O planeta gota
A água cobre 70% da superfície da Terra. Apesar da abundância, ela está cada vez mais rara e cara. estima-se que 1 bilhão de pessoas não tenham acesso a uma fonte limpa para beber. De acordo com cálculos da ONU, esse número deve dobrar nos próximos quinze anos. os especialistas chamam a situação de crise da água. De todas as crises, é a mais dramática e universal que a humanidade pode enfrentar. Não é possível solucionar o problema das torneiras secas com incentivos fiscais ou manobras cambiais, como se faz numa crise econômica. Tampouco existe produto alternativo que substitua a água, como ocorre com o petróleo. esse líquido incolor, inodoro e insosso é essencial para a sobrevivência humana e, ao contrário do vinho, se torna mais precioso quanto menos cor, cheiro e sabor tiver.
A crise tem características peculiares. Antes de tudo, a água da Terra não vai acabar. Estimase que, circulando por rios, mares, lagos, pântanos e nuvens, o planeta acumule 1,4 bilhão de quilômetros cúbicos de água. Esse líquido evapora dos mares e transpira da vegetação, cai na forma de chuva e retorna para depósitos subterrâneos, rios e oceanos, de onde tudo recomeça com a evaporação. o ciclo hídrico, cujos mistérios os cientistas ainda não desvendaram inteiramente, é uma garantia de renovação. O problema é que a água doce, aquela apropriada para o consumo humano, corresponde a apenas 2,5% do total. Menos de 0,5% da água doce está em depósitos acessíveis ao homem
http://planetasustentavel.abril.com.br/pops/o-planeta-gota-pop1.shtml
Feitas as contas, os 7 bilhões de pessoas contam com pouco mais de 100 000 quilômetros cúbicos para consumo. É uma gota no oceano. A crise seria menos alarmante caso a água estivesse distribuída de maneira equilibrada pelo globo. Não é o que acontece. Vários países nadam na abundância hídrica. O brasil, felizmente, é um deles. outros, especialmente na África e no oriente médio, não dispõem de recursos hídricos para abastecer sua população com o mínimo necessário, que varia de 20 a 50 litros diários por pessoa. mesmo no brasil, que abriga 12% de toda a água superficial do planeta, o desequilíbrio impressiona: 70% da disponibilidade hídrica está na pouco habitada bacia Amazônica. o Sudeste, densamente povoado, guarda apenas 6% das reservas. A situação mundial é agravada pelo aquecimento global, pelo processo de desertificação e pela poluição dos mananciais. Somam-se a isso perdas decorrentes da ineficiência nos sistemas de irrigação e distribuição. dois de cada 10 litros captados são desperdiçados dessa maneira. Calcula-se que a agricultura absorva pelo menos 70% do volume consumido de água doce do planeta. A indústria suga outros 20%. O consumo doméstico — a água que usamos para matar a sede, cozinhar e manter a higiene e a saúde — responde por apenas 10%. A escassez de água foi vista até recentemente como sina de populações pobres. Já não é assim.
Nas previsões pessimistas da ONU para 2015, a falta de água atingirá pesadamente habitantes de regiões na Itália, na França e nos Estados Unidos que já vivem, na expressão dos especialistas, sob stress hídrico. O futuro sombrio está no centro do debate mundial sobre a gestão da água: afinal, esse recurso natural é um bem a que todo ser humano deve ter acesso garantido, ou é uma commodity — um produto como o petróleo, que pode vir a ter seu preço cotado em bolsa de valores? Levado à discussão no V Fórum Mundial da Água, em Istambul, em março do ano passado, o tema causou tumulto, violência e deportação de ambientalistas e ongueiros. A razão do conflito: a recusa dos representantes dos países e das companhias de distribuição de água em incluir no documento fi nal do encontro a declaração de que o acesso à água é direito fundamental de todo ser humano. O documento reafirmou o óbvio: a água é uma “necessidade básica” de todos. A resposta ausente é como esse acesso pode ser garantido. encontrar, coletar, tratar e distribuir a água é um processo caro e, dependendo das condições, bastante complexo.
Como o investimento será recompensado? “É claro que a água potável é um direito humano. o que precisamos é definir o modo mais eficiente de satisfazer essa necessidade”, diz Benedito Braga, da escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e presidente do próximo Fórum mundial da Água, a se realizar em marselha, na França, em 2012. existem algumas boas ideias de como resolver a questão do preço em setembro, um relatório apresentado em parceria pela Coca-Cola e pela Nature Conservancy, organização internacional dedicada à proteção ecológica, propôs a criação de créditos negociáveis de reservas de água a ser adquiridos por empresas, países ou quaisquer comunidades que possam causar impacto direto no abastecimento. Seria uma “pegada da água”, algo similar ao que existe para o carbono. o interesse da Coca-Cola decorre do fato de a água ser o principal ingrediente dos produtos da companhia. São necessários 518 litros para produzir apenas 1 litro de suco de laranja minute maid e 35 litros para meio litro de Coca-Cola.
Do ponto de vista conceitual, a proposta é boa. O crédito seria estabelecido a partir de um indicador de impacto baseado no volume total direto ou indireto de água limpa utilizada para produzir um bem ou serviço esse sistema funciona com as emissões de carbono, que são iguais em toda parte — mas como poderia ser transposto para a água, abundante em alguns lugares e inexistente em outros? A má distribuição faz com que esse líquido essencial valha muito mais em um lugar do que em outro ponto pendente é o comércio internacional de água virtual — o líquido que entra na cadeia produtiva de tudo o que sai dos campos e das indústrias exemplo: para cada quilo de frango de granja foram usados 3 900 litros de água. Para meio quilo de queijo de cabra foram usados 2 000 litros. “Ainda não fechamos o balanço hídrico de cada país, ou seja, a contabilidade entre a quantidade de água retirada dos rios que é exportada em cada quilo de soja, por exemplo, e o volume importado em chips de computador”, diz o biólogo José Galizia Tundisi, presidente do Instituto Internacional de ecologia, empresa prestadora de serviços de gerenciamento de recursos hídricos para indústrias e empresas dos setores público e privado.
Veja infográfico - A água que ninguém vê
Na legislação brasileira, a água é definida como um recurso natural com valor econômico. Uma lei de 1997 instituiu o pagamento pela retirada de água bruta (dos rios) por grandes consumidores, como indústrias, hidrelétricas e companhias agrícolas. “Toda cobrança é administrada por um Comitê de bacias e o dinheiro é revertido para a preservação dos mananciais e o aperfeiçoamento do próprio sistema”, diz Vicente Andreu, diretor presidente da Agência Nacional de Águas (ANA). A conta que cada família recebe em casa, no fim do mês, é outra coisa: o pagamento pelos serviços de captação, tratamento, distribuição e esgoto. Em julho, o Conselho de Direitos Humanos da ONU aprovou uma resolução que define a água como um direito humano tão fundamental quanto o direito à vida e à liberdade. Foi um gesto, não uma solução. “os documentos não asseguram que as populações carentes de Bangladesh ou de Gana passem a receber água potável em casa. Até porque a água custa caro, mesmo para os governos”, pondera maria Luiza machado Granziera, advogada especializada em direito ambiental. Todos concordam que não há condições de a água potável ser gratuita.
O geógrafo Wagner Costa ribeiro, autor de Geografia Política da Água, diz que essa questão só poderá ser resolvida com uma convenção internacional que regulamente o acesso ao mínimo de água para cada habitante — o que, ele ressalta, não é exatamente uma tarefa simples. “Precisamos, primeiro, definir qual é o mínimo per capita. Como se calcula isso, se o modo de vida e o padrão de consumo variam imensamente entre grupos sociais e países ricos e pobres?”, questiona ribeiro. o ponto de discórdia, como sempre, diz respeito a quem paga a conta. Para a canadense maude Barlow, autora de Água, Pacto Azul e voz estridente contra o controle de recursos hídricos por empresas privadas, a resposta para os problemas da água é simples: a estatização. “Cobrar um valor que embuta o lucro de investidores e corte o acesso a quem não possa pagar significa privatizar a água, e isso vai contra a ideia de direito humano”, disse ela a VEJA.
A respeito da desconfiança em relação ao papel que a iniciativa privada vai exercer na busca de uma solução para a crise da água, é curioso observar a forma como o tema é apresentado na cultura popular. Na imaginação daqueles que acreditam que por trás de cada crise humanitária se esconde uma conspiração capitalista, os vilões já foram, entre outros, as companhias de petróleo e, mais recentemente, a indústria farmacêutica. Em Quantum of Solace, o último filme da série James Bond, a maldade é personificada numa multinacional que tenta monopolizar toda a água da Bolívia. Um bode expiatório para tempos de crise.
fonte: http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/ambiente/planeta-gota-615010.shtml?func=2
A Terra tem muita água, mas só uma ínfima parte é própria para consumo. O desafio é como usá-la para que não falte no futuro próximo.
