sábado, 10 de março de 2012


Planeta água sob a terra


Cientistas alcançam o Lago Vostok, isolado a 4 000 metros de profundidade, um exemplo das enormes reservas de água doce abaixo da superfície da Terra.

Depois de duas décadas perfurando o solo numa das regiões mais frias e inóspitas do planeta, na Antártica, um grupo de cientistas russos conseguiu, no sábado 4, chegar às águas do Lago Vostok, um enorme bolsão subterrâneo de água doce preservado há 15 milhões de anos por uma camada de 4 quilômetros de gelo. Se comparado aos lagos de superfície do planeta, o Vostok ocupa o sétimo lugar em volume de água. O interesse científico em esmiuçar suas características é enorme. Desde que sua existência foi detectada, na década de 70, os cientistas especulam que ele pode abrigar formas primitivas de vida, que sobreviveram a condições extremamente hostis, sem luz nem nutrientes, com temperatura e pressão extremas. 

Mais do que isso: havendo algum tipo de vida na água do Vostok, aumenta a probabilidade de encontrar organismos semelhantes no espaço. Pesquisas recentes provam que em duas luas de Júpiter, Calisto e Europa, existem camadas de gelo similares àquelas que cobrem a Antártica. Debaixo delas, pos-sivelmente, há lagos intocados como o Vostok, que podem abrigar vida. No próximo verão do Polo Sul, em dezembro, os cientistas vão retirar amostras da água do Vostok, por meio do buraco aberto até sua superfície, e os resultados das análises devem ser divulgados em meados de 2013. O passo seguinte, daqui a dois anos, será enviar uma sonda-robô para dentro do lago, com a missão de coletar mais amostras de água e dos sedimentos que se encontram no fundo do Vostok. 

O feito espetacular dos pesquisadores russos é proporcional às dificuldades que eles encontraram ao longo do projeto. Na região acima do Vostok, registrou-se em 1983 a menor temperatura da história recente do planeta: 89 graus negativos. Os cientistas só puderam trabalhar durante os breves verões antárticos, quando as temperaturas são relativamente amenas, na casa de 40 graus negativos. Além disso, há catorze anos os trabalhos foram interrompidos por uma delicada questão técnica. Para evitar que a broca que realizava a perfuração congelasse, a equipe injetava no buraco, à medida que era escavado, uma mistura de querosene com freon, um composto que não se mistura com a água. 

Os cientistas temiam que, ao atingir o Vostok, esse líquido vazasse para dentro do lago, contaminando-o. Para evitar esse desastre, foi instalado um sensor de pressão que interromperia a escavação assim que se detectasse o limite do lago. A expectativa dos cientistas se confirmou na última semana. Quando se atingiu o Vostok, a enorme pressão a que o lago está exposto fez com que um jato de sua água subisse pelo buraco escavado. Essa água, submetida a uma pressão menor, congelou-se e vedou o buraco. 

O Lago Vostok é uma ilustração perfeita das riquezas hídricas que se ocultam sob a superfície do planeta. De toda a água doce disponível na Terra, apenas 1% está a céu aberto, em forma líquida ou gasosa. Setenta por cento estão depositados em forma de gelo nas geleiras e calotas polares. Os 29% que restam estão justamente debaixo da terra, depositados principalmente nos aquíferos, que abrigam 100 vezes mais água que os rios e lagos do globo. Os aquíferos são enormes camadas subterrâneas de rochas permeáveis. Por bilhões de anos, cada uma dessas formações geológicas espalhadas pela Terra agiu como uma esponja, retendo a água filtrada da superfície e acumulando-a ao longo de sua extensão. A água corre entre os poros das rochas. 

Estimativas recentes dizem que os aquíferos são responsáveis por 1 de cada 3 litros da água utilizada para consumo humano e na agricultura. Eles mantêm o nível de muitos rios nas épocas de seca e absorvem a água excedente em períodos de chuva. No norte da África, a porção do continente mais pobre em recursos hídricos, os aquíferos garantem a água que aflora nos oásis do Deserto do Saara. "Os aquíferos são importantes, embora não sejam a salvação do planeta, porque é preciso preservar as fontes de água superficiais", analisa o geólogo Didier Gastmans, do Centro de Estudos Ambientais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Rio Claro.

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