante para que seja feito”, afirma Abreu.
Mas se por um lado a falta de interesse do governo é um problema, a dependência extrema dele também seria. A administração da presidente Dilma Rousseff é comprometida em comprar a produção da agricultura familiar, o que para Temps pode gerar uma forma de vício.
“Governos são transitórios. Hoje os pequenos agricultores podem contar que venderão seus produtos para o poder público, mas como ficarão se essa política acabar? Temos que fugir desse modelo e sermos independentes, com o nosso próprio mercado”, alerta.
Já Abreu argumenta que o ideal seria garantir que esse tipo de iniciativa governamental se tornasse uma política pública permanente e protegida de interesses escusos.
“Esse tipo de programa movimenta muito dinheiro e não são poucos os empresários que tentam tirar vantagem dele. O melhor seria se fosse transformado em lei, com muitas garantias para manter seu funcionamento com eficiência. Mas sabemos que é bastante difícil, são muitos interesses em jogo.”
Renda e Alimentos
A agricultura urbana pode ser uma alternativa para diversos dilemas nas cidades, como a geração de emprego e a distribuição de alimentos. O ‘Cidades Sem Fome’, por exemplo, conta com 21 núcleos de hortas implantados em São Paulo, beneficiando diretamente mais de 700 pessoas e quase 4000 indiretamente.
“A capital paulista possui 20 milhões de habitantes e a procura por alimentos é imensa. Como esses produtos costumam vir de fora, acabam sendo comercializados prioritariamente para atender quem pode pagar mais. Assim, as pessoas da classe C e D não têm acesso a feiras em seus bairros e acabam optando por alimentos de baixa qualidade e industrializados”, disse Temp.
Para a entidade, a agricultura urbana é uma opção para solucionar esse problema. Mas é preciso ter cuidado para não classificar a atividade apenas como uma ação social para pessoas carentes.
“É possível gerar muita renda com as hortas comunitárias. O potencial para transformar a atividade em um negócio sério é enorme e também é nisso que focamos. Não queremos apenas ensinar técnicas de plantio, queremos formar empreendedores”, afirma Temp, que já promoveu 48 cursos de capacitação profissional.
O Cepagro também merece destaque no cenário nacional, entre seus projetos estão hortas escolares, que já beneficiaram 15 mil alunos da rede pública, e hortas comunitárias em diversos bairros da grande Florianópolis. A iniciativa mais conhecida do centro é a“Revolução dos Baldinhos”, que une compostagem com produção de alimentos.
“A agricultura urbana não é apenas uma questão social ou alimentar. Pode ser uma terapia, pode ser educação. É preciso que ela seja levada em conta no planejamento das cidades, no 'pensar a cidade'”, disse Abreu.
Preços e Orgânicos
O Cidades Sem Fome possui exemplos de produtividade que em nada ficam devendo para os grandes agronegócios.
“Temos hortas com 12 mil metros quadrados que são capazes de render seis colheitas por ano. O clima em São Paulo é bom para a agricultura e os investimentos iniciais são muito mais baixos do que os vistos no agronegócio”, declarou Temps.
Porém, ainda existem obstáculos para a comercialização. Um deles seria a tendência atual de elevação artificial dos preços dos chamados produtos orgânicos.
“Conseguimos ser competitivos com a agricultura tradicional. Mas existe uma pressão para que os preços sejam elevados, porque teoricamente o público-alvo estaria disposto a pagar mais por produtos vindos de pequenas hortas e projetos sociais. Quem aceita elevar os preços assim está cometendo um equivoco estratégico além de deixar de cumprir um dos objetivos fundamentais da agricultura urbana, que é levar os alimentos para as pessoas de baixa renda”, explicou.
Abreu tem a mesma opinião e responsabiliza os atravessadores pelo aumento dos preços. “Existem alguns fatores que podem sim afetar os preços, como certificações. Mas vemos em muitos casos que são os atravessadores e supermercados que decidem deixar os produtos mais caros propositalmente com o objetivo de lucrar sobre o desejo das classes mais ricas de se alimentar de maneira mais saudável.
Futuro e expansão
Temps é categórico ao afirmar que a agricultura urbana veio para ficar e que deve crescer muito nos próximos anos.
“Vemos em países mais desenvolvidos as pessoas já tendo o costume de pegar seus carros e irem até os produtores para comprar diretamente deles o seu alimento. Estamos caminhando nessa mesma direção. Mas meu sonho é ver uma política pública que reconheça o real valor das hortas comunitárias e que acelere a multiplicação delas.”
A Cepagro também está otimista, a Revolução dos Baldinhos está em franca expansão, com o plano de até 2015 ter construído um novo pátio de compostagem com cinco mil metros quadrados, fazendo com que o projeto atenda cerca de 20 mil pessoas.
“Queremos uma visão holística sobre a agricultura urbana. Os benefícios dessa atividade são muitos e em diversas áreas: saúde, educação, alimentação, segurança, economia...É preciso que os órgãos públicos se deem conta disso e nos ajudem a expandir cada vez mais”, concluiu Abreu.
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Imagens: Projeto do Cidades Sem Fome em Sapopemba, São Paulo / Cidades Sem Fome
Horta comunitária no bairro Chico Mendes, em Florianópolis / Cepagro
FONTE: http://www.institutocarbonobrasil.org.br/agricultura1/noticia=733617
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