A água cobre 70% da superfície da Terra. Apesar da abundância, ela está cada vez mais rara e cara. estima-se que 1 bilhão de pessoas não tenham acesso a uma fonte limpa para beber. De acordo com cálculos da ONU, esse número deve dobrar nos próximos quinze anos. os especialistas chamam a situação de crise da água. De todas as crises, é a mais dramática e universal que a humanidade pode enfrentar. Não é possível solucionar o problema das torneiras secas com incentivos fiscais ou manobras cambiais, como se faz numa crise econômica. Tampouco existe produto alternativo que substitua a água, como ocorre com o petróleo. esse líquido incolor, inodoro e insosso é essencial para a sobrevivência humana e, ao contrário do vinho, se torna mais precioso quanto menos cor, cheiro e sabor tiver.
A crise tem características peculiares. Antes de tudo, a água da Terra não vai acabar. Estimase que, circulando por rios, mares, lagos, pântanos e nuvens, o planeta acumule 1,4 bilhão de quilômetros cúbicos de água. Esse líquido evapora dos mares e transpira da vegetação, cai na forma de chuva e retorna para depósitos subterrâneos, rios e oceanos, de onde tudo recomeça com a evaporação. o ciclo hídrico, cujos mistérios os cientistas ainda não desvendaram inteiramente, é uma garantia de renovação. O problema é que a água doce, aquela apropriada para o consumo humano, corresponde a apenas 2,5% do total. Menos de 0,5% da água doce está em depósitos acessíveis ao homem
http://planetasustentavel.abril.com.br/pops/o-planeta-gota-pop1.shtml
Feitas as contas, os 7 bilhões de pessoas contam com pouco mais de 100 000 quilômetros cúbicos para consumo. É uma gota no oceano. A crise seria menos alarmante caso a água estivesse distribuída de maneira equilibrada pelo globo. Não é o que acontece. Vários países nadam na abundância hídrica. O brasil, felizmente, é um deles. outros, especialmente na África e no oriente médio, não dispõem de recursos hídricos para abastecer sua população com o mínimo necessário, que varia de 20 a 50 litros diários por pessoa. mesmo no brasil, que abriga 12% de toda a água superficial do planeta, o desequilíbrio impressiona: 70% da disponibilidade hídrica está na pouco habitada bacia Amazônica. o Sudeste, densamente povoado, guarda apenas 6% das reservas. A situação mundial é agravada pelo aquecimento global, pelo processo de desertificação e pela poluição dos mananciais. Somam-se a isso perdas decorrentes da ineficiência nos sistemas de irrigação e distribuição. dois de cada 10 litros captados são desperdiçados dessa maneira. Calcula-se que a agricultura absorva pelo menos 70% do volume consumido de água doce do planeta. A indústria suga outros 20%. O consumo doméstico — a água que usamos para matar a sede, cozinhar e manter a higiene e a saúde — responde por apenas 10%. A escassez de água foi vista até recentemente como sina de populações pobres. Já não é assim.
Nas previsões pessimistas da ONU para 2015, a falta de água atingirá pesadamente habitantes de regiões na Itália, na França e nos Estados Unidos que já vivem, na expressão dos especialistas, sob stress hídrico. O futuro sombrio está no centro do debate mundial sobre a gestão da água: afinal, esse recurso natural é um bem a que todo ser humano deve ter acesso garantido, ou é uma commodity — um produto como o petróleo, que pode vir a ter seu preço cotado em bolsa de valores? Levado à discussão no V Fórum Mundial da Água, em Istambul, em março do ano passado, o tema causou tumulto, violência e deportação de ambientalistas e ongueiros. A razão do conflito: a recusa dos representantes dos países e das companhias de distribuição de água em incluir no documento fi nal do encontro a declaração de que o acesso à água é direito fundamental de todo ser humano. O documento reafirmou o óbvio: a água é uma “necessidade básica” de todos. A resposta ausente é como esse acesso pode ser garantido. encontrar, coletar, tratar e distribuir a água é um processo caro e, dependendo das condições, bastante complexo.
