Aos indignados da sacolinha
E se a resistência à mudança de hábitos indicar que colocamos a Ética do Consumidor acima de todas as outras?
Por Marília Moschkovich, editora de Mulher Alternativa
A proibição paulistana (e campineira; e provavelmente em outras cidades também, que eu não saberia citar aqui) de supermercados distribuírem sacolas plásticas para que os clientes transportassem as compras tem sido, no mínimo, polêmica. Grupos raivosos pipocaram na internet de todos os lados: contra, a favor, pela volta das sacolas, pelo fim dos supermercados, e por aí vamos. Por que, afinal, uma decisão aparentemente tão simples gerou tanto ódio?
Comecemos do começo. As sacolas plásticas vinham sendo utilizada em larguíssima escala e na maioria das vezes sem a menor necessidade (para carregar um litro de leite apenas, por exemplo, muita gente chegava a usar até duas sacolas). O fato de que depois essa sacola será usada como saco de lixo não exime nem elimina o problema de seu uso. Ela será provavelmente destroçada e seus pedaços acabarão na garganta de algum animal ou humano de qualquer forma, poluindo mananciais entre outros problemas associados.
Trata-se de uma questão maior que é o destino do lixo. O “lixo” que a sacola plástica comporta não acaba na porta da sua casa, nem no caminhão, nem no aterro. É um ciclo longo e muito agressivo, já que somos tantas pessoas tão concentradas nas grandes cidades brasileiras. Na grande maioria dos casos, o lixo poderia ser descartado em caixas de papelão ou sacos de papel, talvez um pouco menos agressivos, embora o descarte ideal e menos nocivo talvez fossem latões comunitários, esvaziados direto no caminhão. Você levaria uma caixa plástica reutilizável ao latão, despejaria seu lixo lá, passaria uma aguinha na caixa e voltaria pra casa feliz e contente. O caminhão recolheria direto esse lixo e levaria o orgânico pra uma grande composteira – enquanto o reciclável seria separado em usinas e reutilizado. Não é tão utópico assim, mas é preciso um pouco de vontade política.
Cidades como Campinas (SP), por exemplo, onde moro há sete anos, têm leis que vão exatamente no sentido oposto, proibindo o lixo de ser descartado em qualquer outro recipiente que não uma sacola plástica. Já tentei descartar em caixa e os lixeiros simplesmente não levam – pois consta na legislação que eles só podem levar sacolas plásticas. O lixo é, essencialmente, uma questão política.
Você, leitor ou leitora, que pode ser mais um indignado-das-sacolinhas, sabe que tem, porém, outros motivos para achar essa lei uma idiotice. O primeiro é que ela só proíbe um tipo de sacolinha e apenas se for gratuita – pagando pode. Isto é uma evidência clara de que não se trata em momento algum de preocupação ambiental. Como eu disse, há outras medidas de descarte e tratamento do lixo que precisariam e poderiam ser tomadas em conjunto, se essa fosse de fato a questão central para as prefeituras e governos que proibiram as sacolinhas de mercado.
As sacolas mais baratas do Pão de Açúcar, por exemplo, são produzidas no Vietnã (sustentabilíssimo importar sacolas de navio ou avião) e devem ter um custo de produção equiparável às proibidas sacolas plásticas. Ah, vale lembrar que elas também são plásticas. Mas reutilizáveis por mais tempo. Um plástico mais resistente – sinceramente questionável se é melhor pro meio ambiente, mas enfim, divago.
Por outro lado, não me parece lá muito sensato reivindicar a volta das sacolinhas. Quem o faz, até agora, tem usado o argumento do “consumidor”. Ah, o bom e velho argumento do “consumidor”, o único que cola na sociedade brasileira contemporânea. Parece que agora os supermercados em São Paulo serão obrigados a oferecer uma forma de transporte das mercadorias compradas. Por que o excelentíssimo consumidor não pode fazer um esforço mínimo de lembrar-se de levar o próprio meio de transporte da mercadoria, não sei. Não me parece fazer sentido algum. Não é um argumento, não há uma racionalidade por trás dessa reivindicação e decisão. Simplesmente porque sim. Porque sempre foi feito. Porque há, no Brasil, uma ética do consumidor que suprime e atropela toda e qualquer outra ética.
Quantas vezes você, de folga no domingão, não ficou decepcionado porque um atendente de alguma loja não foi “simpático” com você? Já pensou se fosse você, trabalhando lá no domingão, indo e voltando de ônibus, com um salário de m*rda? Iria querer ser simpático? Será que você foi simpático com ele? Não importa. Nada disso importa. Você está pagando e tem o direito de ser bem-tratado por isso: assim funciona a lógica dessa “ética do consumidor” aqui no Brasil. Um cidadão só é cidadão quando é consumidor.
Esse tipo de relação entre as pessoas e destas com as coisas não é lá muito construtivo se pensarmos numa sociedade mais sustentável (já que essa é a palavra da moda). Hierarquizamos pessoas e direitos pelo seu poder de compra, reproduzindo o que fazem as empresas conosco. Temos o direito de enviar a aterros sanitários pedaços de plástico que poluem e matam a fauna, afinal, o preço deles já está incluso na nossa mercadoria.
Aos que se lembram ainda de uma outra questão – a das embalagens, que também produzem lixo (embora, se separadas e recicladas, não causem o transtorno que o descarte de lixo em sacolas plásticas causa; e sim, eu sei que o descarte de lixo vai continuar sendo em sacolas plásticas) – pergunto quantos fazem a própria comida toda ou quase toda, evitando embalagens prontas. Você já fez seus próprios biscoitos? Seu próprio iogurte? Seu sabonete? Cream cheese? Receitas muito, muito simples, que demandam pouco tempo e pouco trabalho (além de poucos ingredientes) e que reduzem a quantidade de lixo que você produz.
As embalagens sempre serão permitidas enquanto os produtos prontos forem permitidos. E não defendo que eles sejam proibidos, não. Mas a educação doméstica, para homens e mulheres, na escola e em outros ambientes educacionais, poderia ser essencial para que pudéssemos aprender que fazer macarrão em casa é simples, fácil, rápido, barato e muito mais saudável para seu corpo e para o corpo das outras pessoas em volta, indiretamente.
Este tipo de relação exige, porém, que a ideia do “privilégio absoluto do consumidor” seja extinta ou, no mínimo, muito questionada. O caminho para uma sociedade sustentável passa necessariamente por uma transformação na qual as pessoas se relacionem mais como cidadãos e cidadãs e menos como produtos numa prateleira. Ou numa sacolinha plástica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário