A esperança morreu na praia, artigo de Leandra Gonçalves
Leandra Gonçalves
O pulmão do mundo está no azul dos mares, não no verde das florestas. Era nos oceanos também que estavam sendo depositadas as maiores fichas de esperança para resultados positivos da Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20. A esperança morreu na praia.
Os mares cobrem 70% da superfície do Planeta Terra e são responsáveis por prover metade do oxigênio que respiramos e absorver pelo menos ¼ do gás carbônico (CO2) emitido por atividades humanas. Eles controlam a qualidade de vida, mantêm a maior parte da biodiversidade e ainda são considerados, pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), a maior fonte de proteína do mundo. Apesar de tamanha importância, apenas 1% encontra-se protegido.
Embora até o último momento os ambientalistas se mantivessem otimistas para a chance de avanços concretos para a construção de um acordo internacional que viesse a garantir a implementação de uma rede de áreas marinhas protegidas em águas internacionais, o texto final ficou vago e completamente esvaziado de propostas concretas. As proposições foram adiadas para 2015.
Países utilizam como desculpa a crise financeira internacional. Entretanto, estudo publicado pelo Banco Mundial e pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) demonstrou que as perdas devido à sobrepesca atingem cerca de US$ 50 bilhões por ano. O estudo conclui também que uma melhoria na governança dos oceanos é peça-chave para recuperar uma grande proporção dessa perda econômica. Somado a isso, estima-se que ao criar reservas marinhas em cerca de 20% a 30% dos oceanos seriam criados milhões de empregos, e possibilitaria a produção pesqueira de em média US$ 70 bilhões a US$ 80 bilhões por ano, além dos serviços ambientais no valor bruto de US$ 4,5 trilhões a US$ 6,7 trilhões por ano.
O documento final da Rio+20 reconhece muitos dos pontos-chaves, mas com baixo nível de compromisso sério. Há ainda um único ponto positivo em toda essa discussão: os mares ganharam uma cobertura de mídia nunca antes vista neste país. Jornais, revistas e os principais formadores de opinião comentaram sobre o tema, mas isso não foi suficiente para pressionar os governos a estarem à frente do seu tempo, e decidirem em prol da preservação dos mares.
No Brasil, em nosso contexto nacional, a situação não é diferente. O governo brasileiro perdeu a chance de ampliar o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, a maior área de biodiversidade do Oceano Atlântico Sul, e que se tornaria a maior área protegida do mundo. Não saiu do papel.
A região é importante espaço de acasalamento e reprodução de baleias jubarte, espécie em recuperação que segue classificada na categoria vulnerável da lista nacional de tipos ameaçados de extinção, elaborada pelo Ministério do Meio Ambiente. Além das baleias, Abrolhos abriga tartarugas, peixes e aves marinhas em risco de extinção.
O Parque Nacional é também importante para manter os estoques pesqueiros e pelo seu expressivo patrimônio genético, com enorme potencial para utilização biotecnológica. Seu entorno abriga também um extenso banco de algas calcárias, importante depósito natural de carbono, acumulado durante milhares de anos e que contribui inclusive para o equilíbrio climático.
A criação de áreas marinhas protegidas é a melhor ferramenta para a preservação, recuperação e manutenção dos oceanos, no seu desempenho como regulador do clima do planeta. São essas importantes áreas que fornecem tempo e espaço para a natureza se recuperar.
Para Jacques-Yves Cousteau, documentarista e oceanógrafo mundialmente conhecido por suas viagens de pesquisa, %u201Cos que decidem sobre o amanhã devem avaliar o impacto no futuro%u201D. Parece que nossos líderes estão ignorando que, ainda nesta década, se esgotará a possibilidade de adiar decisões que afetam a sustentabilidade das gerações futuras.
Nada disso foi levado em conta. Nesse caso, no balanço final, nosso recurso mais escasso: o tempo! Esse nos faz correr contra o relógio, cobrar dos tomadores de decisão que, passada a ressaca da Rio+20, decisões sejam tomadas, e o terreno seja preparado para que em um futuro próximo os mares sejam preservados, não apenas pela biodiversidade, mas por que é dele que depende a nossa sobrevivência na Terra.
Leandra Gonçalves, doutoranda de relações internacionais pela USP e coordenadora do Programa Costa Atlântica da SOS Mata Atlântica. Artigo publicado no Correio Braziliense de 29 de junho de 2012.
fonte: http://www.sosma.org.br/blog
Nenhum comentário:
Postar um comentário