Como o investimento será recompensado? “É claro que a água potável é um direito humano. o que precisamos é definir o modo mais eficiente de satisfazer essa necessidade”, diz Benedito Braga, da escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e presidente do próximo Fórum mundial da Água, a se realizar em marselha, na França, em 2012. existem algumas boas ideias de como resolver a questão do preço em setembro, um relatório apresentado em parceria pela Coca-Cola e pela Nature Conservancy, organização internacional dedicada à proteção ecológica, propôs a criação de créditos negociáveis de reservas de água a ser adquiridos por empresas, países ou quaisquer comunidades que possam causar impacto direto no abastecimento. Seria uma “pegada da água”, algo similar ao que existe para o carbono. o interesse da Coca-Cola decorre do fato de a água ser o principal ingrediente dos produtos da companhia. São necessários 518 litros para produzir apenas 1 litro de suco de laranja minute maid e 35 litros para meio litro de Coca-Cola.
Do ponto de vista conceitual, a proposta é boa. O crédito seria estabelecido a partir de um indicador de impacto baseado no volume total direto ou indireto de água limpa utilizada para produzir um bem ou serviço esse sistema funciona com as emissões de carbono, que são iguais em toda parte — mas como poderia ser transposto para a água, abundante em alguns lugares e inexistente em outros? A má distribuição faz com que esse líquido essencial valha muito mais em um lugar do que em outro ponto pendente é o comércio internacional de água virtual — o líquido que entra na cadeia produtiva de tudo o que sai dos campos e das indústrias exemplo: para cada quilo de frango de granja foram usados 3 900 litros de água. Para meio quilo de queijo de cabra foram usados 2 000 litros. “Ainda não fechamos o balanço hídrico de cada país, ou seja, a contabilidade entre a quantidade de água retirada dos rios que é exportada em cada quilo de soja, por exemplo, e o volume importado em chips de computador”, diz o biólogo José Galizia Tundisi, presidente do Instituto Internacional de ecologia, empresa prestadora de serviços de gerenciamento de recursos hídricos para indústrias e empresas dos setores público e privado.
Veja infográfico - A água que ninguém vê
Na legislação brasileira, a água é definida como um recurso natural com valor econômico. Uma lei de 1997 instituiu o pagamento pela retirada de água bruta (dos rios) por grandes consumidores, como indústrias, hidrelétricas e companhias agrícolas. “Toda cobrança é administrada por um Comitê de bacias e o dinheiro é revertido para a preservação dos mananciais e o aperfeiçoamento do próprio sistema”, diz Vicente Andreu, diretor presidente da Agência Nacional de Águas (ANA). A conta que cada família recebe em casa, no fim do mês, é outra coisa: o pagamento pelos serviços de captação, tratamento, distribuição e esgoto. Em julho, o Conselho de Direitos Humanos da ONU aprovou uma resolução que define a água como um direito humano tão fundamental quanto o direito à vida e à liberdade. Foi um gesto, não uma solução. “os documentos não asseguram que as populações carentes de Bangladesh ou de Gana passem a receber água potável em casa. Até porque a água custa caro, mesmo para os governos”, pondera maria Luiza machado Granziera, advogada especializada em direito ambiental. Todos concordam que não há condições de a água potável ser gratuita.
O geógrafo Wagner Costa ribeiro, autor de Geografia Política da Água, diz que essa questão só poderá ser resolvida com uma convenção internacional que regulamente o acesso ao mínimo de água para cada habitante — o que, ele ressalta, não é exatamente uma tarefa simples. “Precisamos, primeiro, definir qual é o mínimo per capita. Como se calcula isso, se o modo de vida e o padrão de consumo variam imensamente entre grupos sociais e países ricos e pobres?”, questiona ribeiro. o ponto de discórdia, como sempre, diz respeito a quem paga a conta. Para a canadense maude Barlow, autora de Água, Pacto Azul e voz estridente contra o controle de recursos hídricos por empresas privadas, a resposta para os problemas da água é simples: a estatização. “Cobrar um valor que embuta o lucro de investidores e corte o acesso a quem não possa pagar significa privatizar a água, e isso vai contra a ideia de direito humano”, disse ela a VEJA.
A respeito da desconfiança em relação ao papel que a iniciativa privada vai exercer na busca de uma solução para a crise da água, é curioso observar a forma como o tema é apresentado na cultura popular. Na imaginação daqueles que acreditam que por trás de cada crise humanitária se esconde uma conspiração capitalista, os vilões já foram, entre outros, as companhias de petróleo e, mais recentemente, a indústria farmacêutica. Em Quantum of Solace, o último filme da série James Bond, a maldade é personificada numa multinacional que tenta monopolizar toda a água da Bolívia. Um bode expiatório para tempos de crise.
fonte: http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/ambiente/planeta-gota-615010.shtml?func=2
Nenhum comentário:
Postar um comentário