Alerta para a gravidade do derretimento no ártico
Por Alexandre Araújo Costa*
O derretimento recorde de gelo no Ártico é extremamente preocupante. A figura mostra a área coberta por gelo em 27/08, em comparação com a fronteira típica do gelo (tecnicamente, a mediana) a esta altura do ano, no período de 1979-2000 e com o recorde mínimo anterior, de 2007.
O que mais assusta, além da pulverização do antigo recorde, são dois fatos. Primeiro, que o gelo ainda deverá encolher por mais duas a três semanas (pois é em setembro que o mínimo anual ocorre). Segundo, que a área de gelo marinho em 27/08/2012, como se pode constatar facilmente, corresponde apenas a cerca da metade da área que deveria ocupar se as condições climáticas médias do período de 1979 a 2000 tivessem prevalecido até hoje.
A extrema gravidade da situação do Ártico ocorre ao mesmo tempo em que o violento Isaac atinge New Orleans, fazendo-nos relembrar da tragédia do Katrina. Vem no mesmo ano em que eventos extraordinários e devastadores como as enchentes na Rússia e a seca, o calor extremo e os incêndios florestais no meio-oeste americano já haviam acendido a luz vermelha da questão climática.
Ocorre no ano em que, em maio (quando, precedendo o crescimento da vegetação do hemisfério norte no verão, ocorrem os máximos anuais), beiramos as 397 partes por milhão (ppm) de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera terrestre. Isto é 24% acima do valor de Maio de 1962. Isso mesmo, apenas 50 anos atrás.
Na verdade, o ano de 2012, que havia começado sob influência de um evento de La Niña (condição em que o Oceano Pacífico, mais frio do que o normal, tenderia a contribuir para a redução das temperaturas globais), rapidamente tem entrado para a galeria dos mais quentes da história. O mês de julho de 2012 é o quarto mais quente do registro histórico (desde 1880), passando a terceiro, se considerarmos apenas as áreas continentais. Este mês também foi o julho mais quente de todo esse período no Hemisfério Norte.
Considerando o ano inteiro até aqui, mesmo com a La Niña que dominou os primeiros meses, já vivemos o décimo período de janeiro a julho mais quente nos registros (sexto mais quente, considerando apenas áreas continentais). Lembro, aliás, no começo do ano, que eu até admitia que, em função da La Niña forte, 2012 poderia ficar de fora dos “top ten” (e isso, aliás, me deixava alerta para o que os bufões da negação da mudança climática poderiam dizer…). Como eu estava enganado!
Os alertas lançados pela comunidade de Cientistas do Clima têm tido, infelizmente, efeito limitado sobre a sociedade, que se entrega coletivamente a um espírito de negação da realidade, presa ao vício dos combustíveis fósseis. Contribui para essa letargia, é claro, a pressão econômica dos poderosíssimos lobbies petroquímico, de mineração (de carvão), do agronegócio, automobilístico, etc. sobre os governos nacionais. Contribui para a confusão da opinião pública a propaganda orquestrada por esses segmentos junto à sociedade e o papel ridículo de um punhado de irresponsáveis – na academia e na imprensa – que preferem fazer de um falso dissenso a sua pose para a foto.
Mas lamentavelmente parece que podemos ganhar um aliado indesejável para a conscientização. Podemos afirmar, sem sombra de dúvidas, que o processo de modificação do clima pela ação humana está mais acelerado do que a própria comunidade de Cientistas do Clima costumava acreditar.
Hoje, esse processo é visível numa escala de tempo e intensidade em que a sociedade é capaz de perceber e cabe a nós, que temos consciência desse processo, reverberá-lo em sua crucialidade e urgência. Espero, apenas, que os olhos até agora cerrados e os ouvidos até agora tapados da humanidade não se abram somente diante de clarões e estrondos de mudanças irreversíveis.
* Professor titular da Universidade Estadual do Ceará (Uece), PhD em Ciência Atmosférica pela Universidade do Estado do Colorado, integrante do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC)
fonte: blogs.diariodonordeste.com.br
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